segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Cem mil acessos!


Este BLOG QUE FALA DE ARTE  acaba de cravar 100 MIL acessos em menos de três anos de existência!

Isso é resultado de muito trabalho de pesquisa, de reflexão, de visão crítica e da vontade de levar a Arte para perto de mais e mais pessoas! A Arte é necessária. A Arte é fundamental. Sem ela o ser humano se embrutece, perde o rumo, se depaupera, se destroi. Neste mundo tão dividido, tão individualista, tão contrário à natureza humana, a Arte nos inspira, nos dá uma percepção diferente do mundo, nos une, nos torna comunidade, nos torna humanos. Nos ajuda a OLHAR para o mundo.

Seguimos em frente com este trabalho, desejando que este BLOG QUE FALA DE ARTE seja cada vez mais lido por cada vez mais pessoas, levando informação sobre eventos de arte,sobre teorias da arte e sobre os artistas. Nossa satisfação em ter alcançado CEM MIL ACESSOS é muito grande!

De todos os lugares do mundo este Blog é acessado. De todos os estados brasileiros pessoas passam por aqui interessadas em saber um pouco mais sobre a arte e o que anda acontecendo no mundo da arte. Este blog já gerou um livro: "As Artes Plásticas na Formação do Professor", lançado no mês de julho passado, com a presença de cerca de cem pessoas. Outros projetos virão, outros frutos irão amadurecer e criar vida, flores novas brotarão...

Sigamos em frente!

domingo, 9 de setembro de 2012

Bienal do Ibirapuera num dia de sol quente


São sete telas "pintadas". Com água do mar...
Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Fotografias.

Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Fotografias.


Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Fotografias.

Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Fotografias.

Papeis canson mil-teintes enrolados na parede. Serpentinas. Portas velhas. Fotografias.

Tijolos enrolados em papel celofane. Roupas velhas. Vasos velhos. Fotografias.

Sete telas em branco “pintadas” com água do mar. Arcos com velas. Trouchas de pano. Fotografias.

Dois lados de uma cadeira. Rádio velho. Vídeos em salas escuras. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias. 

Trecos velhos. Usados. Roupas antigas, usadas. Vasos antigos. Desenhos de criança. Fotografias.

Duas salas com pinturas abstratas. Alguns desenhos experimentais. Fotografias.

Por que não chamar de Bienal Audiovisual?

E o imenso acervo cultural e histórico da humanidade?

Nada. Lixo. Alegria dos catadores, da reciclagem.

Uma sala inteira para um Artur Bispo, o Bispo da Arte Contemporânea... Ai de quem se atreve a falar mal de seus cacarecos, seus agrupamentos de botões de camisa, seus copos de alumínio pregados num saco de estopa! E ele nem tem culpa disso! Era um inocente, cuja percepção de mundo estava alterada. Vamos dizer em linguagem bem clara: sua visão de mundo estava embotada por uma esquizofrenia paranoica... Mas ai que medo de ser crucificada! Como assim, falar mal do Bispo???, diriam as mocinhas e moçoilos da FAAP-ECA....

Em 2010 fui a Berlim. Visitei a Bienal de Berlim. Dividida em cinco prédios diferentes em lugares diversos da cidade. O que vi aqui é o que vi lá: repetições de chavões duchampianos que devem fazer Duchamp se revolver em sua bem concreta tumba! Aliás, para ser coerente, Marcel Duchamp podia ter escolhido virar cinza, mas seu corpo deteriorou como qualquer corpo no cemitério de Rouen, na França. Bem concreta e realisticamente.


Mas voltando a Berlim: a Bienal de lá estava às moscas! Eu salvei a Bienal de Berlim 2010! Eu estava lá! Eu, uma brasileira, dei público e razão de ser à Bienal 2010 de Berlim! Não havia quase MAIS NINGUÉM! 


Em compensação, FILAS na região dos museus de Berlim: na Gëmaldgalerie, no Pergamon Museum, no Staatliche Museen, e até no DDR Museen, da ex- Alemã Oriental. Na Bienal de Berlim? Estava eu em quase todos os prédios onde o evento acontecia. E um ou outro gato pingado...

 

Hoje – 9 de setembro – havia uma fila enorme em frente ao MASP para ver “Caravaggio eseus seguidores”. Havia uma outra fila de quatro horas (!) de espera em frente ao CCBB para ver a exposição “Impressionistas do Museu d’Orsay”....

 

Amigos... não tinha fila alguma para entrar na Bienal, de graça!

 

Numa sala onde estavam penduradas sete telas em branco me deparei com uma senhora revoltada perguntando para outra: - você entendeu? A outra, coitada, gaguejava um pouco pra provar que entendeu o que não é para ser entendido. Me meti na conversa: vão ao Masp ver Caravaggio! A senhora que estava brava balançou a cabeça concordando imediatamente comigo.


Continuei meu périplo dentro do lindo prédio de Oscar Niemeyer.

 

Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Portas velhas. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias...

Como diria o poeta "Devo seguir até o enjôo?"


Sem mais palavras, cada um que tire a sua conclusão... É só ver as imagens.


E ler o texto da apresentação. Assim, ó:

- Tema: A IMINÊNCIA DAS POÉTICAS
- ah, tá, intendi...
- Não, você não entendeu, deixa eu explicar. (leitura do texto do folheto):
   (preciso ler para poder te explicar, peraí). Mas presta muita atenção porque isso aí que é arte contemporânea: Assim (tipo aluno de certas faculdades lendo):
   "a Iminência é entendida como aquilo que está a ponto de acontecer..."
- ah sei sei (sinal de que não tá sabendo...)
- calma, deixa eu continuar: "... como o que está suspenso..."
- suspenso, intendi... Suspenso que nem corda, que nem fio de rede elétrica...
- Por aí, mas deixa eu terminar! Você não deixa!
- ...
- "... em vias de efetivação; a poética é entendida como discurso, aquilo que se expressa, que se cala..."
- oh!
- profundo, né?
- profundo! O quê mesmo?
- (volta a ler o texto) "... que se transforma e que ganha potência comunicativa por meio da linguagem das artes." (pronto, terminei)
- E o que isso quer dizer?
- Ah, meu, sei lá! Qualque coisa, intende?
- Intendo, intendo. Mas num intendi....
- É por aí mermo! Melhor assim: num intendê nada faiz parte...
- Beleza então....




Serviço:
30a. Bienal de São Paulo
De 7 de setembro a 9 de dezembro de 2012
Terças, quintas e sábados, domingos e feriados - das 9h às 19h
Quartas e sextas, das 9h às 22h
Fechado às segundas
Entrada: Grátis
Parque do Ibirapuera, portão 3

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um poema de Maiakovski

Desenho baseado em fotografia de Alexandr Rodtchenko
Capa do livro

Há quase um ano, um amigo, Adalberto Monteiro, me fez um convite: apresentar um projeto gráfico e fazer ilustrações para o poema "Vladimir Ilitch Lenin", do poeta russo Vladimir Maiakovski. O projeto era grande: pela primeira vez, o poema estava sendo traduzido diretamente da língua russa para a nossa língua portuguesa, por Zoia Prestes, pedagoga e tradutora brasileira com formação acadêmica em Moscou.

Aguardei a tradução ficar pronta para começar a trabalhar, mas depois de alguns dias de pesquisa, já havia resolvido a direção que tomaria: iria me inspirar na estética da Vanguarda Russa. Inclusive para homenagear o próprio Maiakovski que era parte ativa dos grandes artistas e intelectuais que formaram um movimento de modernização da vida russa: adeptos da Revolução Socialista de 1917, eles conjuminaram suas pesquisas e experiências artísticas com as ideias de um novo mundo que eram defendidas pelo líder do movimento operário, Vladimir Ilitch Lenin.

O poeta Maiakovski, carvão sobre papel cartão
Li o poema algumas vezes antes de começar a trabalhar. Acontece uma coisa com este poema, assim como com outros de Maiakovski. Entre eles o famoso poema ao Sol, onde ele criou a frase "Gente é pra brilhar", repetida por Caetano Velloso, nos bons tempos em que Caetano tinha esperança no futuro (pois o mundo que ele enxerga hoje é um mundo triste)...

Mas neste e em outros poemas do Maiakovski -  eu dizia - algo acontece: o poema vai crescendo dentro da gente, vai ocupando espaços, vai se avolumando, como se nos inflasse junto com ele. O resultado disso é que ao final da leitura já não somos mais do tamanho que éramos quando começamos a leitura. A gente alcança um tamanho maior. A gente se agiganta, porque a poesia de Maiakovski vai construindo edifícios dentro de nós...

O poema devia ser sobre a morte, sobre a morte de Vladimir Ilitch Lenin. Mas, longe disso, o poema trata de vida! É um poema sobre a Vida. Vida que ele inspira e que nos faz de novo erguer-nos sobre nossos pés - e nossas crenças - e dizer para nós mesmos, no mínimo: há algo muito grande aí atrás desses versos aparentemente desconexos. Talvez esse "algo" se chame Futuro e traga uma luz especial dentro dele...

No processo de construção das ilustrações, pensei em homenagear alguns artistas russos. Alguns do final do século XIX, como Ilya Repin, pintor realista que me inspirou o desenho à direita. Outros do começo do século XX, como Natalia Gontcharova. Sobre uma de suas pinturas, fiz o desenho abaixo. Mas também fui buscar inspiração em outros como Malievitch, Vladimir Tatlin, Rodtchenko. Aqui, uma pequena parte do meu trabalho que está ilustrando o livro "Vladimir Ilitch Lenin".
Lançamento do livro
VLADIMIR ILITCH LENIN
Dia 5 de setembro de 2012, às 19h30
No Espaço revista CULT
Rua Inácio Pereira da Rocha, 400 Pinheiros - São Paulo

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Esplendores do Vaticano na Oca do Ibirapuera

Detalhe do teto da Capela Sistina, no Vaticano, pintada por Michelangelo:
A criação de Adão. Afresco. Cerca de 1511.

O Vaticano, sede da igreja católica, possui um dos maiores acervos de obras de arte. Não somente da arte europeia representativa de séculos diversos, mas também de diversas culturas, como a do Egito antigo e da Assíria.

Uma pequena parte desse acervo poderá ser vista em São Paulo, na Oca do parque do Ibirapuera, a partir de 21 de setembro próximo. A exposição intitulada “Esplendores do Vaticano: uma Jornada Através da Fé e da Arte”, chega ao Brasil com apoio do Ministério da Cultura, de um banco e da Arquidiocese de São Paulo.

São 200 itens, entre obras-primas de Michelangelo, Guercino, Bernini, Giotto e outros, além de vestimentas, relicários, mapas, documentos e ambientes cenograficamente recriados, como o teto da Capela Sistina. Peças que, na sua maioria, nunca saíram do Vaticano.

Os trabalhos artísticos serão expostos em ordem cronológica e as coleções serão organizadas em 11 galerias, representando as diversas épocas da igreja e sua relação com a arte.

Essa exposição chega pela primeira vez à América Latina depois de ter sido vista por um milhão e meio de visitantes nos Estados Unidos. A curadoria é do monsenhor Roberto Zagnoli, que trabalhou no Vaticano durante 15 anos como Diretor do Departamento de Etnologia dos Museus do Vaticano.

Haverá uma projeção da famosa Capela Sistina no teto da Oca, e uma visita virtual à obra, com detalhes dos afrescos monumentais pintados por Michelangelo, além de vídeos que mostram detalhes da arquitetura e dos locais mais visitados do Vaticano.

O detalhe negativo deste outro importante evento cultural que está ocorrendo em São Paulo, é o preço do ingresso: R$ 44,00, mesmo com o apoio de um banco, de uma empresa telefônica e do Ministério da Cultura. O que mais uma vez nos faz questionar os motivos porque os espaços culturais de São Paulo não possuem projetos de incentivo para que a população menos favorecida possa ter a oportunidade de visitar essas exposições, com preços a seu alcance, ou mesmo com dias gratuitos de visita. Deveriam seguir o bom exemplo do CCBB que trouxe a São Paulo uma exposição com 85 quadros dos Impressionistas expostos no Museu d'Orsay de Paris, totalmente gratuito!

Serviço:
“Esplendores do Vaticano: uma jornada através da fé e da arte”
De 21 de setembro até 23 de dezembro de 2012.
Segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 20h (acesso até 19h);
Sábados, domingos e feriados, das 09h às 19h (acesso até 18h).
Local: 
OCA – Pq. do Ibirapuera – SP - Av. Pedro Alvares Cabral, S/Nº, Portão 03.
PREÇO DOS INGRESSOS
INTEIRA: R$ 44,00
MEIA ENTRADA: R$ 22,00

Molde da famosa "Pietá" de Michelangelo Buonarrotti, de 1499 - a exposição da Oca
mostrará esta réplica

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Um olhar sobre os Impressionistas

Claude Monet: "Le bassin aux nymphéas, harmonie verte",1899
Era o dia de ver os Impressionistas.

O tempo está seco e quente demais para o inverno. O mês de agosto ainda não trouxe nenhuma frente de ar polar, como deveria acontecer. Nem mesmo frente fria tem aparecido por aqui. Mas o dia amanheceu claro, um sol que começa a deslocar seus raios de luz em direção à parede à direita da minha sala, como acontece todo ano quando estamos a um mês do fim do inverno. A primavera chega em setembro, mas já se podem ouvir sabiás cantando antecipadamente.

Autorretrato, Leon Bonat, 1855
A cidade amanheceu congestionada. Como sempre. A moça do rádio informa, monótona, que há mais carros na rua do que normalmente, “para o dia e para o horário”. Pontos de ônibus recebem pessoas às dezenas, desde às quatro horas da madrugada. Pessoas que vão trabalhar, que vão ao médico, que vão de um lado a outro, horas e horas de tempo gastos dentro dos ônibus, dos metrôs apinhados ou dos trens abarrotados. Mas mais abarrotadas estão as ruas: de carros com uma pessoa dentro.

Uma ou outra bicicleta se arrisca entre ônibus e automóveis guiados por motoristas tensos. Há uma bicicleta branca aqui perto, uma moça morreu. Um ônibus passou por cima. Dela e da bicicleta. Que está lá em sua branqueza, parecendo um fantasma, mostrando o quanto esta cidade é dura com os mais fracos.

Motoqueiros loucos, que nem cachorros, doidos para entregar suas encomendas, passam ziguezagueando entre os carros. Xingando e sendo xingados. O meu ônibus sobe a rua Teodoro Sampaio, devagar, cansado. O cobrador chama todas as mulheres de “minha linda”, “gata”, “amor”. E os homens de “amigão”, “queridão”... Ele procura sua cota de felicidade nesse mundão cão. As pessoas gostam: as mulheres sorriem, os homens se sentem parceiros. Nem tudo é selva em meio a tantas torres! Ou como dizia meu poeta Drummond “uma flor nasceu na rua!”

Retrato de Fernand Ralphen,
Auguste Renoir
Ônibus, depois metrô. Pessoas ainda indo pro trabalho. Toda hora há turnos de trabalho sendo iniciados nesta metrópole. O meu começa às 13h. Mas ainda é cedo e eu vou para o centro. No meio dessa confusão de pernas e braços que correm em todas as direções, me lembro de novo de Drummond: “Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta.”

Chego no Centro Cultural Banco do Brasil. Há alguns oásis em meio a tanto deserto e de vez em quando uma brisa fresca sopra e nos permite respirar. Mesmo com a garganta seca.

Uma hora na fila. Leio “Zona Leste”, de Jeosafá Gonçalves. Converso um pouco com meu amigo. Ouço a conversa da senhora ao lado, tagarela, voz que arde nos nossos ouvidos. Meu amigo pára de ler seu “The Prince” de Maquiavel, pois a lenga-lenga da senhora tira a concentração. Conversamos mais um pouco. O mundo passa na calçada: pessoas no fluxo e no contrafluxo, indo trabalhar. Ou mesmo vagabundos que não tem pra onde ir. Todos passam ali. Olhamos calados. Nós somos todos eles.

Público na fila hoje, no CCBB
Dez horas, a porta grande se abre. Abre um mundo, um outro mundo. Os Impressionistas de Paris, do Museu d’Orsay que visitei algumas vezes, estão aqui à nossa frente, com suas cores claras, suas luzes quase nos incandescendo. O prazer estético vai aumentando. Paramos diante de Boldini e seu “Conde Robert de Montesquiou”, muito bem trabalhado, elegante. A pintura e a figura. Giovanni Boldini era grande retratista, tanto quanto John Singer Sargent. E Fantin Latour com sua “Família Dubourg”, pintada em 1878. Eu e meu amigo paramos em frente a esse quadro melancólico. “Parece uma família em luto”, disse ele. Concordei. As expressões nos rostos são pesadas. A pintura, perfeita. Ele era realista, como Gustave Courbet, que ele conheceu. E como Boldini e Sargent. E Carolus-Duran, um dos mestres de Sargent. Soube que Fantin Latour se casou com Victoria Dubourg, da família pintada por ele.

Homem com cinto de couro,
Gustave Courbet
Renoir, Toulouse-Lautrec, Degas, Monet e Manet estão ali ao redor de nós, com suas cores brilhantes, suas sombras coloridas, suas pinceladas que não buscam descrever nada, apenas mostrar o suficiente. As paisagens pintadas por eles, pelo interior da França ou à beira do rio Sena, parece que nos transportam para aqueles lugares de um tempo que já passou. Uma certa saudade nos toca de leve, como se conhecêssemos cada lugar daqueles, como se tivéssemos assistido pessoalmente o momento em que Monet pintou aquela paisagem com casas brancas de neve. Ou o momento em que Stanislas Lépine pintou aquela moça subindo uma rua de Montmartre com uma cesta de verduras nas mãos enquanto duas outras mulheres parecem negociar um litro de leite.

Paramos em frente ao “Homem com cinto de couro”, de Gustave Courbet. Observamos mais uma vez em detalhes todo o quadro, emoldurado lindamente. Era um dos autorretratos de Courbet, que fez tantos. Ele era realista, como Caravaggio. Ele certa vez alugou uma vaca e levou para dentro de seu ateliê em Paris. Queria pintar a vaca, com ela ali posando para ele. Do mesmo jeito que Caravaggio também alugou um carneiro dos bandos que atravessavam Roma à noite, levou para seu ateliê e pintou-o sendo alimentado por João Batista. Este quadro, para quem quiser ver de perto, está na exposição do Masp.

"Autorretrato com fundo rosa",
Paul Cézanne
Mas voltemos aos impressionistas. De vez em quando um retrato pintado por Renoir cruzava nosso caminho. Um menino sobre um fundo vermelho nos chamou a atenção. Seus olhos eram suaves, inteligentes. Como os olhos do “Autorretrato com fundo rosa” de Paul Cézanne. Esse olhar, profundo e indecifrável, sensibilizou o poeta Rainer Maria Rilke, que dele dissera:

“É um homem com o perfil direito voltado em 1/4 para nós, e que olha. Seus cabelos escuros, espessos, estão ocultos atrás das orelhas de modo que o contorno do seu crânio está à vista. E a grandeza, a incorruptibilidade desse olhar imparcial é confirmada de modo quase tocante pelo fato de que ele se representou a ele mesmo, sem nenhuma interpretação ou julgamento de sua expressão, com objetividade humilde, com a fidelidade e a curiosidade de um cão que se vê no espelho e diz: ‘Aqui tens um outro cão’.”

Sempre que vejo autorretratos pintados por esses artistas, fico pensando que eu posso estar olhando para um espelho: “Je est un autre”, como disse o outro poeta, Rimbaud, não é? Aquele velho desdentado que vimos passando lá em frente ao CCBB alheio àquela fila não é uma parte de mim mesma, dos muitos que habitam em mim? O olhar de Cézanne é o olhar do meu amigo de "alma inquieta" ao meu lado...

A Lavadeira, Paul Guigou
Dentro do CCBB as indicações nos levam às salas. Tudo está sob controle, as filas, as quantidades de pessoas que entram em cada sala, a temperatura, a umidade... Estava em 54%, disse um dos funcionários. Era uma exigência dos administradores do Museu d'Orsay: que se cuidasse muito bem dessas preciosidades aqui em nosso Brasil.

De cima para baixo, mais impressionistas; os conhecidos e aqueles dos quais nunca ouvi falar, como Paul Guigou e sua “Lavadeira”. Os impressionistas estavam voltados para a luz. Era a luz que importava. De jeito diferente do de Rembrandt, Vermeer, Caravaggio, Tiziano... As sombras impressionistas são coloridas. Nada de preto em quase nenhum lugar. A não ser nas roupas das moças dos cabarés de Paris, lindas em sua feminilidade livre, expostas aos olhos e aos braços dos freqüentadores do cabaré Chat Noir, ou do Moulin Rouge, ou do Moulin de La Galette... Ao alcance da palheta de Toulouse Lautrec.

“Conde Robert de Montesquiou”,
Giovanni Boldini
No piso do subsolo, os últimos quadros. Naturezas-mortas, uma de Courbet e outra de Fantin Latour, lindas demais de se ver! Nos perguntamos, eu e meu amigo: como pode ser que um homem preso tenha pintado aquelas flores tão claras, tão belas, num ambiente tão sombrio? Gustave Courbet pintou várias naturezas-mortas enquanto estava preso por seu envolvimento com a Comuna de Paris... Na sala derradeira, um Van Gogh que representa um bando de pessoas numa casa de dança em Arles, onde ele viveu. Paul Gauguin, Sisley, Pissarro... Quadros pontilhistas, quadros mais próximos aos próximos modernistas.

Acabou. Saímos de novo para as ruas, o sol já no zênite, fazia com que tudo parecesse uma imensa tela impressionista, impregnada de luz. Almoçamos no “Bancários”, restaurante à moda de antigamente quando o centro de São Paulo era lindo e leve. Mesas na calçada, bem forradas com toalhas brancas, lembrando os cafés de Paris... Brasileiramente, pedimos uma feijoada. A conversa era boa, a alma estava lavada. Os pulmões respiravam, os olhos “em festa”.

Eu estava feliz! Nós ficamos muito felizes ao passar por esses impressionistas! E desejamos que essa felicidade pudesse tomar conta da alma de todos os brasileiros que possam ver esta exposição...

A Arte faz isso com a gente: toca o coração...

Camponesas bretãs, Paul Gauguin