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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Inesquecível Van Gogh

Estudo em óleo para a tela "Os comedores de batata", 1885, Vincent Van Gogh
Van Gogh com 13 anos
Neste último dia 29 de julho, completaram-se 123 anos da morte de um dos pintores mais conhecidos do mundo: Vincent Van Gogh, sobre quem já falamos aqui neste Blog, em outro post (veja aqui). Mas é sempre bom falar e lembrar deste artista que vivia em permanente agonia expressiva. Com temperamento cheio de altos e baixos, ele deixou uma obra enorme e muito característica, que ainda hoje impressiona.

Diversos eventos em várias cidades europeias lembraram a data de sua morte. A pequena cidade Auvers-sur-Oise onde ele morreu e encontra-se enterrado ao lado do irmão Theo, fez uma pequena retrospectiva histórica da presença de Vincent por lá. A igreja pintada por ele, o Albergue Ravoux que ainda existe, onde ele morou e onde seu quarto se encontra ainda intacto. Dois designers de animação também homenagearam Van Gogh dando vida a várias de suas pinturas, como o italiano Luca Agnani e o artista grego Petros Vrellis, que animou a pintura - uma da mais famosas do artista holandês - “A noite estrelada” (Veja o vídeo abaixo).

E a galeria Eykyn Maclean de Londres, de 26 de setembro a 29 de novembro próximos, apresenta uma exposição intitulada “Van Gogh em Paris”, sobre os anos de 1886 a 1888, quando o artista vivia e trabalhava na capital francesa.
Fachada atual do Albergue Ravoux,
onde ele viveu em Auvers-sur-Oise

Os dois anos que Van Gogh passou em Paris representam uma parte importante de sua prolífica carreira. Este período foi marcado por uma transição no estilo artístico do pintor, que se distancia então de uma predominância de coloração escura em suas obras, dando mais luminosidade e expressão a seu trabalho. A mostra inclui trabalhos raramente expostos, onde a maior parte provém de coleções privadas. Estas obras são acompanhadas de outras de seus contemporâneos, como Monet, Pissarro, Toulouse-Lautrec e Gauguin. Essa galeria londrina é uma galeria privada, com espaços de exposição em Londres e New York. É especializada em obras de altíssima qualidade do movimento impressionista, tanto os da época dos princípios desse movimento, quanto os dos artistas contemporâneos.


Sorrow, 1882, Van Gogh
Mas destacamos aqui, com uma ênfase grande, o inegável e incansável trabalhador da arte que foi Vincent Van Gogh. Ele desenhava e pintava noite e dia. Parecia que tinha uma necessidade extrema por se expressar de algum jeito. Nas inúmeras cartas que escreveu a seu irmão Theo, durante anos, ele expunha suas ideias estéticas e sua atividade infatigável de ver o mundo com os olhos do artista, desenhando, fazendo apontamentos, observações. Nestas cartas (Cartas a Theo) se pode conhecer sua prática artística intensa.

Sua obra é plena de um realismo que pode se chamar de impressionista e neo-impressionista, e foi ele quem antecipou outros movimentos pictóricos do final do século XIX e começo do XX, como o Fauvismo e o Expressionismo.

Abaixo destaco alguns trechos de suas cartas (são só 4 exemplos escolhidos entre inúmeros outros), onde ele relata sua vida diária desenhando e pintando. Para mim é importante fazer esse destaque sobre Van Gogh, pois nos dias atuais predomina o pensamento de que o artista não precisa mais de técnica e nem “perder tempo” praticando sua arte, desenhando. Mas a história e os mestres estão aí para mostrar que um artista não se constrói de uma hora para outra, nem nasce feito, como um “privilegiado” de Deus. TODOS - sem exceção - trabalharam horas e horas, dias, meses e anos a fio em seu ofício, deixando ao mundo o resultado de seu intenso trabalho: a obra de arte. Hoje, diante delas, em algum sentido, somos profundamente impressionados.

Exemplo 1:
“Bruxelas, 1 de novembro de 1872, Boulevard du Midi.
Andei desenhando estes últimos dias uma coisa que me custou muito trabalho, porém me sinto feliz por tê-la feito; desenhei à pena um esqueleto de uma dimensão grande, em cinco folhas de papel Ingres.
1 folha: a cabeça, esqueleto e músculos.
1 folha: tronco, esqueleto.
1 folha: palma da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: dorso da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: pélvis e pernas, esqueleto.

Fiz esse trabalho a partir de um manual de John: Esboços anatômicos para uso dos artistas. Nesta obra há uma quantidade grande de desenhos das mãos, dos pés, etc, que me parecem muito claros e eficazes.

Agora vou terminar completamente o desenho dos músculos, especialmente do tronco e das pernas, que irão formar, com os desenhos já executados, um corpo humano completo; na sequência, o corpo visto pelas costas e de lado.

Vês, pois, que prossigo com certa energia; mas essas coisas não são tão fáceis e exigem tempo e sobretudo muita paciência.
Esboço para "Marguerite Gachet
ao piano", Van Gogh

Vou tentar, na escola veterinária, conseguir umas reproduções de anatomia, por exemplo, do cavalo, da vaca e do carneiro, e desenhá-las como fiz com a anatomia do corpo humano. Existem leis para a proporção, para luz e sombra, para perspectiva, que devemos conhecer para poder desenhar; se não possuímos este conhecimento, estaremos sempre numa “luta estéril” e não conseguiremos “parir”. É por isso que acredito ter procedido bem quando tive a ideia de desenhar a anatomia e quero me esforçar para, neste inverno, adquirir um bom repertório de anatomia; não posso esperar mais, pois, do contrário, o prejuízo seria maior se eu perdesse meu tempo. Acredito que esta também seja sua maneira de ver. O desenho é uma luta dura e árdua. (...)”

Exemplo 2:
“Bruxelas, janeiro de 1881
Meu caro Theo,
Quase todos os dias tenho algum modelo; um velho contínuo, algum operário, um moleque que eu faço posar. Domingo que vem, talvez eu tenha um ou dois soldados que virão posar. E como agora não estou mais de mau humor, faço de você, e de todo mundo em geral, uma ideia completamente diferente e melhor. Também voltei a desenhar uma paisagem, uma chameca, o que não fazia à muito tempo.

Gosto muito de paisagens, mas gosto dez vezes mais daqueles estudos de costumes, às vezes de uma verdade assustadora, como os de Gavarni, Henri Monnier, Daumier, de Lemud, Henri Pille; Th. Schuler, Ed. Morin, G. Doré (por exemplo, em sua “Londres”), A. Lançon, De Groux, Félicien Rops, etc etc... os desenharam magistralmente.

Agora, sem pretender de forma alguma chegar tão alto quanto eles, continuando contudo a desenhar estes tipos de operários, etc, espero chegar a ser mais ou menos capaz de trabalhar na ilustração de jornais e livros. Principalmente quando estiver em condições de pagar mais modelos, inclusive modelos mulheres, farei ainda mais progressos, sinto-o e sei disso.

E chegarei, provavelmente, também a conseguir fazer alguns retratos. Mas sob a condição de trabalhar muito; sequer um dia sem uma linha, como dizia Gavarni.

Exemplo 3:
Paris, verão de 1987
(...)
Meu querido Théo:

Estou cheio de trabalho, já que as árvores estão florindo e eu queria fazer um pomar da Provença cheio de uma alegria monstruosa. Escrever-te com a mente descansada apresenta sérias dificuldades: ontem te escrevi cartas que em seguida destruí.
Esboço para a tela "Quarto de dormir", Van Gogh

E encontrei uma coisa graciosa como não se encontra todos os dias.

É a ponte levadiça com um pequeno carro amarelo e um grupo de lavadeiras; um estudo onde a terra é um alaranjado vivo, a grama muito verde, o céu e a água azuis.

Falta-lhe apenas um quadro explicitamente calculado em azul royal e dourado, esse modelo com a bandeja azul e a haste exterior dourada; mas, se necessário, o quadro poderia estar em pelúcia azul; mas vale pintá-lo. Posso te assegurar que o que eu estou fazendo aqui é superior ao da campina de Asnières na última primavera

Estou de novo em pleno trabalho, com pomares sempre florescendo. O ar daqui definitivamente me faz bem; eu desejaria que pudesses respirá-lo a plenos pulmões; um de seus efeitos é muito engraçado: aqui um único copo de conhaque me deixa tonto; assim como eu não posso recorrer a estimulantes para fazer circular meu sangue, pelo menos, minha constituição física não vai de desgastar.

Somente que, desde que estou aqui, tenho o estômago terrivelmente enfraquecido; enfim, isso é um assunto que me pede muita paciência. Este ano espero fazer reais progressos, dos quais sinto uma grande necessidade.

Tenho um novo pomar que está tão bom quanto os damascos rosados e os pêssegos com seu rosa muito pálido.
Entrada para o quarto onde ele viveu,
no albergue Ravoux, ainda preservado

Atualmente trabalho com umas ameixas de um branco-amarelado com mil ramas negras.

Gasto muito com telas e cores, mas mesmo assim espero não estar perdendo dinheiro.

Também ontem eu vi uma tourada, onde cinco homens atormentavam o boi com bandeiras e fitas; um toureiro esmagou um testículo ao saltar a barreira. Era um homem loiro com olhos cinzentos, e com muito sangue frio; disse que ainda tinha um longo tempo. Ele estava vestido de azul celeste e dourado, exatamente como o cavalheiro de nosso Monticelli, que tem três figuras em um bosque. As areias são muito bonitas quando há sol e as multidões.

O mês vai ser difícil para você e para mim, mas seria a nosso favor se você consegue fazer todos os pomares em flor que pode. Agora me sinto muito bem para trabalhar, e me parece que que faltam uns dez sobre o mesmo tema.

Já sabes que sou muito inconstante em meu trabalho e que esta fúria de pintar pomares não durará muito. Além de tudo, virão possivelmente as areias. E tenho que desenhar muito, porque eu gostaria de fazer desenhos no estilo dos japoneses. Não posso fazer outra coisa a não ser bater no ferro enquanto ainda está quente...
(...)”

Exemplo 4:
“Nuenen, dezembro de 1883 - novembro de 1885
“Nos meus novos desenhos, começo as figuras pelo tronco e parece-me que elas adquirem assim maior amplitude e largura. No caso de não bastarem cinquenta, desenharei cem, e se isto ainda não for o suficiente, farei ainda mais, até chegar exatamente onde quero, ou seja, até que tudo fique redondo e que na forma não haja de modo algum nem começo nem fim, mas que se forme um conjunto harmonioso de vida.
Você sabe que é precisamente esta a questão que Gigoux trata em seu livro “Não começar pela linha, mas pelo meio”.
Muntz diz: o modelado é a virtude da arte, e o que ele mudou na frase de Ingres é que Ingres dizia: o desenho é a virtude da arte, acrescentando ‘eu gostaria de assinalar o contorno com um arame’. Herbert também tinha o que ele mesmo chamava de ‘consideração pela linha’.
Há outros ainda que pretendem que todos os dogmas são absurdos enquanto tais. Pena que isto também seja um dogma. É preciso pois limitarmo-nos a fazer aquilo que fazemos, e tentar tirar disso alguma coisa, procurar dar-lhe vida.
(...)
Eis o esboço de uma cabeça que acabo de fazer. Na minha última remessa de estudos, você recebeu a mesma, precisamente a maior delas, mas pintada de uma maneira lisa. Desta vez não estendi minha pincelada, e aliás a cor é totalmente outra. Eu ainda não havia conseguido uma cabeça a tal ponto pintada com terra, mas agora outras se seguirão”.
À esquerda, O Semeador, de Jean-François Millet, 1850 - - - À direita,  O Semeador (após Millet), 1889, Van Gogh
Dados biográficos

Vincent van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Zundert, Holanda. Tentou ser pastor protestante, como o pai. Chegou a ter como primeira missão pastoral ir para uma região belga de minas de carvão, como pastor dos mineiros e operários que viviam e trabalhavam por lá. Entre 1879 e 1880, Van Gogh viveu em meio a esses trabalhadores que tinham uma vida miserável. Mas logo se viu que Van Gogh não tinha a menor vocação para ser pastor.

Voltou para a casa dos pais, já com 27 anos de idade e dizia-se que ele não sabia fazer nada. Seus pais se inquietavam com aquele filho complicado, cheio de suscetibilidades, e emocionalmente instável.

No natal de 1881 ele teve uma violenta discussão sobre religião com seu pai, que o mandou embora de casa.
Túmulos dos irmãos Vincent e Theo, em Auvers-sur-Oise

Foi então que seu irmão Theo, mais novo que ele, lhe dá seu apoio e se dispôs a ajudá-lo até o fim da vida. Theodore Van Gogh já estava em Paris, trabalhando, e envia-lhe uma mesada para que o irmão pudesse continuar seus estudos de pintura.

Em 1886 viajou para Antuérpia, matriculando-se na Academia de Arte da cidade. Mas não ficou nem trinta dias lá. Abandonou a escola e foi embora para Paris, indo morar com o irmão. Depois Van Gogh se mudou para Arles, interior da França, onde pretendia juntar os artistas em uma comunidade. Apenas Paul Gauguin se dispôs a segui-lo, em seguida abandonando-o porque com Vincent Van Gogh era muito difícil de conviver. As brigas eram muitas, e em uma delas Vincent cortou a própria orelha.

O temperamento dos dois irmãos era muito diferente e Theo sempre representou, para seu irmão angustiado, o protetor, o confidente, o amigo certo. Durante 10 anos, sem interrupção, Theo enviava a Vincent uma contribuição mensal, além de muitas vezes lhe enviar telas, pinceis e tintas. Sabemos que Van Gogh vendeu apenas uma tela enquanto esteve vivo. Atualmente, o mercado de arte avalia suas telas em milhões de dólares. Já em 1958, 68 anos depois da morte do artista, um leilão em Londres vendeu seu quadro “Jardim público em Arles” por 150 milhões de francos!

Vincent Van Gogh morreu no dia 29 de julho de 1890 em Auver-sur-Oise, na França, há exatos 123 anos atrás. Apenas seis meses depois, Theo também morreu e tinha deixado, como último pedido, uma recomendação de que o enterrassem junto a seu irmão Vincent, o que só aconteceu 24 anos depois, porque a família não possuía condições financeiras para levar o corpo de Theo até Auver-sur-Oise, na França.

VEJA ESTA ANIMAÇÃO FEITA PELO ARTISTA GREGO PETRUS VRELLIS:

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Diário de Madrid VIII

Ontem fiquei sem internet. O wifi do lugar onde estou hospedada resolveu nao funcionar nunca mais. Estou digitando de um locutório e nao tem o til nos acentos deste teclado, entao tudo que for entao, nao, sertao, faisao, estao, sao, nao sao... vai ficar tudo assim mesmo, desculpem aí.

Mas ontem estive vendo a coleçao do Museu Thyssen-Bornemizsa, depois do curso intensivo que estou fazendo na Academia Decinti. Para uma coleçao particular, pertencente a úma só família e que montou esse acervo em duas geraçoes, desde o século XIX, a quantidade de obras para ver è muito grande. Eles têm um pouco de tudo: dos pintores italianos, holandeses, franceses, flamengos, espanhois, ingleses, norte-americanos e até austríacos, suecos, escandinavos e russos. Posso concluir que essa famìlia sabia do que estava acontecendo no mundo das artes e fez questao de adquirir obras de todas as fases importantes da pintura até o século XX.

A coleçao é feita de pinturas clàssicas, de representantes do romantismo, do realismo, do impressionismo, da Vanguarda Russa, das vanguardas europeias do começo do sèculo XX. Tem Kandinsky, Chagal, Max Ernst, Kasimir Malevich, Mondrian, Lucien Freud, John Singer Sargent, Francis Bacon, Edward Hoper e todos os outros mais conhecidos, Van Gogh, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Monet, etc. É uma boa panorâmica da pintura dos últimos tempos, inclusive. Mas pára na dècada de 1940.

Para ver arte pós-década de 40 é bom ir a outro grande Museu daqui, o Reina Sofia, que já fui em outra viagem a Madrid e desta vez acho que posso ficar sem. Lembro-me que lá vi "A Guernica" de Picasso, várias outras obras dele, além de Salvador Dali, Miró e esculturas de Gaudi. Foi o que mais gostei. Porque o Reina Sofia está mais focado na Arte Contemporânea que no me gusta mucho...

Ficheiro:El Aquelarre.jpg
Uma das pinturas negras, de Francisco Goya
Gosto de ver os mestres de verdade: Diego Velázquez, José Ribera, El Greco, o grande Francisco Goya, Joaquín Sorolla - estes grandes espanhois que muito me encantam. Além dos outros que enchem meus olhos: hoje tive uma overdose de pintura! A riqueza da coleçao de pinturas do Museu do Prado - que fui ver hoje de novo - para terminar meu périplo por lá - é impressionante! Inúmeros quadros de Rubens, Tiziano, Rafael, Botticelli, os irmaos Carracci, Poussin... Inúmeros holandeses e alemaes, inúmeros espanhois, franceses... Anton Van Dyck, Rembrandt... dá para ficar com a alma feliz e os olhos escancarados por dias!

Mais uma vez fiz uns desenhos, especialmente de José de Ribera. Hoje tinham vários pintores com seus cavaletes pintando ao vivo, usando como referência essas maravilhas da arte. Fiquei com uma ponta de inveja destes artistas espanhois que podem a qualquer momento instalar-se dentro do Museu e pintar diretamente dos quadros dos mestres, beber direto na fonte.

Mas meu amigo Marcelo tinha me dado uma sugestao e preciso falar um pouco sobre isso. Marcelo, agora è para você que escrevo. Os espanhois, ah, os espanhois... Nunca tinha percebido, como agora, a expressividade desse povo! Velázquez, por exemplo, teve uma vida meio sem graça (se levarmos em conta a vida maluca de Caravaggio, por exemplo). Vivia na corte, com sua família, servia ao rei, pintava quando era solicitado, viajava para a Itália para comprar obras para o rei... algumas destas obras que hoje meus olhos puderam ver. O cara tinha tudo para ser um reles pintor de corte, de segunda linha. Mas nao! Cada tela que Velázquez pintou dizia muito sobre ele, sobre sua visao de mundo, sobre sua alma. As pinturas de Velázquez sao muito fortes, é impossível nao nos tocar um quadro como "A forja de Vulcano", ou até mesmo "Marte" e as figuras dos anoes e bobos da corte que ele elevou ao nível da pintura dos reis. Ele nao fez nenhuma diferença entre pintar, por exemplo, o retrato do rei Felipe ou moças que trabalham fiando, ou o cocheiro... Sua vida foi de uma pessoa normal? Sua pintura nao é absolutamente de uma pessoa normal! Ele parecia meio bobo, de tao tímido? Sua pintura grita, se escancara, será vista e admirada ainda durante muitos séculos!

El Greco, que se enfiou na pequena Toledo, tem uma pintura fantàstica, que com certeza deve ter inspirado Modigliani (nunca li sobre isso, mas quando vi as figuras esguias dele me lembrei de Modigliani). Sei que inspirou Francis Bacon e, sim, Susana, eu tambèm acho que Bacon deve ter se inspirado em El Greco tambèm. Ele usava tons escuros para as sombras, preto ou cinza. Quase nao tem sombras coloridas, os traços sao fortes, as figuras verticalizadas. Falava El Greco!

José de Ribera, Vicente López, Francisco Zurbarán, Murillo... falam da alma espanhola, da intensidade dos sentimentos que este povo é capaz de ter e sentir, da religiosidade que chega quase ao fanatismo, mas da vida nas ruas, nas casas, nas touradas, nas danças, no amor, no trabalho.

Francisco Goya... este tem me tocado muito ultimamente. Por inúmeras razoes e nem vou falar muito disso aqui agora, porque sei que este é um processo que está se dando e vamos ver aonde isso vai me levar. Acho que Goya me trouxe a esta viagem agora para a Espanha. Goya e Sorolla, os dois juntos, com suas diferenças, um o pintor da luz, o outro o pintor das trevas, mas nesta contradiçao me representam em meus altos e baixos, sobes e desces e os dois tem me falado muito nesta viagem. Sorolla, Goya...

As pinturas negras de Goya, que eu vi, revi e vi de novo no Prado sao de uma expressividade impressionante! Um homem que além de pintor se incomodava com os assuntos do seu país, do seu povo, que se envolveu com as lutas históricas de seu tempo, que pintou os desastres da guerra e a tela "O fusilamento de 3 de maio", mas também as "majas" desnuda e vestida, as gravuras e caricaturas que representavam os sentimentos humanos mais profundos... Francisco Goya é, para mim, uma grande referência.

Joaquín Sorolla, pintor realista do final do século XIX e começo do século XX, tinha como grande forma expressiva a explosao de luz que ele permitia surgir em seus quadros. Pintou muitas vezes na beira da praia, amarrando seu cavalete com cordas por causa do vento, unicamente porque sentia necessidade de trazer aquela luz para suas telas, aquelas pessoas andando na praia, os pescadores, as mulheres e principalmente as crianças. Todo o mundo de Sorolla é um mundo da relaçao com a luz. Ele tinha em sua palheta uma boa diversidade de tons de amarelo. E amava a pintura de Velázquez, aquele homem tímido cuja pintura nada tem de tímida.

Só para terminar, tambèm vi um outro pintor espanhol que me encantou muito: Mariano Fortuny. Quase nao é conhecido, mas é da mesma cepa que Sorolla. Fiz um desenho gestual de uma cópia que Mariano Fortuny fez de uma figura de Velázquez. Como a cópia dele é, por sua vez, uma grande obra, fiquei observando e minha observaçao me fez desenhar para entender melhor.

Ficheiro:Joaquín Sorolla 001.jpg
Um exemplo da luz de Joaquin Sorolla

domingo, 7 de abril de 2013

Diário de Madrid V



O sábado amanheceu ensolarado. Finalmente o sol apareceu! O cèu está muito azul, mas o frio è congelante. A gente se encolhe ao caminhar pelas ruas, enfiando o nariz embaixo do cachecol...

Mesmo assim as ruas estao cheias de gente. Muitos turistas descendo a Gran Via em direçao ao Paseo del Prado, e parecia uma procissao de gente descendo na mesma direçao. Varios grupos, casais, pessoas sozinhas.
Fui para o Museu Thyssen-Bornemizsa, que guarda uma das maiores coleçoes particulares de obras de arte. São da familia de Heinrich (1875-1947) e Hans Heinrich Thyssen-Bornemizsa (1921-2002). O Museu foi inaugurado em 1992 e uma grande parte de seu acervo foi adquirido pela Estado. Há obras do sèculo XIII até da década de 1940. Uma riquìssima coleçao de obras de arte que irei ver logo.

Mas resolvi ver antes a exposiçao "Impressionismo - pintura ao ar livre", uma exposiçao temporaria que reune obras do acervo de museus os mais variados, de diversos paises da Europa e dos EUA. Como sei que é muito dificil ver todas essas obras juntas, fui vê-la. De Camille Corot até Van Gogh, passando por Claude Monet, Sisley, Rousseau e Gustave Courbet, esta mostra apresenta pinturas que foram feitas a partir da influencia da Escola de Barbizon, formada por um grupo de pintores que resolveu ir para o campo, pintar ao ar livre, fora dos ateliês.

Trata-se entao de paisagens. A ideia era pintar os efeitos da luz solar sobre a natureza. Muitos deles fizeram experiencias, pintando a mesma cena em momentos diferentes do dia para captar as nunaces de luz que se modificam com a passagem do tempo. Um deles recomenda que se pinte em duas horas uma cena dessas, ou se for no por do sol, no máximo em meia hora...

Como a quantidade de pessoas querendo ver a exposiçao era muito grande, a organizaçao resolveu fazer a entrada por horários marcados. Mesmo assim era incomodo a disputa para ver os quadros. Havia oito de Gustave Courbet, entre paisagens rochosas, marìtimas, florestas e nuvens. Gosto muito deste pintor francës, um dos fundadores da Escola Realista. Mas la tambem estavam Joaquin Sorolla, Cézanne, Wiiliam Turner (que eu so tinha visto pessoalmente uma vez, no Louvre) e o alemao Adolf Menzel, pintor realista do qual vi uma bela exposiçao de suas pinturas em minha viagem a Berlim em 2010.

Deixei para ver o rico acervo do Thyssen depois, quando tiver menos gente. Fui em direçao ao Museu do Prado. Em frente ao predio, barracas onde pintores vendiam seus quadros, destes que encontramos na Praça da Republica em Sao Paulo, ou na pracinha atrás de Sacre-Coeur em Montmartre, Paris. Eles pintam o que os turistas gostam de comprar. Aqui, cenas locais com touradas, Dom Quixote, espanholas coloridas e suas castanholas. Também retratistas estavam lá oferecendo de desenhar os turistas por 10 euros.

Na igreja de São Jeronimo, ao lado, vi uma cena interessante: um grupo de pessoas vestidas para festa se acotovelava para serem fotografadas ao lado de... um casal de noivos! Os ombros dela estavam nus pois usava um vestido tomara-que-caia. Fiquei com pena dela, neste frio... Ela deve ter marcado a data de casamento e nem imaginava que no mës de abril estivesse tao frio em Madrid! Porque este frio nao é muito comum nesta época...


Segui meu caminho.

Passei em frente à estação Atocha, a estação central dos trens de Madrid. De Atocha saem todos os trens para qualquer região da Espanha e fora dela. Foi daqui que parti diversas vezes para conhecer outras cidades em minha primeira viagem para cá. Lembrei do atentado de uns 4 anos atrás, na Atocha, com muitos mortos. Hoje tem um monumento que os homenageia.

Passei na porta do Reina Sofia, o Museu de Arte Contemporânea. Como da primeira vez vim duas vezes conhecer seu acervo, desta vez vou priorizar os outros. Vi a parte nova do Museu inaugurada recentemente e bem moderna. Um bloco em vermelho, com uma forma um tanto orgânica. Vi também a escultura de Gaudí, que já tinha visto antes.

Caminhei em direção à Plaza de Lavapiés. Lavapiés era um antigo bairro judeu que foi ocupado por imigrantes de todas as partes do mundo. Caminhando pela rua, mesas com cadeiras nas calçadas em frente aos botecos, cheias de gente mais jovem. E muitas pessoas de todas as cores passando por mim. Vi muitos negros e muitos latinos. Mas pensei que com esta crise atual a Espanha não deve mais oferecer muito atrativo para os de fora que procuram por melhores condições de vida. E principalmente por trabalho, pois o desemprego aqui é muito grande, quase um terço da população trabalhadora.

Terminei meu dia encontrando um amigo brasileiro que está de passagem por Madrid e está viajando de mochila pela Europa por três meses. Fomos até o restaurante Miau na Plaza de Santa Ana jantar e tomar vinho. E o Leonardo me contou todas as aventuras deste primeiro mês de viagem, sozinho, descendo de Paris pela costa oeste, passando pela Galícia, depois Portugal, Andaluzia. Agora está indo para Barcelona. Seu objetivo é chegar a Istambul, na Turquia, em um mês e meio.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Edgar Degas, impressionista ma non troppo

Estudo meu sobre o "Retrato de Albert
Melida", de Edgar Degas,
feito em pastel (nov. 2012)
O Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, Paraná, inaugurou no dia 10 de novembro a exposição “Degas: Poesia geral da Ação. As esculturas - Coleção Masp”. O evento faz parte da comemoração dos 10 anos de vida do Museu, que tem a assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer.

São 73 obras do artista francês Edgar Degas que pertencem ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp. As esculturas são fundidas em bronze e, entre elas, a mais conhecida: “Bailarina de 14 anos” (foto abaixo). Vale ressaltar que o MASP é um dos museus onde há uma das grandes concentrações de obras de Degas, além do Metropolitan de Nova York e do Museu d'Orsay de Paris.

Recentemente fiz um estudo em pastel de uma pintura a óleo deste artista francês, o “Retrato de Albert Melida”. O método de pintura dos impressionistas é pictórico, quase sem linhas, com predominância no valor das cores de médio a alto; também não respeitam muito a forma dos objetos e as massas se fundem, se multiplicam, dando um ritmo luminoso, o que era intenção desses pintores. Alguns levaram essa técnica à radicalidade do pontilhismo, como George Seurat e Van Gogh. Ou praticamente enfatizando os efeitos luminosos das cores sob o efeito da luz, como fazia Monet. Mas não foi o caso de Degas. Ele ficou mais independente, mantendo mesmo uma certa distância do grupo dos impressionistas, mesmo que, segundo E.H. Gombrich em seu livro História da Arte, “simpatizasse com a maioria de seus propósitos”.


Autorretrato, Degas, 1857
Seu nome completo era Hilaire Germain Edgar de Gas, adotando Edgar Degas como nome artístico. Ele nasceu em 19 de julho de 1834 em Paris e foi, além de pintor, gravador, escultor e fotógrafo. Era um pouco mais velho do que Renoir e Monet e regulava de idade com Manet. Gombrich observa que Edgar Degas tinha um interesse “apaixonado” pelo desenho e era grande admirador da obra de Jean-Auguste Dominique Ingres, artista que se manteve sempre fiel à pintura acadêmica.

Degas não aderiu ao costume dos impressionistas de pintar ao ar livre. Preferia o espaço interno de seu ateliê ou as salas de aulas de balé, cujas bailarinas aparecem em muitos de seus quadros. Ele ia aos ensaios de dança para ver os corpos em movimento, que desenhava e pintava. “Via as bailarinas dançando ou repousando, e estudava o intrincado escorço e o efeito da iluminação de cena modelar a forma humana”, aponta Gombrich. Diversos desses esboços foram feitos à pastel. Mas nessas observações das bailarinas ele se comportava como seus amigos impressionistas e pintores de plein air: lhe interessava, mais do que a beleza da bailarina, os jogos de luz e sombra, as formas dos movimentos, as relações espaciais.

A maior parte de suas obras, desde que se busca classificar os pintores dentro de algum movimento, é incluída dentro do movimento impressionista, mesmo que, como vimos antes, ele não era exatamente um deles, porque as principais características do Impressionismo não são aplicáveis a Degas, que pintava dentro de seu ateliê, muitas vezes de memória. O fato dele ser incluído entre os impressionistas seria muito mais pelo fato de que, assim como aqueles, ele também não seguia as regras da Academia Francesa. Muita discussão e debate já aconteceu em torno da obra de Edgar Degas por diversos historiadores da arte, uma vez que seu trabalho como artista não podia ser classificado como impressionista em sua totalidade.


A bebedora de absinto, Degas
Edgar Degas, filho de uma família rica, era o grande burguês do bairro de Montmartre, tradicional reduto de artistas, em sua maioria pobres. Seu pai era banqueiro, e ele cresceu dentro do meio burguês, numa rua próxima do Jardim de Luxemburgo, bairro nobre de Paris. Como parte de sua formação, cursou a faculdade de Direito, por exigência paterna. Mas Degas já se interessava muito por Desenho e começou a frequentar o Gabinete das Estampas da Biblioteca Nacional, onde copiava incansavelmente as obras de Albrecht Dürer, Andrea Mantegna, Paul Veronèse, Francisco Goya e Rembrandt.

Além disso passava as tardes no museu do Louvre onde, com o tempo e sua evolução como artista, foi admitido como pintor copista, uma prática que ainda hoje se mantém. Ele admirava os pintores italianos, franceses e holandeses. Foi aluno, entre outros, de Louis Lamothe, que tinha estudado pintura com Ingres. O pai de Degas, homem culto e amante das artes, mas também bom comerciante, apresenta ao filho alguns dos maiores colecionadores de arte de seu tempo.


A partir de 1855 ele frequenta as aulas da Escola de Belas Artes de Paris, mas com a ideia de se aproximar da obra dos grandes mestres do passado, como Luca Signorelli, Sandro Botticelli e Rafael. Por causa desse interesse, Degas viajou várias vezes à Itália entre 1856 e 1860. Foi em Florença que ele conheceu e se tornou amigo de um outro pintor francês, Gustave Moreau, que foi um dos principais representantes da corrente simbolista na pintura francesa.

Em sua fase inicial, Degas fez diversas pinturas de inspiração neoclássica, além de ter pintado numerosos retratos de pessoas de sua família. Na guerra contra a Prússia de 1870, Degas se alista na infantaria. Entre 1874 e 1886 Degas participa das exposições dos impressionistas, empenhando-se pessoalmente na organização das mesmas. Seus contatos com outros pintores da mesma geração se estreitam, especialmente com Camille Pissarro.


As bailarinas, 1878, Degas
Edgar Degas era um frequentador ativo do bairro de Montmartre, participando de diversos círculos de amigos, de ateliês, de cafés literários e de encontros sociais organizados por outros artistas e intelectuais de sua época, reunindo-se na casa da família Manet, na da pintora Berthe Morisot e na do poeta Stephane Mallarmé. À frente de outros burgueses como ele, seus amigos íntimos, ele levava uma vida celibatária e algo arrogante. No que dizia respeito aos princípios aprendidos em sua família de origem, era intransigente, e em muitas querelas batia de frente com os amigos. Tinha uma personalidade difícil, humor mordaz, agressivo, o que afastava as pessoas de seu convívio. Mas participava ativamente das discussões que aconteciam no café Guerbois, entre artistas jovens e seu amigo Edouard Manet, cujo ateliê ficava perto, no bairro de Montmartre.

Desde 1875, a pintura foi para ele sua fonte de renda, quando ele começou a ter dificuldades financeiras. Sua família tinha entrado em falência após a morte de seu pai. De 1880 em diante, ele passa a usar mais o pastel em sua pintura, algumas vezes usando junto também tinta guache e aquarela. As telas dessa época são bastante modernas no sentido de dar maior expressão às cores. No final dos anos 1890, Degas, já quase cego, se dedica cada vez mais à escultura. Sua única exposição individual aconteceu em 1892, quando ele apresentou 26 telas com paisagens.


De 1905 em diante, cada vez mais amargurado pela cegueira que lhe acometeu, Edgar Degas se isola ainda mais dentro de seu ateliê. Morreu em setembro de 1917, com 83 anos de idade, acometido de um aneurisma cerebral. Seu corpo foi sepultado na tumba da família no cemitério de Montmartre. No ano seguinte, todas as obras acumuladas em anos de trabalho, que ele guardava em seu ateliê, foram vendidas em leilão, assim como sua importante coleção de obras de arte que ele tinha adquirido de outros artistas. Dessa coleção, dedicada especialmente à arte francesa do século XIX, se destacavam obras de Ingres e Delacroix, dois mestres por quem Degas tinha grande admiração não só por sua técnica mas também pela cultura artística que eles possuíam.




A pequena bailarina de 14 anos,
Degas, acervo do Masp
Ingres influenciou profundamente o jovem Degas. Ele tinha 21 anos de idade quando conheceu o mestre em seu ateliê. Em seguida, passou a copiar apaixonadamente as obras apresentadas em uma exposição retrospectiva consagrada a Ingres. O primeiro autorretrato de Degas faz referência clara ao que Ingres fez em 1804, como se pode ver neste post. O próprio Ingres lhe teria sugerido que desenhasse, que desenhasse muito, e ele seria um bom artista. Degas estava sempre com um porta-lápis à mão. Até o fim de sua vida, Degas mantinha o costume de fazer desenhos preparatórios e esboços para seus trabalhos. Praticava inclusive desenho de modelo vivo, a vida toda. Sempre respeitando o que lhe havia sugerido o grande mestre Ingres.

Em relação a Eugène Delacroix, Degas também era um admirador de sua pintura, chegando a fazer uma cópia do quadro de Delacroix “Entrada dos cruzados em Constantinopla”. Em 1889, viajou a Tanger, seguindo os passos do pintor Delacroix, que era apaixonado pela cultura do norte da África.


Um de seus inúmeros esboços
As bailarinas azuis, 1899, Edgar Degas
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Serviço:

“Degas: Poesia geral da ação. As esculturas – Coleção MASP”
De 10 de novembro de 2012 a janeiro de 2013
Museu Oscar Niemeyer
Curitiba - Paraná

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Um olhar sobre os Impressionistas

Claude Monet: "Le bassin aux nymphéas, harmonie verte",1899
Era o dia de ver os Impressionistas.

O tempo está seco e quente demais para o inverno. O mês de agosto ainda não trouxe nenhuma frente de ar polar, como deveria acontecer. Nem mesmo frente fria tem aparecido por aqui. Mas o dia amanheceu claro, um sol que começa a deslocar seus raios de luz em direção à parede à direita da minha sala, como acontece todo ano quando estamos a um mês do fim do inverno. A primavera chega em setembro, mas já se podem ouvir sabiás cantando antecipadamente.

Autorretrato, Leon Bonat, 1855
A cidade amanheceu congestionada. Como sempre. A moça do rádio informa, monótona, que há mais carros na rua do que normalmente, “para o dia e para o horário”. Pontos de ônibus recebem pessoas às dezenas, desde às quatro horas da madrugada. Pessoas que vão trabalhar, que vão ao médico, que vão de um lado a outro, horas e horas de tempo gastos dentro dos ônibus, dos metrôs apinhados ou dos trens abarrotados. Mas mais abarrotadas estão as ruas: de carros com uma pessoa dentro.

Uma ou outra bicicleta se arrisca entre ônibus e automóveis guiados por motoristas tensos. Há uma bicicleta branca aqui perto, uma moça morreu. Um ônibus passou por cima. Dela e da bicicleta. Que está lá em sua branqueza, parecendo um fantasma, mostrando o quanto esta cidade é dura com os mais fracos.

Motoqueiros loucos, que nem cachorros, doidos para entregar suas encomendas, passam ziguezagueando entre os carros. Xingando e sendo xingados. O meu ônibus sobe a rua Teodoro Sampaio, devagar, cansado. O cobrador chama todas as mulheres de “minha linda”, “gata”, “amor”. E os homens de “amigão”, “queridão”... Ele procura sua cota de felicidade nesse mundão cão. As pessoas gostam: as mulheres sorriem, os homens se sentem parceiros. Nem tudo é selva em meio a tantas torres! Ou como dizia meu poeta Drummond “uma flor nasceu na rua!”

Retrato de Fernand Ralphen,
Auguste Renoir
Ônibus, depois metrô. Pessoas ainda indo pro trabalho. Toda hora há turnos de trabalho sendo iniciados nesta metrópole. O meu começa às 13h. Mas ainda é cedo e eu vou para o centro. No meio dessa confusão de pernas e braços que correm em todas as direções, me lembro de novo de Drummond: “Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.”

Chego no Centro Cultural Banco do Brasil. Há alguns oásis em meio a tanto deserto e de vez em quando uma brisa fresca sopra e nos permite respirar. Mesmo com a garganta seca.

Uma hora na fila. Leio “Zona Leste”, de Jeosafá Gonçalves. Converso um pouco com meu amigo. Ouço a conversa da senhora ao lado, tagarela, voz que arde nos nossos ouvidos. Meu amigo pára de ler seu “The Prince” de Maquiavel, pois a lenga-lenga da senhora tira a concentração. Conversamos mais um pouco. O mundo passa na calçada: pessoas no fluxo e no contrafluxo, indo trabalhar. Ou mesmo vagabundos que não tem pra onde ir. Todos passam ali. Olhamos calados. Nós somos todos eles.

Público na fila hoje, no CCBB
Dez horas, a porta grande se abre. Abre um mundo, um outro mundo. Os Impressionistas de Paris, do Museu d’Orsay que visitei algumas vezes, estão aqui à nossa frente, com suas cores claras, suas luzes quase nos incandescendo. O prazer estético vai aumentando. Paramos diante de Boldini e seu “Conde Robert de Montesquiou”, muito bem trabalhado, elegante. A pintura e a figura. Giovanni Boldini era grande retratista, tanto quanto John Singer Sargent. E Fantin Latour com sua “Família Dubourg”, pintada em 1878. Eu e meu amigo paramos em frente a esse quadro melancólico. “Parece uma família em luto”, disse ele. Concordei. As expressões nos rostos são pesadas. A pintura, perfeita. Ele era realista, como Gustave Courbet, que ele conheceu. E como Boldini e Sargent. E Carolus-Duran, um dos mestres de Sargent. Soube que Fantin Latour se casou com Victoria Dubourg, da família pintada por ele.

Homem com cinto de couro,
Gustave Courbet
Renoir, Toulouse-Lautrec, Degas, Monet e Manet estão ali ao redor de nós, com suas cores brilhantes, suas sombras coloridas, suas pinceladas que não buscam descrever nada, apenas mostrar o suficiente. As paisagens pintadas por eles, pelo interior da França ou à beira do rio Sena, parece que nos transportam para aqueles lugares de um tempo que já passou. Uma certa saudade nos toca de leve, como se conhecêssemos cada lugar daqueles, como se tivéssemos assistido pessoalmente o momento em que Monet pintou aquela paisagem com casas brancas de neve. Ou o momento em que Stanislas Lépine pintou aquela moça subindo uma rua de Montmartre com uma cesta de verduras nas mãos enquanto duas outras mulheres parecem negociar um litro de leite.

Paramos em frente ao “Homem com cinto de couro”, de Gustave Courbet. Observamos mais uma vez em detalhes todo o quadro, emoldurado lindamente. Era um dos autorretratos de Courbet, que fez tantos. Ele era realista, como Caravaggio. Ele certa vez alugou uma vaca e levou para dentro de seu ateliê em Paris. Queria pintar a vaca, com ela ali posando para ele. Do mesmo jeito que Caravaggio também alugou um carneiro dos bandos que atravessavam Roma à noite, levou para seu ateliê e pintou-o sendo alimentado por João Batista. Este quadro, para quem quiser ver de perto, está na exposição do Masp.

"Autorretrato com fundo rosa",
Paul Cézanne
Mas voltemos aos impressionistas. De vez em quando um retrato pintado por Renoir cruzava nosso caminho. Um menino sobre um fundo vermelho nos chamou a atenção. Seus olhos eram suaves, inteligentes. Como os olhos do “Autorretrato com fundo rosa” de Paul Cézanne. Esse olhar, profundo e indecifrável, sensibilizou o poeta Rainer Maria Rilke, que dele dissera:

“É um homem com o perfil direito voltado em 1/4 para nós, e que olha. Seus cabelos escuros, espessos, estão ocultos atrás das orelhas de modo que o contorno do seu crânio está à vista. E a grandeza, a incorruptibilidade desse olhar imparcial é confirmada de modo quase tocante pelo fato de que ele se representou a ele mesmo, sem nenhuma interpretação ou julgamento de sua expressão, com objetividade humilde, com a fidelidade e a curiosidade de um cão que se vê no espelho e diz: ‘Aqui tens um outro cão’.”

Sempre que vejo autorretratos pintados por esses artistas, fico pensando que eu posso estar olhando para um espelho: “Je est un autre”, como disse o outro poeta, Rimbaud, não é? Aquele velho desdentado que vimos passando lá em frente ao CCBB alheio àquela fila não é uma parte de mim mesma, dos muitos que habitam em mim? O olhar de Cézanne é o olhar do meu amigo de "alma inquieta" ao meu lado...

A Lavadeira, Paul Guigou
Dentro do CCBB as indicações nos levam às salas. Tudo está sob controle, as filas, as quantidades de pessoas que entram em cada sala, a temperatura, a umidade... Estava em 54%, disse um dos funcionários. Era uma exigência dos administradores do Museu d'Orsay: que se cuidasse muito bem dessas preciosidades aqui em nosso Brasil.

De cima para baixo, mais impressionistas; os conhecidos e aqueles dos quais nunca ouvi falar, como Paul Guigou e sua “Lavadeira”. Os impressionistas estavam voltados para a luz. Era a luz que importava. De jeito diferente do de Rembrandt, Vermeer, Caravaggio, Tiziano... As sombras impressionistas são coloridas. Nada de preto em quase nenhum lugar. A não ser nas roupas das moças dos cabarés de Paris, lindas em sua feminilidade livre, expostas aos olhos e aos braços dos freqüentadores do cabaré Chat Noir, ou do Moulin Rouge, ou do Moulin de La Galette... Ao alcance da palheta de Toulouse Lautrec.

“Conde Robert de Montesquiou”,
Giovanni Boldini
No piso do subsolo, os últimos quadros. Naturezas-mortas, uma de Courbet e outra de Fantin Latour, lindas demais de se ver! Nos perguntamos, eu e meu amigo: como pode ser que um homem preso tenha pintado aquelas flores tão claras, tão belas, num ambiente tão sombrio? Gustave Courbet pintou várias naturezas-mortas enquanto estava preso por seu envolvimento com a Comuna de Paris... Na sala derradeira, um Van Gogh que representa um bando de pessoas numa casa de dança em Arles, onde ele viveu. Paul Gauguin, Sisley, Pissarro... Quadros pontilhistas, quadros mais próximos aos próximos modernistas.

Acabou. Saímos de novo para as ruas, o sol já no zênite, fazia com que tudo parecesse uma imensa tela impressionista, impregnada de luz. Almoçamos no “Bancários”, restaurante à moda de antigamente quando o centro de São Paulo era lindo e leve. Mesas na calçada, bem forradas com toalhas brancas, lembrando os cafés de Paris... Brasileiramente, pedimos uma feijoada. A conversa era boa, a alma estava lavada. Os pulmões respiravam, os olhos “em festa”.

Eu estava feliz! Nós ficamos muito felizes ao passar por esses impressionistas! E desejamos que essa felicidade pudesse tomar conta da alma de todos os brasileiros que possam ver esta exposição...

A Arte faz isso com a gente: toca o coração...

Camponesas bretãs, Paul Gauguin

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Os Impressionistas

"Impressão do nascer do sol" de Claude Monet, 1872, pintura que inaugurou o Impressionismo
Enquanto aguardamos a inauguração da exposição “Paris: Impressionismo e Modernidade” aqui em São Paulo, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), marcada para iniciar a partir da primeira semana de agosto, faço algumas reflexões sobre o Impressionismo, movimento artístico que influenciou a arte do século XX. Fui buscar informações sobre eles especialmente no livro do professor Carlos Cavalcanti História das Artes, de 1983, assim como nos dois volumes Impressionismo, da Taschen, publicado em 2011.

No século XIX houve, na Europa, uma aceleração da revolução industrial iniciada no Reino Unido em meados do século XVIII. Eram profundas mudanças tecnológicas que traziam  impacto muito grande sobre as relações econômicas, políticas e sociais, influenciando todas as áreas e trazendo uma nova visão sobre o mundo. Vale destacar, no campo da pintura, que a indústria química inventou os tubos flexíveis de tintas a partir de meados do século XIX.

A nova mentalidade começava a ser marcada por uma visão científica do mundo, que concebia a matéria - e a história - com dinamismo. Foi o período em que surgiram as ideias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882), a filosofia materialista-histórica de Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895), os estudos microbiológicos de Louis Pasteur (1822-1895), além das descobertas “da eletricidade, do rádio e das ondas hertzianas”. Assim como avançavam as pesquisas científicas no campo da ótica, da luz e da cor. Os artistas também propunham mudanças na maneira de pensar a pintura.

Na França, ainda predominava a arte acadêmica, ou Neoclássica, apegada ao passado e a seus símbolos. O modelo era o greco-romano e os artistas eram levados a pintar os grandes feitos dos poderosos, na pintura de história. Mas no começo do século XIX, novas ideias começam a despontar entre artistas e intelectuais europeus, inicialmente voltados para uma visão romântica da natureza. A vigência do pensamento neoclássico, por sua frieza e rigidez, incomodava certos artistas, e eles partiram para criar obras onde os valores emocionais e individuais fossem enfatizados, em detrimento da mentalidade que buscava imitar os valores estéticos voltados para o passado. O movimento que ficou conhecido como Romantismo marcou presença nas artes europeias, especialmente entre 1820 e 1850.

Na vida política da Corte, alterações também estavam ocorrendo, especialmente após a Revolução Francesa de 1789. Os adeptos do Antigo Regime defendiam os privilégios da nobreza e do clero. Do outro lado, estavam aqueles que defendiam novas formas de vida econômica, social e política e propunham uma mudança de rumos na França. Por isso, desde o fim do século XVIII e durante todo o século XIX os franceses passaram por várias revoluções e modificações na vida do país.

Gustave Courbet: O desesperado
(autorretrato), 1843-45
Na pintura surge o Realismo, como consequência de todo esse novo quadro. Gustave Courbet inaugura uma exposição, em 1855, paralela à promovida por Napoleão e em protesto por ter sido recusado na mostra oficial. À sua exposição, Courbet denomina: “Du Réalisme”, com isso inaugurando nova etapa na pintura francesa. Esse movimento defendia um “maior espírito científico do homem europeu no conhecimento e interpretação da natureza”, observa Cavalcanti. O realismo reagia ao idealismo neoclássico, ao mesmo tempo que também era contrário à “exacerbação emocional do romantismo”.

Mas o realismo não era um movimento novo. Ao longo da história, desde seus primórdios, o homem tem se alternado em várias fases realistas. Carlos Cavalcanti diz que a primeira delas vem desde os tempos remotos da pintura nas cavernas da era chamada Madaleniana, ou idade da pedra lascada. Depois, houve uma fase realista grega e romana. Mas com o advento do misticismo medieval, o realismo perdeu espaço para as abstrações da fé cristã. Depois, com o Renascimento, novos artistas realistas apareceram, muitos deles influenciados pelas novidades pictóricas de Ticiano e Rubens. Mais especialmente realista foi a arte Barroca, cujo maior nome é o de Caravaggio, na Itália; de Rembrandt, na Holanda; de Velázquez, na Espanha.

Amor sagrado e amor profano, de Ticiano, 1514:
Ticiano foi um dos mestres preocupados em estudar os efeitos da luz
O IMPRESSIONISMO

Pois bem. Segundo diversos historiadores, incluindo Carlos Cavalcanti, o movimento conhecido como Impressionista derivou diretamente do Realismo, cujos representantes maiores eram Gustave Courbet e Édouard Manet, que se impuseram contra a arte oficial da Academia francesa e abriram espaços para os novos pintores que os novos tempos estavam trazendo.

O Impressionismo teve seu início em 1874, em Paris. Um grupo de pintores jovens resolveu se organizar contra as regras da academia que os impedia de participar das exposições do Salão de Paris. Naquela época, o Salão de Paris era praticamente o único espaço onde os pintores poderiam expor suas obras e encontrar reconhecimento público na França. Mas era controlado rigorosamente pelos membros da Escola de Belas-Artes, que defendiam o estilo neoclássico com unhas e dentes. Por isso, esses novos pintores eram sistematicamente recusados pelos organizadores e viviam em grande isolamento do público. E vários deles em grande penúria, como Alfred Sisley, que morreu na miséria.

Pintura de Édouard Manet:
Claude Monet pintando em seu ateliê, 1874
 
Um dia, o pintor Manet teve a ideia de organizar uma associação profissional com os artistas que não encontravam espaço para expor. Pouco tempo depois, com diversos adeptos, nascia a Sociedade Anônima Cooperativa de Artistas Pintores, Escultores e Gravadores, cujo objetivo maior, segundo seus estatutos, era justamente promover exposições públicas de obras de seus associados. A primeira grande exposição coletiva foi inaugurada, então, no dia 15 de abril de 1874 nas salas do ateliê do fotógrafo Felix Tournachon Nadar (1820-1910).

Entre os primeiros expositores estavam: Auguste Renoir, Edgard Degas, Camille Pissarro, Paul Cézanne, Alfred Sisley, Claude Monet e uma mulher, Berthe Morissot. Foram expostos 150 trabalhos.

Cavalcanti conta que Edmond Renoir, irmão do pintor, foi o encarregado de preparar o catálogo da exposição. E teria dito a Claude Monet que os títulos de suas obras eram monótonos, algo do tipo “Entrada da aldeia, saída da aldeia, manhã na aldeia...” Ao que Monet teria sugerido secamente que ele incluisse a expressão “Impressão”, que foi aceita e incluída no catálogo como, por exemplo, “Impressão do nascer do sol”.

A exposição não foi aceita pela crítica e pelo público, acostumados às pinturas da Academia. Os ataques dos críticos foram agressivos, chamando-os “falsos artistas”, “ignorantes” das regras da boa pintura e da verdadeira beleza.

Entre os críticos mais ferrenhos estava Louis Leroy, que era também gravador e paisagista. Ele escrevia para o jornal Le Chavirari, que tinha um viés humorístico e político e era bastante lido pela população parisiense. Ele escreveu, segundo consta no livro História das Artes:

“Selvagens obstinados, não querem, por preguiça ou incapacidade, terminar seus quadros. Contentam-se com uns borrões, que representam as suas impressões. Que farsantes! Impressionistas!”

Claude Monet: Jardim em Giverny, 1900
Logo, a expressão Impressionistas se popularizou nos círculos mais conservadores que usavam o termo para designar qualquer artista que eles considerassem medíocre. A primeira exposição dos “Impressionistas” durou um mês e foi um fracasso. Em 1875, a Associação resolveu abrir um leilão dos quadros no Hotel Drouot. Mas uma vez a reação contra eles foi dura e “os pregões do leiloeiro eram vaiados pelo público”, conta Cavalcanti.

Mas em 1876 veio a segunda exposição e desta vez resolveram usar o termo com que eram criticados, e deram como título da mostra: “Exposição dos Pintores Impressionistas”.

De 1874 a 1886, os impressionistas fizeram oito exposições em Paris, com mais adesões de outros pintores, entre os quais Paul Gauguin, que se juntou a eles. Aos poucos eles foram sendo respeitados, pela suas pesquisas em torno da luz e das cores. Na última coletiva de 1886, mais dois pintores se aproximaram do grupo: Georges Seurat (1859-1891) e Paul Signac (1863-1935). Estes dois resolveram aplicar em suas telas as descobertas científicas no campo da física e da química das cores, e com isso desenvolveram a técnica de pincelar que já tinha sido iniciada por Monet e Pissarro, que passou a ser chamada de pontilhismo. Van Gogh é um dos exemplos de pintores que usaram o pontilhismo em seus quadros impressionistas.

Após 1886, finalmente os impressionistas começaram a ser reconhecidos pelo público e pela crítica. Novas gerações de artistas aplicavam as mudanças iniciadas pelos seus antecedentes e desenvolviam novas formas de expressão artística. Degas, Monet e Renoir já eram admirados e respeitados.

Mas o que fizeram a mais os Impressionistas, em relação aos outros? Eles simplesmente introduziram na pintura “a observação direta da luz do sol”, conforme explica o professor Cavalcanti, e fixaram as mudanças sutis que a luz do sol produz nas cores do mundo em horários diferentes do dia. Eles retiraram seus cavaletes dos espaços fechados dos ateliês e foram pintar ao ar livre, e por isso foram sobretudo paisagistas. Enquanto os defensores da academia esbravejavam contra eles, diz Cavalcanti, “Claude Monet se imortalizava embriagando-se de luz”. E acrescenta que Monet dizia que não sabia fazer nada, “nem pensar”, quando o sol desaparecia.

Degas: Escola de Dança, 1879
Ao contrário dos pintores acadêmicos que queriam despertar sentimentos e ideias edificantes quando pintavam telas com temas ou históricos, ou mitológicos, ou bíblicos ou alegóricos, os Impressionistas queriam somente mostrar os efeitos coloridos da luz solar sobre o mundo, observados diretamente. E Cavalcanti acrescenta:

“Como bons realistas, além de pintarem apenas o que viam , só pintavam o que estivesse recebendo direta ou indiretamente a luz do sol”.

Mas o autor observa que essa preocupação não era exclusiva dos impressionistas. Antes deles, Leonardo da Vinci (1452-1519) em seu “Tratado da Pintura” faz diversas observações sobre a luz do sol e seus efeitos na natureza. Assim como os pintores venezianos do Renascimento, em especial Ticiano (1477-1576) e Veronese (1528-1588), cujas telas eram repletas de cores que se derramavam em massas luminosas. Assim também foram os mestres holandeses Rembrandt e Vermeer. Assim foi o mestre espanhol Diego Velázquez, que inspirou Édouard Manet, Claude Monet e Auguste Renoir. Também Rubens, o mestre alemão, tinha se voltado para a luz. E os pintores do estilo rococó, franceses e italianos; assim como os paisagistas românticos ingleses, como William Turner.

Mas os Impressionistas foram originais em suas concepções sobre o desenho, a cor e a luz, que eles sistematizaram em princípios básicos da nova forma de pintar. São eles, segundo numerou Carlos Cavalcanti:

Pintura de John Singer Sargent:
Claude Monet pintando, 1885
1 - A cor não é uma qualidade absoluta; a ação da luz modifica as cores constantemente;
2 - Não existe Linha na natureza. A linha é uma abstração mental criada para representar o que vemos;
3 - A sombra não é preta, nem escura; é colorida e pode ser luminosa;
4 - Aplicação de contrastes de cores em complementaridade;
5 - As cores não devem mais ser misturadas na palheta, mas colocadas de uma forma que a visão ótica dê a configuração delas.

Mas nem tudo era paz entre os Impressionistas. Degas, por exemplo, continuou a afirmar o domínio do desenho sobre a cor, e se recusava a pintar ao ar livre. Sua sobrinha, Jeanne Smith, salienta que Degas tinha uma memória visual prodigiosa e ele poderia pintar no ateliê as paisagens que vira alguns dias antes. Renoir, por seu lado, deixou o movimento na década de 1880, voltando depois para ele e com isso nunca conquistou plenamente a confiança dos outros membros. Édouard Manet, um dos fundadores do grupo, se recusou a exibir o seu trabalho com outros impressionistas e preferia continuar tentando o Salão de Paris. Durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870, o grupo é marcado pela saída de Cézanne, Renoir, Sisley e Monet, que abandonam o grupo e vão participar do Salão. Muitas disputas depois, o grupo dos impressionistas se separou em 1886, quando Signac e Seurat montaram uma exposição concorrente. Camille Pissarro foi o único artista que participou de todas as oito exposições do grupo.

Os Impressionistas mais conhecidos são: Fréderic Bazille (1841–1870); Eugène Boudin (1824-1898); Gustave Caillebotte (1848–1894); Mary Cassatt (1844–1926), Paul Cézanne (1839–1906); Edgard Degas (1834–1917); Armand Guillaumin (1841-1927); Claude Monet (1840–1926); Berthe Morisot  (1841–1895); Camille Pissaro (1830–1903); Pierre-Auguste Renoir (1841–1919); Georges Seurat (1859-1891); Alfred Sisley (1839–1899); Vincent van Gogh (1853-1890), entre outros.

Destes pintores, estarão em São Paulo e Rio, no CCBB, obras de Édouard Manet, Paul Gauguin, Vincent Van Gogh, Édouard Vuillard, Auguste Renoir, Edgard Degas, Henri de Toulouse-Lautrec, Giovanni Boldini, James Tissot, Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre Bonnard, Paul Sérusier, Georges Seurat e Édouard Vuillard.

Além de Gustave Courbet, o pintor que inaugurou o Realismo.

Édouard Manet: O Banho ou Desjejum na relva, 1863