sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Os Macchiaioli - realismo impressionista na Itália

MARIANO FORTUNY: Curral de touros, 1866

A Fundação Mapfre abriu em Madrid, Espanha, uma exposição, no mês de setembro, que leva àquela cidade cerca de 100 obras dos pintores italianos conhecidos como Il Macchiaioli. Os Macchiaioli foram artistas rebeldes que viveram na Florença do século XIX, especificamente por volta de 1855, todos de origem toscana, mas também haviam aqueles que vinham de Veneza e Nápoles.


GIOVANNI BOLDINI: Retrato de Diego Martelli, 1865 
Macchiaioli significa exatamente “manchista”, uma designação de cunho pejorativo que foi usado para designar o que eram esses pintores rebeldes à academia. O termo foi cunhado em 1862 por um jornalista da “Gazzetta del Popolo”, com o sentido de zombar desses artistas anti-acadêmicos da pintura italiana. Depois eles mesmos adotaram esse título e o utilizavam para designar-se. Estes artistas representaram uma renovação na pintura italiana, pois em sua poética realista romperam com o neoclassicismo e com o romantismo que dominavam as academias e ateliês italianos. Os Macchiaioli são considerados, na Itália, os iniciadores da pintura moderna italiana.


O Museu d’Orsay, de Paris, fez uma primeira mostra desses artistas italianos, contemporâneos dos impressionistas franceses. E a partir do mês de outubro indo até janeiro de 2014, esta mostra se encontra na cidade de Madrid, Espanha, patrocinada pela Fundação Mapfre.

ODOARDO BORRANI: Carroça vermelha em Castiglioncello, 1865-66


Foi no Caffè Michelangelo em Florença que um grupo de pintores, reunidos em torno do crítico Diego Martelli, deu início ao movimento. A preocupação desses artistas era com a renovação da pintura italiana. Eles criticavam fortemente o purismo acadêmico dos pintores neoclássicos e românticos, e defendiam que a imagem do real deveria ser apresentada como um contraste de cores, de sombra e de luz. Por ironia do destino, o Caffè Michelangelo ficava a poucos metros da Academia Florentina de Belas Artes, que foi recebendo pouco a pouco - da parte dos jovens macchiaioli - apelidos como “quartel de inválidos”, “semeador de mediocridade”, “cemitério da arte”, etc.


FEDERICO ZANDOMENEGHI:
Retrato de Diego Martelli com gorro vermelho, 1879
Nesse Café - diz o catálogo da exposição de Madrid - se reuniam os mais “turbulentos da cidade. Os realistas irrompiam com ímpeto desde a Via de Pucci - onde haviam comido pouco e mal na taberna de Gigi Porco - e entravam ruidosamente na Via Larga em direção ao Caffè Michelangelo. Para seus estômagos, acostumados à lenta e pesada digestão de burro cozido, e para seus nervos à flor da pele, até o café se tornava uma bebida insípida. Em agitação coletiva, misturavam rum ao café, bebida que tinha virado moda entre jovens pobres. Os alunos da Academia atravessavam a rua para não ter que cruzar com eles”.

Os jovens frequentadores do Café não só conheciam as ideias que fermentavam naquela Itália em mudança, como participavam ativamente de todo o processo, muitos deles com sacrifícios pessoais. E à mudança que eles reclamavam na estrutura da sociedade era a mudança que queriam implementar no campo da arte. Alguns deles participaram como voluntários em 1848 na Batalha de Curtatone, por exemplo. E Telêmaco Signorini, um destes pintores rebeldes, se alistou como voluntário na artilharia, em 1859. Mas em 1862, enquanto seguia a Garibaldi na tomada de Aspromonte, seu pai faleceu. Signorini escreveu em seu diário: “Aspromonte. Morre meu pai de câncer, precisamente quando eu pensava em ir para Gênova com Garibaldi. Deixo o ateliê e a casa com minha mãe e meu irmão de 11 anos. Volto a ter um ateliê na Via Salvestrina e casa fora da Porta da Cruz, na Torre Guelfa. Faço um curso em Arno com Lega, Langlade e Madier. Fundamos a Escola de Pergentina e pinto o quadro ‘Ditosas são as galinhas que não vão ao colégio’”.

TELÊMACO SIGNORINI: La sirga, 1864


Assim como ele, diversos outros foram voluntários na artilharia e participaram ativamente das campanhas de unificação da Itália. Mas passadas as batalhas e uma vez a Itália sendo unificada, esses pintores desejavam agora representar a nova Itália, como um país que se descobre a si mesmo, sua própria força, sua tradição.


SILVESTRO LEGA:
Cantando uma canção, 1867
Com a unificação da Itália como um país, o que ocorreu no século XIX, foi feita uma Exposição Nacional em Florença. Nesse período, ficou clara a divisão entre a escola acadêmica e os macchiaioli. A polêmica se estabeleceu entre eles, não só do ponto de vista artístico, mas que abrangia toda uma visão cultural e política. Para os bravos macchiaioli, não podia haver diferença entre pintar quadros e derramar sangue nos campos de batalha. Esses jovens pintores sonhavam com uma nova Itália.


A palavra “tradição” - diz a apresentação do catálogo da exposição de Madrid - podia soar como uma blasfêmia para os ouvidos dos macchiaioli. Eles consideravam que a juventude de toda a Europa deveria erradicar todos os velhos sistemas políticos, educacionais e militares, para substitui-los através da construção e do advento de uma nova era. Giuseppe Mazzini, um dos líderes e pensadores desses movimentos de rebeldia que inspiravam os macchiaioli, chegou a criar uma organização chamada “Jovem Europa”, à qual não podiam pertencer pessoas com mais de 30 anos de idade. Essa organização, mais tarde, aglutinou em torno de si as melhores inteligências democráticas, que intentavam destruir o status quo, não somente do ponto de vista de uma revolução nacional, mas sobretudo internacional. Claro que os conservadores de todas as classes detestavam essas ideias e esse líder dos jovens italianos. (Giuseppe Mazzini foi um revolucionário e patriota italiano, fervoroso republicano e combatente pela unificação da Itália, assim como Giuseppe Garibaldi.)


GIUSEPPE ABBATI: Interior do claustro de Santa Cruz em Florença, 1861-62
Mas os macchiaioli viveram e morreram na pobreza. Mantendo-se coerentes por toda a vida, eles sempre se mantiveram críticos em relação ao mundo.


Capítulo à parte merece a velha disputa sobre a relação entre eles e os impressionistas franceses, destaca o catálogo. A verdade é que eles mantiveram uma estreita, fecunda e contínua relação. O texto da exposição madrilenha complementa: “Foi talvez o destino diferente de seus itinerários que fez a diferença real entre os impressionistas franceses e os macchiaioli”. Por parte da França, um reconhecimento grande de seus artistas; da parte da Itália, o esquecimento dos macchiaioli. Enquanto esta escola foi se extinguindo, no Grand Café du Boulevard des Capucines - outro café! - em Paris, os irmãos Lumière já faziam as primeiras experiências com o cinema. Vale salientar que a pintura dos Macchiaioli teve bastante influência em cineastas italianos, como Luccino Visconti e Mauro Bolognini, que encontraram nela uma inspiração iconográfica e uma linguagem especial da imagem.


GIOVANNI FATTORI: Soldados franceses de 1859, 1859
GIOVANNI BOLDINI: Autorretrato, 1892
Participavam desse grupo dos Macchiaioli: Serafino di Tivoli, Eugenio Cecconi, Edward Borrani, Sernesi Raphael, Nicholas Cannicci, Egisto Ferroni, Adriano Cecioni, Giuseppe Abbati, Eugenio Prati, Veronese Vincenzo Cabianca, Domenico Caligo, Giovanni Fattori, Silvestro Lega e Telêmaco Signorini. Em seguida, juntaram-se nesta direção os pintores John Bartolena, Leonetto Cappiello, Vittorio Matteo Corcos, Michele Paris, Oscar Ghiglia, Francesco Gioli, Luigi Gioli, Ulvi Liege, Guglielmo Micheli, Alfredo Müller, Plinio Nomellini, Simi Filadelfo, Adolfo Tommasi, Angiolo Tommasi, Ludovico Tommasi, Lorenzo Viani, Llewelyn Lloyd e Raphael Gambogi.


Além deles, Giovanni Boldini. Em 1862, retratista já conhecido, ele se instala em Florença para completar seus estudos na Academia. Mas ele logo entra em contato com os macchiaioli e também se junta ao grupo em torno do crítico Diego Martelli, que contribuiu para popularizar na Itália os princípios do impressionismo francês.


A mostra intitulada “Os Macchiaioli - realismo impressionista na Itália”, está sendo co-produzida pela Fundação Mapfre e pelos Museus parisienses d’Orsay e de L’Orangerie. As 100 obras são procedentes de coleções públicas e particulares italianas. É a primeira exposição realizada na Espanha em torno do movimento dos Macchiaioli, que também influenciaram a pintura espanhola do final do século XIX. Entre eles, o pintor espanhol Mariano Fortuny, que terá algumas de suas obras nesta exposição.

MARIANO FORTUNY: Velho desnudo ao sol, 1863

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O pintor holandês Carel Fabritius

Autorretrato, Carel Fabritius, 65 x 49 cm, 1645-50
Carel Fabritius é um artista holandês pertencente ao prolífico período em que viveram também outros dois gênios da pintura, Rembrandt e Vermeer. Fabritius foi discípulo de Rembrandt e teria sido o mestre de Jan Vermeer. O século XVII ao qual eles pertencem, passou para a história como o “Século de ouro” da Holanda.
Carel nasceu na cidade holandesa de Midden-Beemster, em 1622, numa família de muitos filhos. Dois de seus irmãos também se tornaram pintores: Barent Fabritius e Johannes Fabritius. De família de carpinteiros, ele, como seus irmãos, aprenderam desde cedo o ofício da carpintaria. Seu sobrenome Fabritius deriva da palavra latina “faber”, que pode ser traduzida por “artífice”.
Autorretrato com boné, Carel Fabritius,
70 x 61 cm, 1654
Com 19 anos de idade, Carel Fabritius casa-se com uma vizinha, filha do pastor da cidade. No ano seguinte, foi estudar no atelier de Rembrandt van Rijn, juntamente com seu irmão Barent. Nessa época, Rembrandt estava pintando seu célebre quadro “Ronda Noturna”. Em 1643, apenas dois anos após seu casamento, sua esposa morre no parto.

Diz-se que dos alunos de Rembrandt, Carel era um dos mais talentosos e muito estudioso. Todos os aspectos técnicos da pintura lhe interessavam muito.
Em 1650 Carel Fabritius se muda para Delft, cidade de Jan Vermeer. Lá, ele se associou à Guilda de São Lucas, a cooperativa dos pintores da cidade. Em 1651, casa-se com Agatha van Pruyssen, que também era da cidade de Delft.
Já com um estilo de pintar diferente do de seu mestre Rembrandt, Carel Fabritius desenvolve um estilo mais luminoso, criando, inclusive, harmonias de cores frias em seus quadros. Também se interessava pelos efeitos espaciais que ele tornava mais complexos, como pode ser visto em sua tela “Visão de Delft”. Mais tarde, seu discípulo Vermeer pintou a sua própria “Vista de Delft”.
Ágar e o anjo, Carel Fabritius, 157 x 136 cm, 1643-45
Fabritius se torna um retratista e logo começa a receber encomendas para pintar os príncipes da Corte, assim como cenas domésticas e quadros de história.
Seus primeiros trabalhos são bastante influenciados pelo estilo de seu mestre Rembrandt. Mas em seu processo de amadurecimento como pintor, Fabritius foi abandonando as cores escuras e começou a empregar cada vez mais cores claras em seus trabalhos. 

Na fase final de sua curta vida, sua grande capacidade de investigação do processo da pintura aparecia em seus quadros, incluindo uma harmonização maior de cores, sua bela composição e criação de perspectivas, que teriam influenciado bastante seu aluno Vermeer. O pintor holandês Pieter de Hooch também teria sido seu aluno e foi bastante influenciado pelo mestre Fabritius. Especialmente o seu tratamento pessoal da luz, fascinou esses dois alunos.
Sentinela, Carel Fabritius, 68 x 58 cm, 1654
No dia 12 de outubro de 1654, o armazém de pólvoras de Delft explode, destruindo o bairro onde vivia Fabritius, assim como seu ateliê e muitas de suas pinturas. Transportado para o hospital local, o pintor não resistiu aos ferimentos e morreu. Tinha só 32 anos de idade. Somente umas doze pinturas suas sobreviveram ao incêndio de sua oficina.
Pouco mais de 20 pinturas suas são conhecidas e foram conservadas. Entre elas, dois autorretratos, um dos quais se encontra atualmente no Museu Boijmans van Beuningen, na cidade de Roterdam e o outro na coleção da National Gallery de Londres. Um terceiro autorretrato pertence à Pinacoteca de Munique, Alemanha.
Carel Fabritius ficou escondido da história da arte até o século XIX, quando foi descoberto pelo crítico de arte e jornalista francês Théophile Thoré-Bürger, que também foi o descobridor da obra de Jan Vermeer.
Vista de Delft com o vendedor de instrumentos musicias, Carel Fabritius, 15,4 x 31,6 cm, 1652


Exposição em Nova Yorque, EUA

O museu novaiorquino Frick Collection acaba de inaugurar uma exposição de dar água na boca em qualquer amante de pintura. Intitula-se “Vermeer, Rembrandt and Hals: masterpieces of Dutch painting from the Mauritshuis”. Entre as obras-primas, estará lá também o “Moça com brinco de pérolas” de Vermeer, do qual fiz um estudo em óleo em 2001, no Ateliê Vermeer em Paris.

Essas obras, em número de 14, fazem parte da coleção do museu holandês Real Academia de Pintura Mauritshuis e estarão expostas em Nova York até 19 de janeiro de 2014. Entre elas, a pintura de Carel Fabritius “O pintassilgo”, de 1654.
O Pintassilgo, Carel Fabritius, 33 x 22 cm, 1654

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Novos desenhos

Abaixo, mais alguns desenhos meus feitos com caneta nankin e com lápis grafite.
Desenho feito após ver a exposição de Lucian Freud, no MASP, em outubro de 2013. Nankin.


Desenho a nankin, a partir de uma fotografia. Outubro 2013.

Desenho a nankin feito a partir de uma fotografia.

Desenho a nankin feito a partir de uma fotografia.
Desenho com lápis grafite.


Desenho com lápis grafite, a partir de fotografia do poeta Vinícius de Moraes. Outubro 2013.


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A alma do mundo

Gustave Courbet: A onda, óleo sobre tela, 1870
Acabei de ler o texto “Sobre a relação das artes plásticas com a natureza”, do filósofo alemão Friedrich Wilhelm von Schelling (1775-1854). Esse texto foi escrito para seu discurso de entrada na Academia Bávara de Ciências, em Munique, Alemanha, e foi proferido no dia 12 de outubro de 1807. A repercussão do texto foi grande, e até Goethe o felicitou. Schelling foi contemporâneo de Hegel, um dos filósofos que mais escreveu sobre Estética e sobre Arte.


Schelling
Pela atualidade do tema e por descobrir grande convergência entre a visão de Schelling sobre a pintura e minhas próprias convicções pessoais sobre arte Realista, faço abaixo uma tentativa de expor um resumo dessas ideias.


A arte realista busca beber na fonte inesgotável da realidade do mundo, realidade em permanente mudança, buscando ir além das aparências até alcançar o movimento interno que gera a vida. A pintura realista considera que expressar a forma de um objeto ou figura significa também expressar seu movimento interno, sua alma pulsante na alma do artista, num jogo dialético que abrange espaço, tempo, forma, cor, luz, valor, mas também conceito e visão de mundo.


Vale lembrar que a pintura realista sempre esteve presente nas artes plásticas desde tempos imemoriais. No período da Idade Média, incluindo o Renascimento, os artistas eram obrigados - por força das circunstâncias da época (econômicas, políticas, culturais e filosóficas) - a pintar o mundo idealizado do reino celestial com suas figuras de anjos e santos, além de ilustrar as histórias bíblicas e seus diversos personagens. Ticiano e Caravaggio inovaram a pintura de seu tempo, incluindo como modelos pessoas reais (Caravaggio) e uma forma de ver o mundo através do movimento das cores que rompiam as linhas do desenho (Ticiano). Depois deles, gerações de artistas se voltaram para o mundo concreto, para o Real e seu sentido de inesgotabilidade, de permanente mudança e movimento contínuo. Esse Real do qual não se vê mais do que a aparência, que é fugidio, se desnuda para a observação profunda e a contemplação silenciosa dos artistas.


Neste ponto, nos encontramos com Schelling, e com ele prosseguimos.


Logo no começo do seu discurso, ele traça uma diferença entre formas de descrever o mundo. Uma delas é por meio do discurso, da eloquência, da exposição oral. “Mas a arte - diz ele - possui essa vantagem de ser dada visualmente”, apresentando de uma maneira diferente - para os olhos - aquilo que é difícil de ser apreendido por palavras. E neste sentido a arte plástica se torna Poesia, “poesia muda”, como ele acrescenta. Silenciosa, a arte plástica cria um vínculo, uma ponte entre a alma humana e a Natureza, o Real.


O verdadeiro modelo e “fonte primordial” da arte plástica é a Natureza. Mas Schelling aponta os questionamentos que dizem que isso já é feito pela ciência e que há “tantas representações” da natureza quanto “os diferentes modos de vida”. Sim, mas mesmo aí há também diferentes tratamentos para o mesmo tema e isso é o que cria a enorme diferença de visão de mundo a partir das artes plásticas, o que se torna ainda mais claro nos dias atuais.


Schelling já falava daqueles (incluindo pintores) para quem o mundo não passa de um amontoado de eventos e objetos e coisas sem vida, como “uma imagem muda”, “completamente morta”:

“Um esqueleto oco de formas a partir do qual uma imagem igualmente oca
deveria ser transportada para a tela.”


Observa Schelling que esse era o modo rude de ser dos povos antigos e que somente com os gregos é que o mundo pulsante passou a ser visto como tal. E com isso, admitiu-se que “o perfeito está misturado ao imperfeito, bem como o belo àquilo que é destituído de beleza.” Em outras palavras: o mundo como ele é, ou como aparenta ser. Pois também aqui há que se ter mais acuidade: uma coisa é ver as formas do mundo separadas do todo, ou mesmo vazias, abstratas. Outra é enxergar através da forma a sua essência, acessível ao nosso espírito (mente). E Schelling adverte: àquele que enxerga do mundo somente a sua casca “jamais será facultado atingir o processo profundo”.


Mas sem idealização, pois as “formas ideais” estão tão mortas quanto aquelas que parecem sem vida a um observador sem alma. Portanto, é preciso - para apreender o Real - “acrescentar o olho do espírito, para penetrar sua casca e sentir a força que nelas se efetua”. Entenda-se esse “olho do espírito” como o olho da mente. O entendimento, portanto, não é fruto de uma observação passiva de um dado evento ou objeto, mas surge da interação entre a mente que observa (a inteligência) e a coisa observada efetivamente. Este é um tema muito antigo e para o qual Karl Marx também atentou: o mundo objetivo tem precedência sobre as ideias. Mais Schelling:


“... os artistas decerto mantiveram, desde tal época, um certo ímpeto idealista, bem como representações de uma beleza que se eleva acima da matéria, mas tais representações assemelhavam-se às belas palavras que não correspondem aos atos.


Há duas questões a se levar em conta: a beleza presente no conceito emanado da alma e a beleza da forma. O que une esses dois elementos numa pintura? Ele responde: “Se a arte não fosse capaz de estabelecer tal vínculo, tal como o faz a natureza, então, em geral, ela não estaria apta a criar nada.” E ele aponta que o artista que somente foi capaz de tomar como ponto de partida a forma em si, mesmo que tenha alcançado o mais alto refinamento de seu trabalho como pintor, ainda assim sua obra será a expressão do vazio. Pois não é possível CRIAR através “da mera forma”.


“Antes de mais nada, a natureza vem ao nosso encontro de modo hermético e sob uma forma mais ou menos rígida. Assemelha-se à beleza sóbria e serena, que não chama a atenção por meio de sinais gritantes e nem atrai o olhar vulgar. Como podemos fundir, digamos, do ponto de vista espiritual, aquela forma aparentemente rígida a fim de que a força mais clamorosa das coisas flua juntamente com a força de nosso espírito, transformando-as num só molde? Temos que ultrapassar a forma, para, aí então, readquiri-la como algo inteligível, vívido e verdadeiramente sentido. (grifo meu)


Leonardo da Vinci: Dama com arminho,
1485-90
Mais à frente em seu discurso, Schelling felicita aquele pintor que consegue, em seu espírito criador, nos mostrar uma obra em que a atividade consciente do seu espírito se une à força inconsciente presente na Natureza. Complementa: “a arte transfere à sua obra, com a mais elevada claridade do entendimento, aquela realidade inescrutável mediante a qual ela termina por se assemelhar a uma obra da natureza.”


Mas nada disto significa copiar. O filósofo alemão criticava aqueles que apenas copiavam o que viam, com “fidelidade subalterna”: “talvez lhe fosse dado produzir larvas, mas de modo algum obras de arte”, diz ele. Pois o critério para definir uma obra de arte é que ela possua em si aquela dupla união entre a forma e o conceito. Que, diga-se de passagem, vai muito além da simples discussão entre “forma e conteúdo”, temas que despertaram calorosos debates nos últimos cem anos. Em muitas pinturas dos mestres não só chama a atenção a sua qualidade técnica, mas também seu “pensamento”. É o que Schelling afirma, junto com outros estudiosos: “Esse espírito da Natureza, que atua no interior das coisas e fala por meio da forma e da figura como que através de imagens-sentido, decerto deve ser emulado pelo artista, haja vista que só quando este o captura com uma vívida imitação lhe é dado criar algo verdadeiro.”


Pois obras que emergem de uma composição de formas, ainda que belas,
seriam destituídas de toda beleza, já que a única coisa que concede beleza à
obra ou ao seu todo já não pode ser a forma. Trata-se de algo que está além 
da forma; é a essência, o universal, vislumbre e expressão do imanente
espírito da natureza.”


As imitações, inclusive levadas ao nível da ilusão, continua Schelling, sempre aparecerão falsas. “Ao passo que uma obra na qual vigora o conceito, termine por lhe arrebatar com a plena força da verdade, transpondo-o de saída ao mundo legitimamente efetivo”.


Michelangelo: Tondo Doni
Avaliando a evolução histórica da arte, desde sua tenra juventude dos tempos mais remotos até os dias atuais, Schelling destaca que a arte suprime algo que não é, segundo ele, essencial: o Tempo. Não “tempo” no sentido histórico humano, mas no sentido mais amplo do tempo como movimento que não se repete. O tempo daquele instante único capturado pelo pincel do artista e que o torna eterno: o instante em que a leiteira derrama o leite dentro de um recipiente e que foi eternizado por Jan Vermeer; aquele momento em que o velho Tiziano, com o rosto já marcado com os sofrimentos da vida, decidiu pintar seu autorretrato; ou o instante do olhar do filho Titus que foi marcado para sempre numa tela por seu pai Rembrandt; ou o momento de angústia de Gustave Courbet detido por sua participação ativa na Comuna de Paris…


Outra das grandes ideias defendidas por Schelling e que deve sempre nos nortear é a da percepção da totalidade das coisas, tendo consciência de que nada no mundo se encontra em separado. Tudo existe em relação. Eu me relaciono com o mundo em que vivo, sofrendo todo o tempo as influências do tempo presente, com sua cultura pulverizada, que tem pregado, nestes tempos pós-modernos, o reino da individualidade e do particular. A “maioria considera o particular em chave negativa”, diz o filósofo, ou seja, o particular como algo que não é parte do todo. Mas o particular só existe em face da totalidade: “morta e insuportavelmente rígida seria a arte que tencionasse expor a casca vazia ou a limitação daquilo que é individual.”


Jan Vermeer: A leiteira, 1658-1661
Nada pode ser separado de nada, nem o sólido do frágil, nem o determinante do determinado. Uma coisa pressupõe a outra e só pode existir em conjunto. Por isso, mesmo aquilo que não é belo, torna-se belo “mediante a harmonia do todo”. Por outro lado, Schelling faz uma admoestação ao artista: na distribuição do espaço, da luz, da sombra e do reflexo, há que se levar em conta as gradações da beleza, para que o quadro não se revele uma “antinatural monotonia”. Há que se particularizar um ponto da obra em que a beleza plena se destaca. Não é possível dar a todo o conjunto a mesma medida de beleza, mas, como Rafael, saber romper sua regularidade para que a expressão mais bela possa brilhar no centro do quadro. Schelling disse também que o “caráter” de uma pintura é aquilo que se extrai do ritmo interno, da “unidade de múltiplas forças” que agem em conjunto para “lograr uma certa harmonia e uma determinada medida”. Somente é possível criar uma unidade viva “se as forças, levadas à sublevação por meio de alguma causa, saírem do equilíbrio.” É a necessária assimetria que cria vida.


Ou seja: o edifício teórico que sustenta uma boa pintura é pleno de conceitos, de movimentos dialéticos entre o olhar do artista e sua observação do mundo.


Ticiano: Autorretrato, óleo sobre tela, 1550
Isto é fácil? Não, dificílimo! Por isso, essa postura tem sido não somente esquecida, mas deixada de lado pela arte dita contemporânea. Pois é melhor atender ao pragmatismo exigido pelo sistema de artes atual (que inclui o Mercado capitalista), mesmo que para isso seja feita uma mutilação no conjunto da teoria, que vem sendo enriquecida ao longo de toda a história humana. Esquece-se o rico legado teórico que herdamos e que poderia nos levar ao lado e além dos mestres do passado, em troca do utilitarismo pragmático que nada cria, a não ser fumaça. Ou que corta um pedaço do pé, para que caiba no sapato da teoria acadêmica atual...


Mas, diz Schelling, a pintura enobrece, modela as almas ou pelo menos indica o poder da alma que nela existe. Ao criar sua obra, o artista leva ao público observador uma possibilidade de mergulho na unidade do mundo, que eleva e dignifica. Mas que também lhe mostra seu potencial e capacidade de criador de seu próprio mundo. Também podemos lembrar do que pensava seu contemporâneo, o filósofo Hegel, que considerava a obra de arte como o meio privilegiado “através do qual o espírito humano se realiza”.


Ao final do seu discurso, Schelling faz menção a alguns dos grandes mestres do passado:


Rafael: Retrato de Agnolo Doni, 1505-06
- Michelangelo, “aquele espírito gigante”, atraído “pelos fundamentos mais recônditos da forma orgânica e, em especial, da figura humana, ele não evita o assustador, senão que o procura intencionalmente, despertando-o de seu repouso nas obscuras oficinas da natureza”;


- Leonardo da Vinci e Correggio apaziguam a violência inicial e “o espírito da natureza transfigura-se em alma” (entenda-se “espírito da natureza como a vida das coisas”). “A expressão geral dessa alma sensível é o claro-escuro (...) pois aquilo que o pintor põe no lugar da matéria é o escuro; sendo esse o estofo no qual ele deve afixar a fugidia aparência da luz e da alma”;


- Rafael “toma posse do sereno Olimpo e, consigo, conduz-nos da Terra à assembleia dos deuses”. “O florescer da vida perfeitamente formada, o perfume da fantasia e o tempero do espírito exalam, juntos, de suas obras. Ele já não é pintor, mas sim filósofo, sendo, a um só tempo, poeta.”;


Abaixo, destaco algumas questões colocadas por Schelling naquele 12 de outubro de 1807 e que até hoje rondam as cabeças de muitos artistas:


- “Como ainda seria possível contemplarmos essas obras dos antigos mestres, de Giotto ao professor de Rafael, movidos por uma espécie de devoção, inclusive por uma certa predileção, se a fidelidade de seus esforços e a grande seriedade de sua serena e espontânea limitação não nos impusesse respeito e admiração?”;


- “(...) temos de recriar a arte seguindo o mesmo trilho que eles seguiram, mas com nossa própria força, para nos igualarmos a eles.”;


- “Tudo o que cresceu a partir de inícios árduos e pequenos, mas terminou por adquirir vasto poder e altura, tornou-se grande por intermédio do entusiasmo. Isso vale tanto para impérios e Estados quanto para as artes e ciências. Não é porém a força do indivíduo que leva isso a efeito; tal tarefa cabe apenas ao espírito, o qual se espraia pelo todo.”;


- Ao artista, ninguém “pode ajudá-lo, já que ele mesmo deve ajudar-se; tampouco pode ser gratificado com algo que esteja fora de si, pois tudo aquilo que viesse a produzir sem vontade própria tornar-se-ia, de imediato, nulo; justamente por isso ninguém pode comandá-lo ou prescrever-lhe o caminho que deve peregrinar. Se é lamentável que tenha de lutar contra sua época, é tanto mais desprezível se com ela for indulgente.”


- “Apenas uma mudança operada nas próprias ideias é, pois, capaz de erguer a arte de seu esgotamento; somente um novo saber e uma nova crença estariam aptos a incitá-la ao trabalho por meio do qual ela revela, numa vida rejuvenescida, uma opulência semelhante àquela do passado. Com efeito, uma arte exatamente igual, em todas as suas determinações, à arte dos séculos precedentes jamais retornará; pois a natureza nunca se repete. Não haverá um Rafael como aquele de outrora, mas um outro a quem, de maneira particularmente similar, será facultado atingir o vértice da arte. Desde que se atenda àquelas condições básicas, a arte revitalizada mostrará o objetivo de sua determinação, tal como mostrara, em suas primeiras obras, a arte que a antecedeu”.
Rembrandt: Titus, óleo sobre tela, 1655

sábado, 7 de setembro de 2013

Edward Hopper

"Nighthawks" (Aves noturnas), Edward Hopper, 1941, óleo sobre tela, 152 x 84 cm

“Nighthawks, aves noturnas, falcões notívagos, gaviões da noite, essa gente que, como nós, se distrai e é engolida pelo vazio em uma noite deslocada do tempo, em que tudo pode acontecer, inclusive nada.
(...)
- Vai ver foi. Numa noite dessas, não descreio de nada, nem de alçapões, nem de vazios emolientes, nem de mortos que pintam vazios às altas horas da madrugada.”

O trecho acima foi extraído do livro do meu amigo escritor Jeosafá Gonçalves “Era uma vez no meu bairro - Zona Sul”. No capítulo 9 do romance há um diálogo que parece sair da tela do pintor realista norte-americano Edward Hopper “Nighthawks” (tela acima). Pintada em 1942, logo após o ataque japonês a Pearl Harbor, no final de 1941. Era o começo do envolvimento dos EUA na II Guerra Mundial.


Um de seus desenhos expostos
no Whitney Museum
Mas nestes meses atuais, até 6 de outubro, o Museu Whitney de Arte Americana, de Nova York, Estados Unidos, está fazendo uma exposição concentrada nos desenhos e no processo criativo de Edward Hopper. Esses desenhos revelam sua evolução e seu interesse permanente nos espaços: ruas, cinemas, escritórios, quartos, estradas. São parte de uma coleção do museu com mais de 2.500 desenhos doados por sua viúva, Josephine Hopper. Muitos deles nunca foram expostos antes. 

Edward Hopper foi um pintor realista norte-americano. Mais conhecido por suas pinturas a óleo, ele também foi aquarelista e gravador. Em suas cenas urbanas e rurais, e também nas pessoas solitárias de muitos de seus quadros, vemos refletida a sua visão pessoal da vida moderna. Aquela melancolia de fim de tarde, até certo ponto "aliviada" pelos encontros sociais após o expediente (os happy-hours), o peso na alma, a angústia que às vezes faz doer o corpo físico, coisas assim estão presentes na obra deste taciturno artista norte-americano que se manteve fiel ao realismo até o fim da vida. 

Para quem quisesse compreender qual era o motor que lhe inspirava a pintar, Edward um dia respondeu: “A resposta toda está lá na tela.” 

Quem foi Edward Hopper


Autorretrato, 1925-30, óleo s/ tela
Edward Hopper nasceu em Nova York, EUA, no dia 22 de julho de 1882. Seus pais, de descendência holandesa, foram Elizabeth Griffiths Smith e Garret Henry Hopper, um comerciante de secos e molhados. Teve uma vida até certo ponto confortável, como uma família de classe média. Edward e sua única irmã Marion estudaram tanto em escolas públicas quanto privadas e tiveram uma educação rígida. Seus pais eram da igreja Batista. Hoje, a casa onde viveram os Hopper é um centro cultural, a Edward Hopper House Art Center, aberta à comunidade, sem fins lucrativos, com exposições, workshops, palestras e eventos especiais.

Hopper foi um aluno aplicado e mostrou talento para o desenho desde cedo. Recebeu muita influência de seu pai, um intelectual que amava as culturas russa e francesa. Desde cedo, seus pais encorajaram a sua arte, fornecendo-lhes materiais artísticos, revistas e livros de arte. Na adolescência, Hopper já trabalhava bastante, desenhando com materiais diversos, como carvão, e pintando aquarelas e quadros a óleo. Também já fazia charges políticas. Com apenas 13 anos, em 1895, assinou sua primeira pintura a óleo, que ele intitulou “Barco a remo em Rocky Cove”. Nessa época ele já se interessava muito pelos temas marítimos. Chegou mesmo a pensar em seguir uma carreira ligada à marinha, mas logo após sua formatura resolveu seguir carreira artística.


Desenho de Edward Hopper
Hopper começou seus estudos de arte em um curso por correspondência em 1899. Logo, porém, ele foi transferido para o Instituto de Arte e Design de Nova York. Estudou nesta escola durante 6 anos, tendo também como professor o pintor William Merritt Chase, que o instruiu na pintura a óleo.

Outro de seus professores foi o também artista realista Robert Henri, que dizia que arte e vida devem caminhar juntos. Henri incentivava seus alunos a usar sua arte para "agitar o mundo". E dizia: "Não é o tema que conta, mas o que você sente a respeito dele". Dessa maneira, Hopper foi sendo influenciado por seus mestres, que incluiram também os notáveis ​​artistas George Bellows e Rockwell Kent. Alguns deles, incluindo o próprio Robert Henri, se tornaram membros da "The Eight", também conhecida como Escola Ashcan de Arte Americana.

A Escola Ashcan foi um movimento artístico no Estados Unidos do início do século XX, conhecida por retratar as cenas do cotidiano em New York, principalmente a vida nos bairros mais pobres da cidade. Os artistas mais famosos que trabalharam neste estilo incluía Robert Henri (1865-1929), George Luks (1867-1933), William Glackens (1870-1938), John Sloan (1871-1951), e Everett Shinn (1876-1953), alguns dos quais se conheceram estudando juntos sob a orientação do renomado pintor realista Thomas Anshutz na Academia Pensilvania de Belas Artes. Outros deles se reuniam na redação do jornal da Filadélfia, onde trabalharam como ilustradores.


Estudo para "Nighthawks"
Os artistas da Escola de Ashcan não emitiram manifestos, até porque não eram um grupo unificado com idênticas intenções e objetivos. Alguns eram politizados, e outros não. O que os unia era o desejo de mostrar a verdade sobre o viver na cidade e sobre a vida moderna. Robert Henri, um dos líderes principais deste movimento, queria que a arte fosse semelhante ao jornalismo. Ele queria pintar e ser “tão real quanto a lama, como o cocô dos cavalos congelados pela neve no inverno”. Ele dizia a seus amigos e alunos que deviam se inspirar no espírito de seu poeta favorito Walt Whitman, e "não ter medo de ofender o gosto contemporâneo". E acrescentava que a vida da classe trabalhadora e da classe média forneciam temas muito mais interessantes para pintar do que a vida e os salões da burguesia.

Hopper, portanto, amadureceu como pintor em meio a essas ideias. Durante seus anos como estudante, ele pintou dezenas de nus, estudos de natureza-morta, paisagens e retratos, incluindo seus autorretratos. 


"Sombras da noite", gravura de Edward Hopper
Em 1905, conseguiu um emprego temporário numa agência de publicidade, onde criou desenhos para capas de revistas. Depois dessa experiência, Hopper passou a detestar ilustração. Mesmo assim dependia disso para se manter.

Hopper fez três viagens à Europa, concentrando-se em Paris, onde ele queria aprofundar seus estudos de pintura, assim como o fizeram dezenas de outros seus conterrâneos antes e depois dele. Mas lá estudava sozinho e não parecia muito influenciado pelas novidades da arte daquele período. Mais tarde, ele disse que não se lembrava de ter ouvido falar de Picasso nenhuma vez. Mas tinha ficado muito impressionado com Rembrandt, principalmente pelo quadro “Ronda noturna” que ele disse que foi "a coisa mais maravilhosa que já tinha visto”.

Após esse contato com as telas de Rembrandt, Hopper começou a pintar cenas urbanas usando uma paleta com tons escuros. Ainda experimentou uma paleta clara como as dos impressionistas, mas voltou às cores escuras, com as quais ele se sentia mais confortável. Hopper passou a maior parte de seu tempo em Paris desenhando ruas e cenas nos cafés. Também ia ao teatro. Diferentemente de muitos de seus contemporâneos que imitavam as abstrações cubistas, ele escolheu continuar na linha da arte realista.


"Soir bleu", Edward Hopper, óleo sobre tela
Depois de retornar de sua última viagem à Europa, alugou um pequeno studio em Nova York, e começou a trabalhar para definir seu próprio estilo. Mesmo contra a vontade, voltou -se para a ilustração. Sendo free-lancer, foi obrigado a correr atrás de trabalho, batendo nas portas de revistas e agências. Nesse período, não conseguia pintar. Seu amigo Walter Tittle, ilustrador como ele, descreveu o estado emocional deprimido de Hopper: “Sofrendo... com longos períodos de indomável inércia, sentado por dias seguidos diante de seu cavalete em uma infelicidade desamparada, sem conseguir levantar uma mão para quebrar o ‘feitiço’."


Estudo para "No escritório, à noite"
Em 1912, ele resolveu ir para Massachusetts buscar alguma inspiração e fez suas primeiras pinturas ao ar livre nos Estados Unidos. Em 1913, quando da famosa exposição de arte conhecida como Armory Show, Hopper conseguiu vender sua primeira pintura, “Vela”. Tinha 31 anos. Logo se animou e pensou que iria conseguir vender mais obras. Mas se passaram muitos anos até que fosse reconhecido. 

No ano seguinte, recebeu uma encomenda para fazer ilustrações para alguns cartazes de filmes e de publicidade para uma empresa de cinema. Mesmo que ele não gostasse desse trabalho, Hopper adorava teatro e cinema, que acabaram sendo também temas para suas pinturas e influenciaram a composição de seus quadros. Em 1915, voltou-se para a gravura e produziu cerca de 70 obras. Quando podia, fazia também aquarelas ao ar livre.


Edward Hopper
Embora estes tenham sido anos frustrantes, ele não deixa de ter algum reconhecimento. Em 1918, Hopper foi agraciado com o prêmio Prize Board por seu cartaz sobre a guerra, "Esmagar Huno". Além disso, ele expôs obras suas em três ocasiões: em 1917, na Sociedade de Artistas Independentes; em janeiro de 1920, numa individual no Whitney Studio Club (precursor do atual Museu Whitney); e em 1922, novamente no Whitney. Em 1923, recebeu dois prêmios por suas gravuras : o Prêmio Logan da Chicago Society of Etchers, e o Prêmio WA Bryan.

Em 1923, conheceu sua futura esposa Josephine Nivison, artista e também ex-aluna de Robert Henri. Casaram-se um ano depois.

O artista voltou-se mais uma vez para pintar e desenhar a arquitetura norte-americana, tanto urbana quanto rural. Aos quarenta e um anos, Hopper já vivia de seu trabalho de pintura. 

Continuava um homem recluso, de poucas palavras, taciturno, um tanto melancólico. Vivia uma vida simples, longe dos eventos sociais que já lhe davam fama. Passou pela década de 1930 produzindo muito. Durante a década de 1940, passou um período de relativa inatividade, mas foi quando pintou um de seus quadros mais famosos, o "Nighthawks" acima. Passou por vários problemas de saúde. Na década de 1950 e início de 1960, criou várias de suas obras mais importantes, entre elas “Primeira fila da orquestra” (1951); “Manhã de sol” ; “Hotel by a Railroad”, 1952; “Intervalo”, em 1963.


"Autòmato", 1927, óleo s/ tela
Sua vida foi relativamente calma e ordenada. Não passou por mudanças bruscas e mesmo que tenha passado curtos períodos na Europa, ele passou mais de 50 anos, até sua morte, trabalhando em seu ateliê da rua Washington Square North, no último andar do prédio, em Manhattan, Nova York. Teve uma vida modesta ao lado de sua esposa, Jo, também pintora.

Sua pintura desde o início reflete seu interesse na tradição dos mestres holandeses, especialmente Rembrandt e Franz Hals e, dos franceses, seu fascínio por Édouard Manet. Paisagista e interessado em pintar casas e prédios, Hopper se interessou muito também pela imagem da mulher. Em muitos de seus quadros, mulheres solitárias, muitas vezes nuas, parecem representar a solidão humana diante de um mundo que crescia muito e que parecia engolir o sujeito. Sua mulher também foi modelo para suas pinturas muitas vezes.

Hopper morreu em sua casa, em Nova York em 15 de maio de 1967. Sua esposa, que morreu dez meses depois, doou sua coleção com mais de três mil obras para o Museu Whitney de Arte Americana.

Edward Hopper manteve-se fiel a seu estilo figurativo e realista, como o fizeram tantos outros pintores, norte-americanos ou não, entre eles Lucian Freud. Ele se manteve coerente a uma máxima de Wolgang von Goethe, a qual citava e concordava: 

"O início e o fim de qualquer atividade artística é a reprodução do mundo à minha volta através do mundo dentro de mim..."


"Moça costurando", Edward Hopper, 1921, óleo sobre tela