domingo, 10 de julho de 2011

O fascinante mundo em preto e branco de Robert Longo

Catedral da Luz, 2008-2009, carvão sobre papel, 304,5x151,8cm
Não, não se trata de mais um fotógrafo que preferiu eliminar as cores das suas fotos e fotografar com as boas e velhas câmeras antigas. Por mais parecidos que seus trabalhos sejam com fotografia, trata-se, na verdade, de um artista que prefere usar o simples carvão para fazer desenhos super complexos.

Robert Longo
Robert Longo nasceu no Brooklin, Nova Iorque, em 1953. Formou-se em Artes Plásticas no Buffalo State College e entre 1973 e 1975 esteve em Florença, Itália, como bolsista da Accademia di Belle Arti. Já participou de muitas exposições, individuais e coletivas, como a Bienal de Veneza de 1997 e 2002. Mas também já expôs seus desenhos em diversas cidades europeias, entre as quais Lisboa, no Museu Berardo. Ele diz que foi muito influenciado por várias mídias, incluindo o cinema e o desenho em quadrinhos.

Mas o que mais chama a atenção em Robert Longo não é nada mais do que seus enormes desenhos feitos simplesmente com carvão. Segundo ele disse a uma repórter do jornal "O Globo", o fascínio pelo carvão aconteceu meio como um acidente comum a quem é artista. Um dia ele queria desenhar e viu que não tinha lápis. Deu de cara com uns pedaços velhos de carvão e resolveu desenhar com eles. Foi aí que viu a potencialidade incrível do carvão para fazer desenhos maravilhosos.

Um fascínio que dá para compreender. Eu mesma, em minha experiência pessoal com os desenhos a carvão, vejo que há possibilidades imensas de desenho, quando conseguimos domar a “fera” que está por trás do carvão. Muita sujeira se faz até conseguir dominar a fluidez e obter toda a luz possível de um pedaço de carvão preto.

Vista da sala de estudo com livros em 1938, 2002,
167,6 x 274,3 cm, carvão sobre papel (escritório de Sigmund Freud)
Robert Longo falou na mesma entrevista que cresceu “num tempo em que as revistas publicavam fotos coloridas de astros de cinema e de presidentes da república, mas usavam o preto e branco para as imagens da guerra do Vietnã, da fome na India”. E ele diz que isso parecia querer dizer que somente essas duas cores são capazes de mostrar a verdade.

Seus desenhos gigantes falam, também, do mundo contemporâneo. Ele desenhou pessoas contorcidas, pessoas solitárias. Também quis dizer algo quando escolheu representar as três grandes religiões monoteístas da humanidade, desenhando seus lugares sagrados: a Basílica do Vaticano, o lugar de peregrinação mulçumana em Meca, na Arábia Saudita e o Muro das Lamentações em Jerusalém. Tudo isso... desenhado com carvão!

Mas a fotografia é uma coisa, o desenho é outra, claro. Longo ressalta que uma fotografia é obtida a partir de uma máquina, mas o desenho sai direto da mão do artista. Isso tudo é muito interessante, especialmente quando vivemos em um período em que Escolas de Arte ensinam (!) que desenhar já não é mais preciso; ou ensinam que desenhar e pintar está fora de moda. Ou que hoje, com a tecnologia e a informática permitindo outros meios, a mão do artista poderia se reduzir, talvez, aos movimentos sobre o mouse...

Como sou daquelas que desenham e pensam que o mundo será sempre desenhado, fico muito feliz quando vejo um artista "clássico" (desenhista e pintor), como esse, fazendo sucesso pelo mundo a fora!

Robert Longo está em cartaz, com uma exposição dos seus carvões, no Kunsthalle Weishaupt na cidade de Ulm, na Alemanha, além de galerias e museus norte-americanos. Alguns de seus desenhos foram publicados na oitava edição da revista “Serrote” do Instituto Moreira Salles, lançada esta semana na Feira Literária de Parati.


Três dos desenhos feitos com carvão por Robert Longo:
Basílica de São Pedro, Vaticano
Peregrinos em Meca, Arábia Saudita
Muro das Lamentações, Jerusalém

terça-feira, 5 de julho de 2011

Caravaggio vem aí!


Caravaggio pintado
por Ottavio Leoni,
por volta de 1621, Florença,
Biblioteca Marucelliane, Itália
O Museu de Arte de São Paulo será palco de uma das maiores exposições dos últimos anos, em 2012: uma mostra de 8 obras do Mestre Michelangelo Merisi da Caravaggio  (1571-1610), o grande mestre da Pintura Barroca e mais 18 obras de pintores "caravaggistas", entre os quais o espanhol José Ribera, os italianos Mattia Preti, Orazio Gentileschi, Giovanni Battista Caracciolo e o francês Simon Vouet.
Essas pinturas deverão ser exibidas no MASP, em São Paulo, entre junho e agosto de 2012, como parte da programação do Ano da Itália no Brasil. A data certa ainda está sendo negociada pela empresa responsável pela produção da exposição, a Base 7.

Esse importante evento artístico estava sendo previsto e programado há dois anos  e inicialmente seria apresentada na Pinacoteca do Estado de São Paulo no final deste ano, mas por problemas de agenda da Pinacoteca tudo acabou sendo reprogramado para o MASP e para 2012. Mas, primeiro, Caravaggio e os caravaggistas vão ser expostos primeiro na Casa Fiat de Belo Horizonte, Minas Gerais, com data prevista de inauguração para 27 de março de 2012.

Segundo Ricardo Ribenboim, um dos proprietários da Base 7, os três temas que serão apresentados pelas obras são:  religiosidade, violência e sensualidade. Deverão vir para o MASP obras importantes como "Narciso" (1599) e "Medusa" (1596), além de "São João Batista" (1603).

A exposição tem o apoio da Direzione Generale Dei Musei Statali Italiani. O curador, no Brasil, é Fábio Magalhães; e na Itália, Rossella Vodret. O orçamento para trazer esses quadros para o Brasil é de cerca de R$ 3,5 milhões, mas segundo diz Ribenboim, a imensa parte é para o seguro das obras.

Diante de uma notícia como esta, vamos acompanhar o desenrolar da programação e falar muitas vezes aqui, de Caravaggio e dos pintores que o imitaram posteriormente, especialmente os que serão vistos aqui no Brasil no ano que vem, como José Ribera, Mattia Preti, Orazio Gentileschi, Giovanni Battista Caracciolo e Simon Vouet.

Quem foi Caravaggio, rapidamente - um italiano nascido em 29 de setembro de 1571 e morto em 18 de julho de 1610. Sua obra simplesmente revoluciona a Pintura do século XVII, pelo seu caráter realista, quase brutal e a utilização da técnica do claro-escuro que influencia numerosos pintores depois dele. Leia mais aqui.

domingo, 3 de julho de 2011

O estilo Pictórico e o domínio da Luz


Tem dias que a gente fica horas diante do papel em branco à nossa frente, lápis ou pincel na mão, aguardando a forma que surgirá do desenho. Mas há dias em que a forma insiste em não vir. E não vem.


Melhor ler. Conceitos fundamentais de História da Arte, de Heinrich Wöllflin. Conceitos densos, complicados. E eu tentando entender a linearidade do mundo. E meu coração pictórico.

Pego um poeta para ler: João Cabral de Melo Neto, pernambucano que nem eu. Leio lá em “Lição de Poesia”:


“Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.”

Estudo em pastel sobre papel cartão

Vi que não estou só, neste domingo nublado, quase frio. Estudando os conceitos do Estilo Pictórico que praticamos no Atelier do qual faço parte, vamos assim, entre a pintura e o texto, fazendo descobertas profundas sobre o mundo da Pintura. E sobre o Mundo. 

Até a Renascença, o estilo de pintura que se fazia (que incluía a pintura de Leornardo Da Vinci, e todos os outros que vieram antes de Rafael de Sanzio) era Linear. Ou seja, a linha delimitava os espaços, dava contornos às figuras, ajudava o olhar a traduzir o que viam em termos de imagens. Para dar um exemplo bem simples: se pedimos a qualquer pessoa, criança ou adulto, que faça qualquer desenho sobre uma folha de papel, a imensa maioria vai traçar linhas, seja configurando um rosto, uma flor, um barco. Essa é, em sentido bem primário, uma forma linear de desenhar o mundo.

Mas nem isso eu conseguia fazer neste domingo, nem uma linha sobre uma folha em branco. Pensamentos e sentimentos inquietos só acalmavam de volta ao livro, ou ao Poema:

“Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:
nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.”



Detalhe de estudo em pastel sobre papel cartão
Nessa conversa entre mim e João Cabral, procuro desvendar o mundo, tentando uma interpretação pictórica dele. Vendo a realidade em suas infinitas formas, aprendo a observar o mundo como jogos de valores, de massas, de sombras e de Luz. Principalmente de Luz. Lá no Atelier de Arte Realista, meu ponto de encontro de todos os sábados, enquanto desenhamos e pintamos, conversas muito profundas acontecem, fora os encontros mensais do Grupo de Estudo de Arte Realista.

Pintar com a Luz. Desenhar com a Luz. Em plena São Paulo. Em pleno século XXI.
Estudo em pastel sobre papel cartão
Minha luta de hoje também era explicar tudo isso, em termos de palavras, para este Blog, um dos que resistem ao pensamento dominante. Um Blog que trata de Arte e de Realidade, de Arte Realista, de Real. O Real que é o resistente. Fala, João:



“A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.”


Estudo em pastel sobre papel cartão
Carvão. Passei meses sobre folhas de papel cartão, aprendendo a dominar o carvão. No Estilo Pictórico, dentro da visão Realista da Arte, sujando meus dedos, minhas mãos, meu rosto. Para buscar a pureza da visão pictórica do mundo. 
Antes de Rafael Di Sanzio (1483-1520), a pintura seguia o estilo Linear. O Renascimento estava no auge, quando houve a ruptura do Linear ao Pictórico, e isso foi feito por Rafael, enquanto pintava a Stanza d’Eliodoro, entre 1512 e 1514. Aos olhos do mundo, diz Wöllflin, ele executou essa ruptura, que influenciou milhares de pintores nos século seguintes, a começar do Barroco. Exatamente no afresco “A Expulsão de Heliodoro do Templo”, um mural de 5 metros de altura, por 7 metros e meio de largura, localizado no Vaticano.

“Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.”

Eu e meus carvões. Eu e meus pasteis. E a tela em branco. Mas na minha cabeça, os conceitos todos:
- criar a impressão de Movimento 
- pintar o essencial
- não há contornos definidos por linha, mas volumes
- tudo é grande, vaporoso
- buscar a unificação das grandes massas

Enfim, olhar para o mundo e ver que tudo se relaciona, mesmo os opostos, nem que seja por um simples matiz de luz. Ou por pequenos toques, como diz
Maurício Takiguthi. Sim, porque o estilo pictórico pensa o mundo como massas: Luz e Sombra são seus elementos. Luz e sombra dão Movimento. Dão Vida.


No estilo linear, a linha funciona como um guia que é seguro e dá segurança ao artista. Eu delimito as formas, as figuras, os espaços, deixando simplesmente a linha correr da minha mão para o papel.

Estudo em pastel sobre papel cartão
Mas no estilo Pictórico, o mundo se torna instável, inseguro. Porque o movimento disperso da massa de Luz não dá em parte alguma um limite, um fim. Tudo se espalha, o carvão espalha massas e valores. O pastel e a tinta teimam em se esvair além da forma. A tinta se espalha, as cores e as tonalidades se derramam buscando as profundezas, como diz Wöllflin. Os limites se tornam fluidos; limites que não são um fim em si, são infinitos.


E o artista - nesse descontrole - aprende a controlar essas massas, descontrolando-as. Meio louco, mas é assim mesmo! Pois a pintura deve passar a impressão de mudança contínua. Em lugar da Linha, uma "área terminal indefinida".


Partes da Pintura ou do Desenho parecem avançar ou recuar no espaço. Espaço que é profundo, diferente dos espaços claros, lógicos e até mesmo elegantes do estilo linear. Na arte Pictórica, "o olho é atraído para o fundo e para insondáveis profundezas", diz Wöllflin. O estilo é livre, nessa desordem pictórica.

Mas é preciso agora falar dessa “Liberdade”.
Detalhe de estudo em pastel sobre papel cartão
Não é a "liberdade" apregoada atualmente, que diz a qualquer um que o bom é “ser livre” e executar qualquer coisa do jeito que se quiser, sem regras. Abaixo as regras, dizem eles, que criaram essa regra canônica e dogmática. Mas não praticam a Liberdade, a verdadeira que se consegue quando se tem o domínio sobre o caos das massas e da Luz. É que ser livre dá trabalho! 

Eles, parece, não sabem, como o Poeta, o que significa:

“A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.”

Mas voltando ao Estilo Pictórico, sem mais distrações. Numa obra de arte pictórica, o eixo do quadro é obliquo e o ordenamento é assimétrico. O ponto de gravidade é deslocado, criando tensão. Tudo é jogo de Luz e Sombra, onde nem tudo precisa ficar claro. Há partes veladas, objetos sobrepostos, massas sobrepostas. Movimento. Aquilo que parece estar oculto pelas sombras do quadro, parece que “luta para entrar na luz”. Esse Wöllflin...

Detalhe de um estudo com pastel
Numa pintura Pictórica (não tem nada a ver com “colorida”), tudo está em correspondência, através da Massa que equilibra o Todo. Tudo forma um Conjunto, uma Unidade. Não se busca extrair da cor individual toda sua força e pureza, mas criar Harmonia na relação entre as cores, de modo que uma cor realce o efeito individual de outra. A cor local está subordinada a uma TONALIDADE GERAL e sua força individual, enquanto Cor, surge nas múltiplas transições dadas por essa subordinação.

Isso tudo parece complicado demais? Isso tudo é lindo demais! Porque foi depois de conceber o mundo deste ponto de vista que o Pintor começou a trazer as multidões para seus quadros, e não somente indivíduos. Foi com esse pensamento que novos pintores trouxeram para suas telas os temas humanos, a presença humana.

A ciência da Luz, que surgiu em paralelo desde o século XIII, trouxe no século XX a grande novidade da dupla função onda-partícula da Luz, mostrando a todos que o mundo é uma cadeia de relações e que nada, absolutamente nada, se encontra isolado, sem sofrer e causar consequências. Como no desenho onde as massas conversam entre si, num jogo de sombras e de luz, que configuram uma Forma, que o olho humano vê, interpreta e dá um nome.

E o mais bacana é que esse modo de pensar é real e atual: se pratica aqui em São Paulo, no Atelier da Rua Frei Caneca.

Mauricio Takiguthi faz uma demonstração aos alunos do Atelier de Arte Realista

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Peter Paul Rubens, um mestre para ser lembrado

Vênus e Adônis,  óleo sobre tela, 194x236cm, Metropolitan Museu of Art, New York, EUA 
Neste 28 de junho, tivemos motivos a mais para comemorar, além das nossas festas juninas: o aniversário de nascimento de um dos maiores pintores do Ocidente: Peter Paul Rubens, a quem Eugène Delacroix (pintor francês) deu o título de "o Homero da pintura".


Autoretrato, 1632
Rubens nasceu em 1577 na pequena cidade de Siegen, na Vestfalia, próximo a Colônia, cidade alemã. Para lá tinham fugido seus pais que apoiavam a independência dos Países Baixos da dominação espanhola, que perseguia os protestantes. Mas o exílio também foi provocado pelo fato de seu pai, Ian Rubens, ter sido amante de Ana de Saxônia, mulher de Guilherme I, e a punição era com pena de morte.


Rubens não tinha completado dez anos de idade quando seu pai morreu, ainda no exílio. Sua mãe resolveu voltar para Antuérpia (hoje na Bélgica), com seus dois filhos.


Desde cedo, Rubens queria pintar. Aprendeu desenho copiando as figuras que via numa bíblia. Passando por vários ateliês de pintores, onde estudo a técnica da pintura, foi admitido na Corporação dos Pintores de Antuérpia, como um dos mestres. E tinha somente 21 anos.


Aos 23, realizou seu sonho de ir para a Itália, apoiado por sua mãe. Em Veneza, copia Veronese, Tintoretto e Ticiano, de quem fez 21 cópias.


Em 1603, Rubens é indicado pelo duque de Mântua a quem se ligara, Vincenzo Gonzaga, para uma missão diplomática junto ao rei Filipe III da Espanha. Era o começo de sua vida política, do pintor que também sonhava com um mundo que vivesse em paz.


O Artista e sua mulher sob um caramanchão de
Madressilva, 1609-1610, óleo sobre tela, 174x143cm,
Alte Pinakothek, Munique, Alemanha
Em 1608, sua mãe adoece gravemente e ele volta para casa, nunca mais regressando à Itália. Ao chegar de viagem, sua mãe tinha morrido. Resolve ficar e trabalhar em sua cidade. No ano seguinte foi nomeado pintor da Corte e recebeu autorização para morar em Antuérpia. Logo, ele começa a receber uma quantidade tal de encomendas, que não conseguiria dar conta se não fosse a ajuda de seus alunos. Torna-se um homem rico, com a venda de seus quadros. Casa-se com Isabella Brant, de quem foi eterno apaixonado, tendo pintado o rosto de sua esposa em diversos quadros.


Rubens era famoso em toda a Europa. Pela França, Espanha e Inglaterra, seu trabalho era conhecido, admirado e solicitado. Para atender a tantas encomendas que chegavam de todos os lugares, ele tinha uma rotina de trabalho diária que começava às quatro da manhã e terminava às cinco da tarde. 


Nesse período, montou um atelier que era uma verdadeira fábrica de pinturas, com diversos discípulos e ajudantes, que o auxiliavam na execução das encomendas. Dois de seus discípulos se tornaram famosos como ele: Peter Brueghel, o Velho, e Anton Van Dyck.


Clara Serena Rubens, 1615-1616,
óleo sobre tela, 37x27cm, Museu de
Liechtenstein
Em 1626, sua esposa morre aos 34 anos de idade, deixando-o desesperado e sem rumo. Para fugir do sofrimento da perda de Isabella, ele ainda viaja mais, em missões diplomáticas, pela Espanha, França e Inglaterra. Era o período que ficou conhecido como a Guerra dos 30 Anos, guerra provocada por razões religiosas e comerciais. A luta da Igreja Católica contra a Reforma Protestante chegava a ser sanguinária. Rubens morreu antes de ver terminada a guerra entre esses países.


Rubens era - como descreve Gilles Néret numa biografia do pintor - um homem erudito, além de um humanista cristão. Apaixonado pela antiguidade clássica, ele também escrevia em várias línguas, incluindo latim, além de ser arquiteto amador. "O capelão da corte de Bruxelas - diz Néret - descreveu-o como 'o pintor mais culto do mundo".


Depois de Ticiano, o pintor que ele mais admirava era Caravaggio, de quem fez versões de pinturas. Em 1614 ele pinta a tela "A Sagrada Família", cuja Virgem foi inspirada no rosto de sua esposa, e o pequeno João Batista era o seu próprio filho, Albert. Essa pintura era a virada em direção a uma arte mais livre, mais madura. E mais barroca. Envolvido na luta contra a Reforma, ele, que era católico, tornou-se o grande pintor também do catolicismo. 


As Três Graças, 1639, óleo sobre tela, 500x617cm,
Museu do Prado, Madri, Espanha
Mas as figuras pintadas por ele possuiam uma extrema sensualidade e os corpos de nus femininos povoavam suas telas, com mulheres rosadas, rechonchudas, sensuais. Mesmo nas pinturas de inspiração bíblica ou clássicas, via-se a beleza dos corpos nus das mulheres flamengas.  "Suas madonas e santos estão demasiado próximos da carne a partir da qual foram pintados", diz  Gilles Néret, que também destaca várias características desse mestre do Barroco: efeitos dramáticos e grandiloquentes, apaixonado culto ao movimento, busca do dinâmico em suas enormes telas, onde cada face é expressiva. 


Ele não distingue muito Nossa Senhora da deusa Vênus. Seus corpos - mesmo os dos santos e anjos - são corpos "claramente habitados" e muitos haviam que se incomodavam com a nudez e com a "excessiva fisicalidade, pelo realismo imoderado: o grão perlado das dobras de carne roliça" das pinturas de Rubens. 


Esse autor ousa dizer que Rubens "foi quem melhor transmitiu as cores e textura do corpo humano". Podemos acrescentar que foi Rubens o grande pintor que deu ênfase ao corpo da mulher, mostrando-o ao mundo com toda a sua pureza, beleza e sensualidade. Isso em si já era contra os cânones anteriores da pintura, impostos pela Igreja Católica, que exigia que as mulheres fosse pintadas quase que totalmente cobertas, como santas. Fora o fato de que os modelos eram sempre masculinos, como em Michelangelo.


É interessante observar isso: Ticiano, Caravaggio, Rubens, Rembrandt, Vermeer, Vélazquez... grandes mestres da pintura universal, têm uma coisa em comum além da excelência técnica: são pintores profundamente humanos e voltados à representação da figura humana de sua época. Entraram para a história não somente como grandes pintores, mas também como homens que, vivendo em um tempo específico, possuiam algo de revolucionário em seu tempo, trazendo e fazendo parte das mudanças que se operavam em seu mundo.


Quiçá os pintores de hoje fossem tão humanos assim...


Retrato de Susanna Fourment, 1625, óleo sobre tela,
National Gallery, Londres, Inglaterra

domingo, 26 de junho de 2011

Museu Niemeyer – o olho de Curitiba


Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, Paraná
Neste feriadão, junto com o final de dez dias de férias, resolvi pegar a rodovia Régis Bittencourt rumo a Curitiba. É sempre temeroso encarar a Régis, mas estava razoavelmente tranquila na ida e muito tranquila no retorno ontem, sábado. Fui ver Curitiba um pouco melhor e voltei com a sensação de que aquela é uma cidade bastante organizada, limpa, cheia de simetrias, seja pelas ruas retas e longas, seja pelas araucárias que se veem aqui e acolá.


Fui direto para o Museu Oscar Niemeyer, inaugurado em 22 de novembro de 2002. Sua forma se assemelha a um olho, por isso o apelido de Museu do Olho. Ele está localizado ao lado de um amplo parque, para onde os curitibanos vão com suas famílias, seus amigos, seus namorados, seus bichos. As pessoas se agrupam sobre toalhas grandes, fazendo piqueniques de fim de tarde. Outros namoram, outros conversam em grupos, outros caminham, crianças brincam. Nenhum perigo a vista.


A arquitetura do Museu do Olho é de Oscar Niemeyer mesmo: saguões amplíssimos, de teto baixo, e muitas curvas. No primeiro pavimento – o mais amplo de todo o conjunto – várias exposições, entre elas “Dores da Colômbia – de Fernando Botero”, “Fotografias de Maureen Bisilliat”, “Mulheres no Acervo MON”, “Arcângelo Ianelli”, “Carlos Motta – marceneiro, designer e arquiteto” e um rescaldo do que foi a 29ª. Bienal de São Paulo, além de outras.


Destas aí, vi com muita atenção as fotografias de Maureen Bisilliat (que me encantou muitíssimo!), as pinturas de Ianelli e de Fernando Botero. E as “Mulheres”.


MAUREEN BISILLIAT – sempre se fala que quando um livro ou um filme é muito bom, logo de cara ele te domina. Foi o que aconteceu comigo em relação à fotografia desta inglesa, nascida em 1931, e naturalizada brasileira. Muito brasileira, eu diria. Ela fotografa o povo brasileiro, de todos os recantos do Brasil.


Bumba-meu-boi em São Luís, 1978
Em 1978 ela passou por São Luís do Maranhão e fez uma reportagem fotográfica com os dançantes do Bumba-meu-boi. Reportagem belíssima! Nessa época eu morava em São Luís e nem podia imaginar que ela estava lá fazendo esse trabalho que eu iria ver 33 anos depois em Curitiba! A vida...


Essas fotografias de São Luís faziam parte do projeto de composição do acervo da Galeria de Arte Popular O Bode, que era de Maureen Bisilliat, de seu marido Jacques Bisilliat e do arquiteto Antonio Marcos Silva. Em 1988, Darcy Ribeiro, antropólogo, convidou os três para formar o acervo de arte popular latino-americano da Fundação Memorial da América Latina, em São Paulo.
Fotografias de Maureen Bisilliat
Maureen Bisilliat
Mas ela também era amiga dos escritores brasileiros João Guimarães Rosa e Jorge Amado. Para eles, ela fez fotografias especiais do povo sertanejo de Minas Gerais e da Bahia. Lindas! Como são lindos os vaqueiros nordestinos que ela fotografou, vestidos em gibãos de couro, valentes, tingidos do sol da caatinga. E como são lindas as mulheres caranguejeiras paraibanas que Maureen também fotografou, para a revista Realidade, na década de 70.


Ela também lançou livros de fotografia inspirados em "Os Sertões" de Euclides da Cunha. Guimarães Rosa, de quem ela leu "Grande Sertão: Veredas", sugeriu que ela fosse para o interior do Brasil e que ela entenderia muito bem o sertão, até por suas raízes irlandesas. Ela foi e voltou com imagens belíssimas do povo sertanejo.


Fernando Botero – sua exposição no MON intitula-se “Dores da Colômbia”. São pinturas onde ele retrata pessoas mutiladas, assassinadas, sofrendo violências de todo o tipo, angustiadas, desesperadas. Como ele diz, sobre esta exposição, sua ideia era deixar “um testemunho de artista que viveu seu país e seu tempo. É como dizer: vejam a loucura em que vivemos.” Todas as figuras humanas que aparecem, mesmo nessas cenas de violência das telas de Botero, são aquelas que são sua marca registrada: pessoas obesas, homens e mulheres. 


Fernando Botero
Não é uma exposição fácil de se ver, mas, enfim, a intenção do artista talvez tenha sido causar desconforto, para o qual a curadoria ajudou colocando os quadros em paredes cinzentas. “Meu país tem duas caras. A Colômbia é o mundo amável que eu pinto sempre, mas também tem essa cara terrível da violência”, expressa uma de suas frases na exposição. São 67 obras, entre pinturas a óleo, aquarelas e desenhos.


“Dores da Colômbia” é parte de uma corrente artística que vincula a arte e política, em contextos onde o artista se dá o papel de interpretar e denunciar fatos históricos em suas telas. São inúmeros os exemplos, como Delacroix, Francisco Goya e Pablo Picasso (com sua “Guernica”).
Dores da Colômbia, de Botero
Como um gesto de solidariedade ao seu povo, Botero doou a coleção ao Museu Nacional da Colômbia, quando declarou: “Não vou fazer negócio com a dor do meu país”.


ARCÂNGELO IANELLI – são 19 pinturas que pertencem ao acervo do Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, de várias fases significativas do pintor paulista Arcângelo Ianelli. Os quadros foram uma doação da família Ianelli ao Museu do Olho. 


Arcângelo Ianelli
Arcangelo Ianelli nasceu em São Paulo em 18 de julho de 1922 e morreu recentemente, em maio de 2009. Foi pintor, escultor, ilustrador e desenhista. Até 1959, seguia uma linha mais figurativa em suas pinturas mas, a partir de então começou a executar pinturas com figuras geométricas até ir para a pintura abstrata, forma como é mais conhecido.


No MON, podem ser vistas algumas obras ainda do período figurativo de Ianelli, alguns dos quais marcam sua fase final como pintor figurativo. Claro que esses 19 quadros são apenas uma pequena amostra do conjunto do trabalho do artista que participou, entre outros, do Grupo Guanabara.


Esse grupo se formou em São Paulo em 1948 e se reunia na oficina de molduras de Tikashi Fukushima. Eram quase todos japoneses, mas havia alguns “estrangeiros”, como Arcangelo Ianelli. Saiam juntos nos fins de semana para desenhar pelas ruas da Vila Mariana ou pelo Brooklin. Cada um pintava como queria, ninguém dava palpite no trabalho do outro. Mas depois, em 1959, o grupo se extinguiu e Ianelli seguiu seu caminho.


O trabalho de Arcangelo Ianelli é muito característico seu, desde o figurativo. As cores sempre são em tons reduzidos, formas geometrizantes, uma atmosfera fluida, até diria meio triste. A pintura dele não expressa alegria, leveza, claridade. Parece que expressa uma alma inquieta, solitária, angustiada com o que vê. E o que vê, na medida em que envelhece, são formas de cores opacas, um tanto desfocadas, profundamente longínquas.


É sempre bom ver um pintor que traz consigo a história de décadas de riqueza artística e histórica de nosso país e que conviveu com os maiores nomes da nossa pintura do período modernista e pós-modernista.


Arcângelo Ianelli é irmão do pintor Tomás Ianelli e pai do também pintor e escultor Rubens Ianelli.
Obras que pertencem ao acervo do MON, de Ianelli