quinta-feira, 16 de junho de 2011

O mural brasileiro de Paulo Werneck

São Paulo na tarde de ontem: Parque da Luz, centro.
Uma boa dica pra paulistano que tira férias em São Paulo: conheça São Paulo, o centro, a estação da Luz, a Pinacoteca, o Brás, a Mooca, o Mercado Municipal, a Rua São Bento, o largo do Arouche... Mas não vá de carro! A melhor coisa para quem mora e trabalha aqui é tirar férias do carro também, andar de metrô, de ônibus. Dessa forma se pode ver uma cidade que não é vista do mundo claustrofóbico do automóvel. As boas surpresas acontecem!

Foi assim que fui parar na Pinacoteca do Estado de São Paulo. Fui visitar a exposição "Paulo Werneck, Muralista brasileiro". A Pinacoteca vem trazendo a público um programa de exposições temporárias com a finalidade de apresentar a produção de artistas brasileiros que ainda não tiveram seus trabalhos devidamente reconhecidos ou estudados. Um desses artistas - um dos grandes criadores do período do Modernismo brasileiro - é o carioca Paulo Cabral da Rocha Werneck.


Paulo Werneck
Paulo Werneck nasceu em 29 de julho de 1907, nas Laranjeiras, Rio de Janeiro. Com apenas 20 anos de idade, iniciou sua carreira artística como ilustrador da revista A Época, dos estudantes de Direito da UFRJ, assim como se tornou ilustrador de diversos livros. E de revistas como Fon-Fon, Para Todos, Esfera, Diretrizes, Sombra, Rio Magazine e os seguintes jornais: A Esquerda, Diário de Notícias, A Manhã, Correio da Manhã, Tribuna Popular, Para Todos e o jornal Imprensa Popular, para o qual fez mais de 300 ilustrações.

Foi um desenhista e ilustrador incansável até 1928, quando aprendeu desenho de arquitetura com o arquiteto Celestino Severo de San Juan. Parte, dessa forma, a trabalhar com desenhos de perspectivas arquitetônicas, sendo o desenhista do projeto do arquiteto Marcelo Roberto para o prédio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), considerado o primeiro edifício modernista brasileiro, construído a partir de 1938.


Ilustração para o livro "Negrinho do Pastoreio"
Ainda em 1938, Paulo Werneck participa da I Exposição de Arte Social, organizada pelo Club de Cultura Moderna no Rio de Janeiro. A partir daí, se dedica também a ilustração de livros infanto-juvenis, como o Negrinho do Pastoreio da editora Civilização Brasileira, publicado em 1941.

De 1942 em diante, Paulo Werneck começa a realizar grandes paineis de mosaico para inúmeros edifícios e construções, inclusive residenciais, como o da casa de Juscelino Kubistchek, a pedido do arquiteto Oscar Niemeyer. Também para Niemeyer, ele produz os paineis de azulejos do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais, que inclui a Casa do Baile, o Iate Clube e o Cassino, além da Igreja da Pampulha, também do arquiteto Niemeyer, de quem se tornou um grande amigo.


Igreja da Pampulha, de Niemeyer,
com painel de Werneck
Niemeyer, em seu livro "As curvas do tempo", de 1998, disse que "sempre que me permitem, convoco os artistas plásticos. Na obra do memorial da América Latina convoquei nove pintores e cinco escultores. Na da Pampulha, meu primeiro projeto, convidei Portinari, Ceschiatti e Paulo Werneck. Eram grandes artistas, bons amigos e, como é natural, a eles sempre recorri.

Foi como muralista que Paulo Werneck se destacou nas artes brasileiras, como dizia Darcy Ribeiro: "O Paulo não foi um pintor de cavalete de quadros. Ele emprestava sua arte às construções, com seus murais, dava dignidade às paredes... ”



Em Cataguases, Minas Gerais, participou da construção de um colégio secundarista junto com grandes artistas do modernismo brasileiro na década de 50: Oscar Niemeyer, Portinari, Burle Marx, Bruno Giorgi, Ceschiatti, Djanira e vários outros.Mas Werneck também estava atento às mudanças políticas que se operavam no Brasil. 


Ilustração do jornal Tribuna Popular,
cuja uma das capas foi ilustrada por ele
para saudar um comício de Luís Carlos
Prestes em Salvador, na Bahia
Diz o arquiteto e artista plástico Carlos Martins (também curador desta exposição) que Paulo Werneck era "partidário dos movimentos contrários ao crescente avanço nazifascista, e sua produção, por todos os conturbados anos 30, vai refletir suas preocupações para com uma sociedade mais justa e digna. (...) Ao evitar uma representação de cunho didático, vai registrar a relação do homem com o meio urbano e industrial, as manifestações e festas populares, as lendas e tradições regionais, sempre com um olhar idealizado e otimista."

Era um nacionalista militante. Durante mais de 20 anos, Werneck ilustra inúmeros jornais e revistas do Rio de Janeiro. Era sua maneira pessoal de participar das mudanças políticas que estavam em curso no Brasil. 
Seu atelier, no bairro das Laranjeiras no Rio, era também um ponto de encontro dos companheiros de Werneck, militantes, como ele, do Partido Comunista do Brasil. Paulo Werneck foi desses artistas que, não satisfeito apenas com sua vida pessoal e artística, resolve ser um ator também das lutas pela liberdade e pela democracia. E pelo socialismo.

Werneck "marcou a paisagem arquitetônica brasileira com centenas de murais", diz o catálogo da exposição, que é também uma iniciativa da família do artista, que faleceu em 1987, doente de câncer.


Esta exposição é um dos primeiros resultados do Projeto Paulo Werneck que quer preservar e divulgar a obra desse artista que marcou a paisagem arquitetônica brasileira com centenas de murais.

A exposição vai até o dia 7 de julho de 2011, na Pinacoteca de São Paulo.

A exposição na Pinacoteca de São Paulo.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Moça com brinco de pérola

Estudo inicial com carvão, preparando para pintar a óleo
talvez finalizado (16 de junho) - papel cartão
Hoje comecei um estudo a carvão do famoso quadro "Moça com brinco de pérola", pintado a óleo em 1655, pelo grande pintor barroco Jan Vermeer, um dos meus preferidos.

Vermeer é um pintor barroco da Holanda, nascido em Delft em 31 de outubro de 1632, e falecido na mesma cidade em 16 de dezembro de 1675. Ele era fascinado pelo que conhecemos como "pintura de gênero", ou seja, pinturas de cenas da vida doméstica das pessoas. Cenas às vezes bobas, retratando momentos que muitas vezes nem percebemos o quanto são importantes, inclusive do ponto de vista pictórico! Uma das características da pintura realista é exatamente essa, a de descobrir esses momentos singulares da vida normal das pessoas normais, tornando-os eternos através da arte.

Sabemos que Vermeer trabalhava de forma lenta e meticulosamente. Tinha 11 filhos para sustentar com a venda de seus quadros, que às vezes eram trocados por carne, junto ao açougueiro. Mas dessa forma cuidadosa, suas obras mostram uma combinação de cores brilhantes e podemos ver como ele tinha perfeita maestria na manipulação e utilização da luz. Vermeer ficou esquecido por quase cem anos e só foi descoberto em 1866 pelo crítico de arte Théophile Thoré-Burger, que lhe dedicou uma série de artigos.

Desde então, Vermeer, assim como o outro holandês Rembrandt, é considerado um dos melhores pintores do Barroco holandês e da pintura mundial.

É um desafio e tanto, estudar esse quadro. Ver como ele manipulava as massas, os valores, a luz, a composição, e como com pequenos toques dava a configuração da essência da forma. Ou seja, como ele pintava exatamente o que era necessário! Para mim, a busca dessa simplicidade é um dos fatores mais importantes, um dos objetivos a serem alcançados. E a simplicidade é das coisas mais dificeis de serem alcançadas...

Vamos em frente...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Bonjour, Monsieur Courbet!

Bonjour Monsieur Courbet, 1854, óleo sobre tela, 149x129cm, Museu Fabre, Montpellier

Neste dia 10 de junho de 2011, comemoramos os 192 anos de nascimento do pintor francês que inaugurou a Escola Realista: Gustave Courbet. Ele também foi um dos communards – membro ativo da Comuna de Paris – cujo aniversário de 140 anos também são comemorados neste ano.


Foi em Ornans, uma pequena cidade a leste de Paris, que nasceu Gustave Courbet, em 10 de junho de 1819. Era o mais velho de uma família de quatro filhos, por quem Courbet sempre expressou muito carinho, pintando muitos retratos dos pais e irmãos, às vezes localizando-os em meio a outros personagens de suas telas grandes. O mesmo carinho ele tinha por sua terra natal, que serve como pano de fundo para muitas de suas pinturas.


Courbet aprendeu a pintar ainda adolescente com um professor de sua cidade, seguindo depois para Besançon para continuar seu treinamento. Tinha apenas 18 anos. Aos vinte, foi para Paris. Começou um curso de Direito, mas logo abandonou para seguir a carreira de pintor. Frequentou alguns ateliês, mas principalmente o Museu do Louvre, onde fez cópias de mestres como Rembrandt, Franz Hals, Rubens, Caravaggio e Ticiano. Dos mestres espanhois, ele descobre Vélazquez e Zurbarán. Dos franceses, se inspira nas grandes composições de Géricault e Delacroix – dois mestres do Romantismo – para executar as suas próprias grandes telas como o “Enterro em Ornans” e “Atelier do artista”, que eu tive o imenso prazer de admirar pessoalmente no Museu d’Orsay de Paris, em agosto de 2010.


Uma das características da personalidade de Courbet era ter uma profunda autoconfiança e ser muito ousado. Courbet possuía um espírito inquieto, rebelde, de caráter e pensamento artístico semelhantes ao pintor italiano do período Barroco, Caravaggio. Foi dessa forma, portanto, que ele com uma “confiança inabalável em si mesmo e com uma tenacidade indomável” – como relatou seu amigo Jules-Antoine Castagnary, crítico de arte e jornalista – deu início a uma prolífica carreira artística que o fez entrar para a história como o pintor que inovou as artes plásticas de seu tempo e deu início à pintura Realista. 
Enterro em Ornans, 1850, óleo sobre tela, 315 cm × 668 cm, Museu d'Orsay, Paris
Realismo - Em 1848, ele conhece e se torna amigo de Jules Champfleury, jornalista, escritor e crítico de arte. Amigo dos romancistas franceses Victor Hugo e Gustave Flaubert,  Champfleury deu, vamos dizer assim, a base teórica da arte realista de Courbet e foi seu principal defensor, publicando em 1857 o ensaio “Le Réalisme”.


Courbet já tinha reconhecimento público em Paris, e o Estado lhe comprara o quadro “Une après-dînée à Ornans”. Mas suas pinturas já começavam a ser motivo de escândalo, pois elas demonstravam pictoricamente o resultado das ideias socialistas que impregnavam as mentes de frequentadores dos cafés e revolucionários de Paris, como ele: em 1849 apresentou uma das primeiras de suas grandes obras realistas: “Os britadores de pedra” (essa tela, infelizmente, foi destruída no bombardeio britânico da cidade alemã Dresden em 1945, na Segunda Guerra).


Courbet apresentou também a imensa tela “Enterro em Ornans”, com quase sete metros de largura e mais de três de altura. Não demorou para sofrer duras críticas dos conservadores: até então, telas grandes como aquela eram destinadas a expressar cenas de batalha, feitos heróicos do passado, com figuras proeminentes das classes dominantes. Mas ao afirmar que “a arte histórica é, em essência, contemporânea” Gustave Courbet demonstrava seu desejo de fazer uma reforma no gênero de pintura histórica. Até mesmo o título original do “Enterro em Ornans” mostra esse desejo dele: “Pintura histórica de um enterro em Ornans”, que representa uma cena de cemitério com figuras humanas comuns, pessoas simples da sua cidade natal. Ele defendia que a história contemporânea merecia ser pintada em tamanho grande, e que nelas aparecessem também pessoas comuns.


Nesse período, Courbet conheceu aquele que ia ter um papel decisivo na sua carreira: Alfred Bruyas, um rico colecionador de arte de Montpelier, que compra “As banhistas”. Desde então, Bruyas se tornou um verdadeiro patrono do artista, que pode, a partir de então, viver de sua pintura. Já era também admirado no exterior, e Berlim e Viena disputavam entre si as exposições de Gustave Courbet.


Vivia seu apogeu. Em 1854 apresentou o também imenso quadro “O Atelier do Pintor”, um verdadeiro quadro-manifesto, que apresenta as escolhas artísticas e políticas de Courbet. Nesse período, círculos de artistas e intelectuais enchiam os cafés de Paris. Courbet frequentava o grupo do poeta Charles Baudelaire, dos filósofos Proudhon e Marc Trapadoux, dos críticos de arte e escritores Champfleury e Fernand Desnoyers, entre outros, jornalistas, artistas e ativistas políticos. Reuniam-se até altas horas da noite, onde elaboravam suas teorias que posteriormente se transformavam em artigos de jornal, ou em panfletos, ou em obras de arte. Fiquei bastante tempo em frente a essa imensa tela, lá em Paris, admirando e observando as pinceladas que Courbet dava com tanta maestria, num trabalho que deve ter sido de muito difícil execução. Lá, no Museu d’Orsay, ela fica exposta numa imensa parede, num local de destaque.
Atelier do Pintor, 1855, óleo sobre tela, 361 cm × 598 cm, Museu d’Orsay, Paris
No centro da tela, aparece o próprio Courbet, frente a seu cavalete. Logo atrás dele, uma modelo nua olhando para a tela, onde ele pinta uma paisagem. Ao lado do pintor, um pequeno garoto admirado com o quadro. Uma mulher, de braço dado com seu marido, visita o atelier. Logo atrás do casal, o poeta Baudelaire lê um livro. Outros poetas e músicos se agrupam na tela. À esquerda, diversos tipos sociais, um mendigo, um judeu, uma mulher do povo, um agente funerário, um feirante, um caçador... Courbet deu a esse quadro um subtítulo: “Alegoria real determinando uma fase de sete anos de minha vida artística”. Numa carta a seu amigo Champfleury, ele diz: “É a história moral e física de meu atelier, em primeiro lugar; são pessoas que me servem, que apoiam minhas ideias, que participam do meu trabalho. Estas são pessoas que vivem a vida e a morte, é a sociedade em sua altura e sua baixeza, e também em sua medianidade. Em uma palavra, é a minha maneira de ver a sociedade em seus interesses e suas paixões. É o mundo que vem para ser pintado em meu atelier”.


Em 1855, Napoleão III ordenou que se construísse o Palais des Arts et de l’Industrie, com a finalidade de apresentar produtos da agricultura, da indústria e das belas artes, em reação ao governo inglês que tinha construído o Palácio de Cristal, onde iria acontecer a primeira exposição de artes realmente internacional. Mas Courbet ficou de fora da exposição de Napoleão.


Peneiradoras de trigo, 1854, óleo sobre tela,
131x167cm, Museu de Belas Artes de Nantes
Indignado, e com o apoio de Alfred Bruyas, Gustave Courbet resolveu fazer uma exposição paralela, num galpão construído para este fim, bem ao lado de onde iria acontecer a exposição oficial. Quarenta quadros foram expostos aos visitantes, que também podiam adquirir um pequeno folheto onde estavam impressas as idéias básicas de Courbet. O título da exposição-manifesto era: DU RÉALISME“Ser capaz de traduzir os costumes, as ideias, os aspectos de minha época, ser não somente um pintor, mais ainda um homem; em uma palavra, fazer uma arte viva, tal é meu objetivo”, dizia ele no folhetoEstava inaugurado oficialmente o Realismo nas artes plásticas.


Comuna de Paris -  Courbet, já republicano e socialista, partilhava com seus contemporâneos a crença de que a arte podia ser uma força social. Seu ciclo de amigos desprezava os valores burgueses e defendia valores revolucionários. Convém lembrar que, nesse período, Karl Marx e Friedrich Engels já elaboravam as teorias que eles expuseram no “Manifesto Comunista” de 1848.


Esses ideais de Courbet e seus amigos aliavam-se aos apelos do povo por mudanças profundas na França. Em muitos outros países, o mesmo sentimento revolucionário gerava movimentos nacionalistas e liberais impulsionados não só pela própria burguesia que exigia governos constitucionais, como por trabalhadores e camponeses que se rebelavam contra as formas de vida impostas pelo capitalismo.


Cartão da Federação dos Artistas da
Comuna de Paris pertencente a Gustave Courbet
Durante os quarenta dias do governo revolucionário conhecido como a Comuna de Paris (governo revolucionário operário e socialista que comandou Paris de 26 de março a 28 de maio de 1871), Gustave Courbet ocupou o cargo de Presidente da Comissão para as Artes. 


Enquanto Paris foi sitiada pelos exércitos prussianos e muitos deixaram a capital, Courbet não recuou. Provavelmente recordando seu avô, um revolucionário sans-cullote de 1789, Courbet acompanhava com muito interesse os acontecimentos políticos na França desde 1849.


Como relata Pierre Georgel no livro “Courbet, le poème de la nature”, a Comuna de Paris foi uma fase radiante para Courbet. Era “o preâmbulo lírico do drama”, era o povo tomando a si o poder, era a vitória das cooperativas de trabalhadores, era a educação gratuita e obrigatória, a utopia federalista e internacionalista tomando corpo... “Courbet acreditava ver a realização de seu sonho; ele jamais tinha sido tão feliz”, diz Georgel. 


Estou aqui no meio do povo de Paris – escreve Courbet a sua família – metido até o pescoço nos acontecimentos políticos. Paris é um verdadeiro paraíso; nada de polícia, nada de agressão, nenhum tipo de extorsão, nenhuma disputa. Deveria ser sempre assim!” Eleito para o Conselho da Comuna e como delegado para a Instrução Pública, ele também acumula a função de presidente da Federação dos Artistas, que sucede à Comissão das Artes. Se dá como objetivo “a livre expansão das artes, livre de qualquer tutela do governo e de todos os privilégios ". Ele escreveu uma famosa Carta aos Artistas da Comuna de Paris, publicada aqui.


Mas o resultado foi trágico e atropelou as esperanças do pintor-communard: Paris foi isolada, sitiada e esmagada, sob o comando de Louis Adolphe Thiers, instalado em Versalhes, que fez a paz com a Alemanha (inimiga da França na época), para esmagar a Comuna de Paris.


De um lado, a cidade está em chamas e centenas de reféns são assassinados. Vinte mil pessoas foram executadas sumariamente, e milhares deportadas. Um quarto da população de trabalhadores foi atingida pela repressão brutal, torturados e executados sem qualquer comprovação de que fossem de fato membros da Comuna. A cidade parecia um rio de sangue.
E Gustave Courbet, depois de ter lutado toda uma semana inclusive para salvar o Louvre do incêndio, foi preso, julgado por um tribunal militar e condenado a pagar uma pesada multa. Foi condenado também a seis meses de prisão, que cumpre sucessivamente em Versailles e, em Paris, numa cela de Sainte-Pélagie e, após, tendo ficado doente, numa casa de repouso em Neuilly, onde permanece em liberdade condicional. Depois de solto, mas ainda perseguido politicamente, exilou-se em Genebra, na Suíça, onde morreu em 1877.


Posteridade - Mas Gustave Courbet já tinha inscrito seu nome na História. 
Olhe para as sombras na neve, como são azuis!”, disse ele certa vez a seu amigo Castagnary. Essa observação abriu caminho para a investigação sobre as sombras coloridas dos pintores Impressionistas que vieram a seguir . Cézanne, um dos outros grandes nomes da pintura francesa, admirava particularmente as paisagens pintadas por Courbet, de quem imitou a técnica do uso da espátula, além do uso de cores escuras e das pastas grossas de tinta.


Edouard Manet (1832-1883) – outro pintor rebelde que provoca escândalos aos quais responde com sarcasmo – não esconde sua inspiração em Courbet, por seu desejo de se libertar das regras acadêmicas. Outro de seus discípulos foi o pintor norte-americano James McNeill Whistler (1834-1903), de quem se torna amigo. Com ele veio Joanna Hiffernan, conhecida como Jo, modelo e amante irlandesa do artista norte-americano. Presume-se que ela tenha sido a modelo da pintura “Origem do Mundo”, de Courbet, de 1866.


Courbet também exerceu influência sobre Claude Monet (1840-1926), Carolus Duran (1837-1917) e Henri Fantin-Latour (1836-1904), além de Pierre Auguste Renoir (1841-1919).


O pintor Gustave Courbet
Depois de Courbet, a pintura Realista tomou o mundo. Na Rússia, foi amplamente praticada por inúmeros artistas e chegou inclusive a ser uma estética imposta pelo Estado Soviético do período de Stalin, passando à história com o título de Realismo Socialista. Mas se expandiu também pela Inglaterra, Alemanha, EUA e diversos outros países (aqui no Brasil influenciou a pintura de vários artistas, entre os quais Almeida Junior). O Realismo jamais deixou de ser praticado por pintores ao redor do mundo até os dias de hoje.


Os EUA mantém, atualmente, talvez a maior quantidade de pintores realistas contemporâneos, entre os quais David Leffel e Burton Silverman. Na Inglattera, Lucien Freud é um dos principais ícones da pintura contemporânea, realista. Aqui no Brasil, em São Paulo, o Atelier de Arte Realista de Mauricio Takiguthi reúne cerca de cem alunos, aprendendo a técnica – e o pensamento – da pintura realista.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O pintor Paul Gauguin amou a luz na Baía de Guanabara...*

“É extraordinário conseguir tanto mistério
em tanta luminosidade”
(Stephane Mallarmé sobre seu amigo Gauguin)

O pintor Paul Gauguin
Num dia como hoje, 7 de junho, há 163 anos atrás, nascia o pintor Paul Gauguin, um dos grandes nomes da pintura francesa do século XIX, que foi homenageado no final do ano passado com uma exposição no museu Tate Modern de Londres.

Eugène Henri Paul Gauguin nasceu em Paris, em 7 de junho de 1848. Era filho de um jornalista republicano e da peruana Aline Chazal que, segundo certos autores, seria neta de Simon Bolívar. Sua avó materna, Flora Tristán, foi uma ativista feminista e socialista no Perú. Gauguin passou os primeiros anos de sua infância em Lima, só voltando à França com sete anos de idade.

Em sua juventude, Gauguin embarcou na Marinha Mercante e em seguida na Marinha Francesa, passando seis anos navegando pelos mares do mundo, passando inclusive pelo Brasil, pelo Rio de Janeiro. Voltando à Paris em 1870, vai trabalhar na Bolsa de Valores e três anos depois casa-se com uma moça dinamarquesa – Mette Sophie Gad – com quem teve cinco filhos: Émile, Aline, Clovis, Jean-René et Paul-Rollon.

Em 1874, conhece o pintor Camille Pissarro e vê a primeira exposição dos pintores impressionistas. Gauguin se apaixona cada vez mais por pintura e começa a pintar ele também. A convite de Pissarro e Edgar Degas, participou da quarta exposição dos Impressionistas. 

Em 1883, quando ele já tinha participado de mais três exposições impressionistas, a Bolsa de Valores de Paris sofre uma grande queda e ele perde o emprego. 

Visão após o sermão - A luta de Jacó com o Anjo, 1888,
73x93cm, National Gallery of Scotland,
Edimburgo, Grã Bretanha
Gauguin decide se dedicar totalmente à pintura, e se estabelece em Rouen, onde Pissarro morava. Durante esses dez meses em Rouen, Gauguin pintou 40 telas, inspirando-se nas ruas e arredores da cidadezinha. Mas não conseguia vender o suficiente para sustentar sua família. Empobrecidos, mudam-se para Copenhagen, onde vivia a família de sua esposa. Os conflitos com a família dela não demoram a tornar sua vida insuportável. Gauguin decide ir embora para Paris, levando consigo o filho Clovis.

Entre junho de 1885 e meados de 1886 ele aceitava qualquer trabalho em Paris, para sobreviver. Mas continuava pintando, e participou da última exposição dos impressionistas em 1886. Em julho desse ano, deixa o filho Clovis numa pensão e segue para a Bretanha, onde pinta intensamente. Em abril de 1877, sua esposa Mette vai a Paris buscar o pequeno Clovis e pegar algumas pinturas de Gauguin que pudesse vendê-las para ajudar no sustento dos filhos.

No mesmo mês, Gauguin embarca junto com o pintor Charles Laval (1861-1894) em direção ao Panamá, onde eles vão trabalhar na escavação do famoso Canal do Panamá. Numa carta à esposa, ele diz que estava fugindo de Paris porque “é um deserto para os pobres. Meu nome como artista se torna cada dia mais importante, mas, enquanto espero, passo até três dias sem comer”.

Mas no Panamá, não foi muito diferente. As condições de vida lá eram terríveis e assim que reúnem um pouco de dinheiro, Gauguin e Laval vão para a Martinica, lugar por onde Gauguin já havia passado, quando trabalhou como marinheiro. 

Mulheres do Taiti, 1891, óleo sobre tela, 69x91cm,
Musée d'Orsay, Paris,França
Também lá ele e Charles Laval viveram em condições bem precárias, de junho a outubro de 1887. Mas Gauguin se apaixonou pela luz e pelas paisagens da Martinica, pintando 12 telas. Doentes de disenteria e malária, resolvem voltar à França, em novembro do mesmo ano, quando Gauguin encontra pela primeira vez o pintor Vincent Van Gogh. 

No começo de 1888, ele se aproxima de um grupo de pintores experimentais conhecidos como a Escola de Pont-Aven. Gauguin já pintava de forma mais sintética do que antes. A arte indígena o inspirava, assim como os vitrais das igrejas medievais e as estampas japonesas. Nesse mesmo ano, pinta  “Visão após o sermão: a luta de Jacó com o Anjo”, uma pintura que vai influenciar Pablo Picasso, Henri Matisse e Edvard Munch.

De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?,
1897-1898, óleo sobre tela, 139 x 374,5 cm,
Museum of Fine Arts, Boston, EUA
Ele aceita o convite de Van Gogh, e vai morar dois meses com ele em Arles, no sul da França. Os dois passam o tempo pintando, muitas vezes o mesmo tema, ou pintando um ao outro. Só que eles eram de temperamento muito diferente e tinham frequentes brigas. Gauguin resolve ir embora, depois de uma briga em que Van Gogh tentou agredi-lo com uma lâmina de barbear. Van Gogh corta a própria orelha.

Em 1891, Gauguin parte para a Polinésia, após vender algumas obras. Se instala no Taiti, onde ele encontra um meio de fugir da civilização ocidental e de toda sua artificialidade. Ele mesmo se definia “um selvagem”. Gauguin passa o resto de sua vida nessas regiões tropicais e só volta à França uma única vez. Influenciado pela natureza polinésia, sua pintura ganha nova força e ele faz algumas esculturas. No Taiti, pinta um de seus mais famosos quadros: “D'où venons-nous ? Que sommes-nous ? Où allons-nous?" (De onde viemos ? Quem somos ? Para onde vamos ?).

O espírito da morte espreita, 1892, óleo sobre tela, 72,4x82,4 cm,
Albright-Knox Art Gallery, Buffalo, New York, EUA
Conhece Téhura, uma jovem adolescente que se tornou sua modelo e companheira. Em poucos meses, pinta cerca de 70 telas. Ao saber da morte de sua filha Aline, fica profundamente abalado. Sofre com uma ferida na perna que não cicatriza, está doente de sífilis e, deprimido, tenta se matar. Decide se mudar para as Ilhas Marquesas, em setembro de 1901. 

Só que Gauguin levava consigo a fama de seus artigos combativos em favor da gente nativa que ele havia publicado no jornal Les Guêpes. Tinha uma postura ideológica dura em relação à Igreja, ao governador e à polícia local, saindo em defesa do povo do arquipélago das Marquesas, assim como já tinha se posicionado na Polinésia em favor dos indígenas. Trazia em seu sangue a tradição da avó peruana socialista. Em abril de 1903 foi condenado a três meses de prisão, mas morreu antes, em 8 de maio, pobre e doente.

Auto-retrato com chapéu, 1893-94, óleo sobre tela,
46x38cm, Musée d'Orsay, Paris, França
Após sua morte, os amigos fizeram uma verdadeira campanha de valorização de sua obra.
Gauguin, mais do que tudo, expôs em suas telas a luminosidade das terras por onde passou, desde os primeiros anos de vida no Peru, incluindo suas viagens de navio, quando passou pelo Brasil e “amou a luz da baia de Guanabara”. 

Com uma pintura muito característica sua, Gauguin pintou as peles morenas dos moradores da Polinésia e do arquipélago das Marquesas, as peles morenas que tanto o tinham encantado em suas viagens pelo mundo. Sua pintura colorida, iluminada de sol, carregada de histórias de culturas tão diferentes da sua cultura original francesa, mostra um homem sensível à beleza dos recantos longínquos, dos cantos distantes dos salões burgueses da França.






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* Trecho da música O Estrangeiro, de Caetano Velloso

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Romantismo em São Paulo e Londres


WILLIAM TURNER:
Pescadores no mar, 1796, óleo sobre tela, 
91 x 122 cm, Tate Gallery
Duas exposições - em São Paulo e Londres - trazem à mostra pinturas que têm origem no século XIX, de artistas do movimento conhecido como Romantismo. Esses artistas expressavam em sua arte os novos pensamentos que passavam a dominar o mundo, ideias que fervilhavam nos diversos movimentos revolucionários da época, especialmente na França. Ideias de Socialismo, inclusive, como alternativa às injustiças geradas pelo capitalismo industrial.

JOHN CONSTABLE:
A casa do almirante em Hampstead, 1821,
óleo sobre tela, 60x50 cm, Alte Nationalgalerie, Berlim
Mas no século XIX, especialmente em Paris, os pintores também se rebelavam contra o estilo Neoclássico, que uniformizava o mundo dentro do padrão da estética clássica, grega e romana. Pintores, mas também escritores, não queriam mais guardar fidelidade a esses modelos antigos, que limitavam a criatividade e as manifestações da individualidade, com duras e dogmáticas regras para as artes (para se ter uma ideia, havia receitas para se pintar bem, dentro dos cânones neoclássicos; havia uma receita de mistura de tonalidades de cores que eram usadas para pintar a pele das pessoas, por exemplo).

Os românticos - como ficaram conhecidos esses artistas rebeldes - pregavam a livre efusão dos sentimentos, a visão e a experiência individual do mundo. Eles não acreditavam num Belo absoluto, universal e eterno. O Belo era, para eles, transitório, relativo. Mesmo a feiúra do mundo era Bela. Podemos lembrar de um poema de Baudelaire que falava de uma carniça, assim como podemos buscar exemplos em vários poemas de seu livro Les Fleurs du Mal. Mas isso eu deixo para meu amigo Jeosafá Gonçalves, literato e estudioso de artes literárias.

WILLIAM BLAKE:
O Corpo de Abel Encontrado por Adão e Eva,
1825. Aquarela sobre madeira.
A origem da palavra Romântico, segundo vários estudiosos, vem do inglês "romantic", no sentido de pitoresco e até de bizarro. Na França, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um dos pensadores que não somente influenciaram o Romantismo francês mas a própria Revolução Francesa, com suas ideias de Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Segundo Carlos Cavalcanti (professor brasileiro de História da Arte, já falecido) o Romantismo nasce como consequência ao individualismo burguês que gerou o liberalismo econômico e político, que nasceram na Revolução Industrial.

Além de grande influência sobre as mudanças profundas que mudavam a história da França e da Europa, o Romantismo trouxe um novo tipo de artista: o excêntrico, o esquisito, o inconformado e rebelde contra os valores da burguesia industrial. Ser artista passou a ser sinônimo de uma pessoa desvairada, boêmia e de conduta antisocial. São os sonhadores, os poetas malditos, os que morriam de tuberculose e de fome. Eram aqueles que se negavam a pertencer a um mundo que trazia tão desagradável realidade: injustiça social, divisão de classes, preconceitos sociais, visão utilitária - leia-se comercial - do mundo e das relações. Foram os Românticos os primeiros pintores politizados, os artistas que pintavam a vida social. E os que, numa visão entre sentimental e utópica do mundo, recebiam com bons olhos as ideias socialistas nascentes.

EUGENE DÉLACROIX: A Liberdade guiando o povo, 1830,
Museu do Louvre, Paris.

Nesse meio, surgiram - para ficar só nas artes plásticas - Henry Fuseli, William Turner, John Constable, Samuel Palmer, William Blake, El Greco, Jeronimus Bosch, Théodore Géricault, Eugene Délacroix, Camille Corot, Charles Daubigny, Théodore Rousseau, Jean François Millet, além de outros tantos, entre os quais o famoso ilustrador de obras literárias Gustave Doré. No Brasil, um nome se destaca: João Batista da Costa (1865-1926) que, influenciado pela Escola de Barbizon (movimento de artistas românticos franceses), deu aulas de pintura e dirigiu a nossa Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

Na exposição em Londres, o foco são os artistas da Grã-Bretanha, suas origens, inspirações e legados. São obras da coleção da própria Tate Britain, onde se mostram grandes obras de Henry Fuseli, William Turner, John Constable e Samuel Palmer, bem como as obras recém-adquiridas de William Blake.

No Brasil, no MASP, podem ser vistas obras de El Greco, Bosch, Turner, mas também de pintores impressionistas como Gauguin, Van Gogh, Renoir, Monet e Manet, todos também pertencentes ao acervo do Museu de Arte de São Paulo.

JEAN-FRANÇOIS MILLET: As respigadeiras, 1857,
Museu D'Orsay, Paris.
É uma excelente oportunidade para ver de perto obras que ilustram a história da arte, em especial a pintura que representou um verdadeiro momento de ruptura na tradição, um movimento revolucionário nas artes que acontecia em momentos de revoluções profundas, em especial na França, como lembra Gombrich, o historiador da arte e autor de vários livros sobre o assunto.

Na Tate Britain, a exposição vai até 31 de julho de 2011. No Masp, a exposição foi aberta no ano passado e não tem previsão de encerramento.
THÉODORE GÉRICAULT:
A barca da medusa, 1817-1818, óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris.