terça-feira, 11 de setembro de 2012

Neoliberalismo, anti-cultura e arte contemporânea: Uma lógica de predação


Cena na Bolsa de Valores de Nova York: o deus-Mercado em ação
O artista francês François Derivery (nascido em 1937), que atualmente faz parte do conselho editorial da revista “Ecritique” de Paris, publicou no site do grupo DDR, do qual faz parte junto com dois outros artistas (Michel Dupré e Raymond Perrot), um artigo sobre a relação entre o Neoliberalismo e a chamada Arte Contemporânea. Por considerar um assunto muito atual e esclarecedor a respeito do estado das artes plásticas no mundo de hoje, resolvi traduzir trechos e publicá-los aqui, como um resumo deste artigo cujo título é o mesmo deste post.

Livro de Francis Stoner Saunders
que conta as ações da CIA para
criar uma "arte moderna" que fosse
controlada
Derivery afirma que depois de 1945, o desenvolvimento do neoliberalismo, nascido da internacionalização do capitalismo norte-americano impulsionado pela guerra, submete, voluntária ou involuntariamente, um número crescente das atividades humanas às leis do mercado, afetando profundamente as relações sociais e os valores que as regem. Sabemos que o auge do neoliberalismo se deu ao final da década de 1970 com a ascensão de Ronald Reagan à presidência dos EUA e com o governo da primeira ministra Margareth Thatcher, na Inglaterra. Mas Derivery aponta a situação mundial pós-segunda guerra como as raízes do neoliberalismo.

Na medida em que os laços sociais vão sendo definidos pelo mercado - mercado financeiro - os valores que ele perpetua estão bem distantes dos valores históricos, que passam a ser considerados obsoletos, além de tornarem-se mesmo um obstáculo para o “livre” desenvolvimento em direção a uma sociedade de mercado.

A partir daí, diz Derivery, uma nova "modernidade" começa a esvaziar o conteúdo cultural baseado no sentido do Coletivo, intervindo em todas as áreas da atividade humana, da democracia política ao direito, da cultura à educação. E, obviamente, da Arte. O desafio, naquele momento era reformatar tudo nos termos do mercado, tornar todos os meios em instrumentos do neoliberalismo e transformar o cidadão em produtor-consumidor, passivo e submisso.

A “cultura de massa” não é mais somente àquilo que a esquerda chama de “mercantilização” da cultura, mas ela é considerada como uma atividade econômica e industrial como qualquer outra. Isso designa uma produção original fundada sobre um projeto ideológico novo. A cultura de massa é constituída, em suas formas e em seus conteúdos, na ruptura e não mais na continuidade no sentido de patrimônio cultural herdado ao longo da história.

Essa nova “cultura da sociedade de mercado”, como diz o autor – ou essa “cultura de massas” – carrega um duplo papel: enquanto abranda e “adoça” as massas com entretenimento, usa isso como álibi para a dominação econômica e política. O “sucesso” dessa empreitada é colocado na conta do neoliberalismo. Mas, paradoxalmente, os estragos da globalização capitalista deixam marcas pelo mundo, e esse sistema precisa criar necessidades de compensação simbólica que são constantemente renovadas. A indústria cultural ganha em todo o processo, na medida em que aumenta a pressão do sistema sobre os indivíduos.

Na sequência, continua o artigo de François Derivery, surge a noção de pós-modernidade, que reflete essa ruptura econômica, cultural e ideológica que constituiu o advento do neoliberalismo e de um novo modelo de sociedade. O neoliberalismo se impôs mais rapidamente na esfera econômica do que na esfera cultural. Demorou algumas décadas para que fosse traduzido, em termos culturais, a opção neoliberal, e mesmo assim atingindo desigualmente os diversos setores da sociedade.

A arte dita “contemporânea” – continua Derivery - se situa na vanguarda dessa evolução neoliberal, num campo propício às radicalizações tanto em razão do caráter hermético dessa nova arte, quanto pela demanda econômica distinta à qual ela deve responder.

Uma arte de mercado

Frisson de clientes na casa de leilões Sotheby's londrina
que leiloava um dos animais embebidos em formol de Damien Hirst
Na mesma direção que a autora do livro “Quem pagou a conta?”, Frances Stonor Saunders, Derivery diz em seu texto que no fim da segunda guerra mundial a CIA introduziu na Europa, com o plano Marshall, uma arte norte-americana armada de uma “feroz vontade de conquista”. E ele observa: “A hegemonia econômica não é possível sem dominação cultural”. Os Estados Unidos já vinham fazendo uma verdadeira faxina em sua própria casa, colocando um fim às experiências de arte “engajada”. A nova política cultural norte-americana pretendia impor uma arte “neutra”, porém cúmplice e autora de seu projeto imperialista. E acrescenta Derivery: “A arte contemporânea de mercado se desenvolveu a partir desse primeiro modelo de arte trans-nacional. O mercado de arte se estrutura a nível mundial enquanto se coloca como referência estética.”

Mais à frente ele aponta que a dupla função dessa “arte sem fronteiras” era ter um papel econômico como possibilidade de investimentos e um outro papel, o ideológico, porque “ela foi um instrumento importante e fundamental para divulgar os valores do neoliberalismo”.

A poderosa Sotheby's
O fato de associar-se arte contemporânea e cultura de massas pode parecer paradoxal, observa o artista francês, se levarmos em conta o elitismo e a arrogância presentes nessa arte. Mas o elitismo de hoje não é o de ontem, que estava ligado mais ao saber ou a habilidades pessoais: o elitismo de hoje é um elitismo de posição social, um elitismo de conta no banco. É o elitismo do “reality show”, de suas celebridades e de certa mídia dita “popular”, que nada tem de popular, apesar de visar o povo. É um produto de mercado, acrescenta.
           
Para a sobrevivência do neoliberalismo ele precisa estar no controle sobre o sentido simbólico de tudo, e a censura aos dissidentes é necessária. Censurar a história em nome da “modernidade”, permite esvaziar as estratégias potencialmente desestabilizantes. Essa nova ideologia procura introduzir a ideia de que a arte contemporânea é sinal de “modernidade”, inclusive pelo fato de não ter um passado (assim como não tem conteúdo). Em nome dessa nova ideologia, práticas artísticas significantes e relevantes da humanidade são denunciadas, ainda hoje, como “ideológicas” – e eles acrescentariam: “desonestas”, “não artísticas” e “sem ética”. Mas qualquer crítica que se faça à “doxa” (do grego, senso comum)  oficial é apresentada, no mínimo, como manifestação de ódio à arte.

François Derivery diz com todas as letras em seu texto: “O neoliberalismo é a origem e a razão de ser da arte contemporânea”!

Objeto de "arte":  de Piero Manzoni,
que "cagou" em 90 dessas e vendeu
a peso de ouro
E segue explicando a sua tese, enquanto faz um levantamento sobre o funcionamento do sistema envolvido em torno da chamada arte contemporânea: até pode se admitir a crítica ao conceito ou ao modelo teórico, mas isso “não inclui questionar as obras daqueles que, segundo o pragmatismo do mercado, produzem "arte contemporânea’".

Mas, contrariamente à opinião dominante – diz ele – o pensamento crítico e o trabalho em outro sentido não são atividades ideológicas. Só que pensamento crítico e fazer arte de outro jeito tomam um sentido político se questionam o sistema oficial, a forma imposta e alienante “da relação com o Real e com o Outro”.

Derivery diz que o endeusamento da forma, do objeto, no mundo contemporâneo nasce do medo à busca do sentido, do significado das coisas. E esse medo tem conduzido os artistas ao abandono da prática artística enquanto forma de produzir arte. Prática artística significa trabalhar em conjunto conteúdo e forma, ao longo do tempo. É um processo - precisamente o processo da arte. Dentro disso, ela não pode produzir “objetos”, mas “obras”, afirma o artista, que acrescenta que a pós-modernidade artística rejeita a obra porque ela se refere a uma prática e porque carrega uma história. Porque a pós-modernidade valoriza e sacraliza o objeto “acabado”, sem processo, nascido na “fulgurância de um “gesto criador’”. É o advento do “Conceito” no sentido publicitário do termo e do produto artístico formatado dentro das normas dessa anti-cultura.

"obra" de Tracey Emin: uma cama desarrumada
A arte moderna da primeira metade do século XX privilegiou a prática, diz Derivery. Nós sabemos que a história da arte é a história do exercício humano em busca da perfeição artística. Todos os grandes mestres se debruçaram sobre seu trabalho, e não se tornaram mestres da noite para o dia. Mas, voltando ao artigo, ele continua dizendo que os artistas do começo do século XX, na esteira da contestação contra a arte oficial que já vinha desde o  século XIX, escolheram abrir-se à sociedade como um todo e correr os riscos de novos significados. “Sua vontade de sair do gueto de uma arte convencional, seu assim chamado “engajamento”, é a explicação para sua excepcional criatividade”, atesta Derivery. Mas aquela abordagem e prática de arte eram irreconciliáveis com o projeto de uma arte de mercado, ideologicamente conformada a ela.

Assim o neoliberalismo artístico esvaziou a arte moderna de seu princípio criador, de seu próprio projeto, lhe reduzindo à pretendida “aventura das formas”.

Qualquer coisa é arte quando alguém assim
o determina, dizem eles
Dentro da ideia de um fim da história, todos os objetos se equivalem. Portanto, apesar da ruptura ideológica do pós-guerra, a pós-modernidade artística, cujo projeto se estrutura a partir dos anos 1960, vai se nutrir da arte moderna e de suas invenções formais. A nova “arte” não tem e nem pode ter uma identidade artística própria. Não há invenção de forma e experimentação, não se inventa nada sem referência na realidade. Mas a arte contemporânea diz recusar o real.

Derivery continua, afirmando que “a arte é sempre alimentada pela realidade”. Mas ela legitima essa abordagem quando se abre ao Outro, porque a “arte intermedeia a realidade”. Através da vontade de observação e de percepção do artista, ele produz uma representação que o Outro é chamado a ampliar. Mas a predação começa quando a compreensão do real se reduz a uma simples “apropriação”. A arte contemporânea está aí com seus milhões de exemplos de apropriação indébita. Basta ir até a Bienal do Ibirapuera...

Não é um brinquedo de criança.
Isso é "arte" de Jeff Koons
Mas, continua o artigo de François Derivery: o resultado desse gesto de apropriação é um objeto, fragmento de realidade, que, transportado a lugar apropriado fornecido pelo mercado ou instituição, se transforma num “objeto artístico”. Certamente isso que é “artístico” é menos o objeto do que o “gesto”, a operação de apropriação. Mas essa intermediação da realidade pela arte acontece naquilo que nós chamamos de “prática”, coisa que é recusada pela arte contemporânea. “A apropriação é, na verdade, o grau zero da intermediação e o “gesto” de apropriação é o grau zero da prática”, conclui o artista.

O ready made

O objeto da arte contemporânea é então o produto e ao mesmo tempo a testemunha material de um gesto fundador imaterial, onde o valor artístico, na ausência de projeto significante, é fixado pelo mercado. Esse gesto “criador”, na arte contemporânea, é atribuído ao “gesto inaugural” de Marcel Duchamp. Mas o propósito dele - ao contrário dos produtores contemporâneos - foi o de denunciar a legitimação exagerada das instituições em decidir o que podia ser exposto como arte.

Ready made de Duchamp
Falar em “gesto” em relação aos primeiros ready made é justo porque Duchamp não procurava fabricar “objetos artísticos”. Mas seu gesto, ao contrário do gesto do produtor contemporâneo, foi um gesto crítico, portanto plenamente artístico, explica Derivery. Na minha opinião, Duchamp acabou entrando na onda e se enquadrou no sistema que inicialmente criticou. Mas concordo quando Derivery afirma que a “imagem de “Duchamp” hoje é produto da arte contemporânea, não o inverso”. Porque não poderia ser de outro jeito num sistema cujo impulso permanente é o da apropriação, inclusive de símbolos ligados à esquerda, como a imagem do Che Guevara, só para ficar num único exemplo.

O sentido inicial do gesto de Duchamp foi esvaziado, mas restou o objeto, o penico, com valor adicionado. Sua função passou a ser a de modelo de um modo de produção de objetos que têm a particularidade de ser ao mesmo tempo objetos de arte e objetos de mercado.

Arte é vida, efeito do real

Mao Tse Tung, líder chinês "apropriado"
pelo artista pop Andy Warhol
O mercado de arte contemporânea não oferece, portanto, uma intermediação do real, ele se apropria, da mesma forma que o capitalismo. Enquanto promove a morte do simbólico justifica a predação que justifica a morte do simbólico. Portanto não é a realidade a referência para a arte, mas a arte, a ilusão (disfarçada) que faz a realidade. A Realidade é a última das preocupações da arte contemporânea.

A ideologia do ready made permite que se aproprie do real sob a forma de “arte”, esvaziando totalmente o momento intermediador e afastando o risco da significância. Isso sem falar, lembra Derivery, que o artista foi expatriado de sua responsabilidade no processo social e absorvido por uma ideologia que é também estética. A intervenção do artista atual consiste em encenar um papel, que é ainda mais benéfico e proveitoso para essa arte-espetáculo. Mesmo que a encenação crie um ato de violência, o que aumenta o espetáculo.

A "celebridade" Damien Hirst com uma de suas "obras"
e uma multidão dos buscadores de ícones neoliberais
contemporâneos
Deve se dizer, acrescenta Derivery, que a pesquisa sobre os efeitos do real não tem nada a ver com o "realismo", que é um pensamento sobre a realidade. Mas a recusa ao real é uma forma de confessar que a "realidade" reproduzida num objeto não passa de uma convenção. E ele diz que o Hiperrealismo, que está em certo sentido na moda em alguns lugares, especialmente nos EUA, é a expressão artística privilegiada do atual consenso ideológico, porque a "constatação" do real se encontra instalada na lógica consensual de recusar (de pensar) a realidade. Suas poses “subversivas”, independentemente do seu impacto dramático ou violento, endossam a ordem vigente. Para se abster de toda interpretação do real, o pintor hiperrealista prefere não reproduzir o que ele mesmo vê da “realidade” mas a “versão já interpretada de uma fotografia”.

O problema da arte - e não existe outro, segundo ele afirma - é o da sua relação com o real. Mas na arte contemporânea essa relação não existe, é simulada e ao mesmo tempo recusada e negada.

O ideal é o do Mercado Financeiro
François Derivery, mais à frente, coloca que não estando engajada em uma vontade de transformação da realidade, a produção formalista não pode se renovar a não ser pela replicação sem fim. Ao mesmo tempo continua a cumprir seu papel exsudatório enquanto satisfaz a demanda do mercado por produtos de valor monetário cada vez maior.

A lógica capitalista é implacável, afirma Derivery. Ela prega a expropriação cultural e política na arte para conformá-la ao ideal do mercado. E mais à frente, ele lembra que a história tentou construir valores coletivos, de sociedade. A arte moderna foi uma tentativa de abrir a arte para o sentido do coletivo, contra a lógica que exigia neutralidade e submissão ao poder político. Mas o individualismo da arte contemporânea nega também esse aspecto e não se pode dizer que ela deriva da arte moderna. A arte contemporânea, para o artista francês, deriva do neoliberalismo.

No final do texto, ele propõe uma “resposta a essa “arte” que tem se atribuído exclusividade sobre a contemporaneidade”, dizendo que essa resposta não se encontra na reativação de um subjetivismo nostálgico obsoleto e nem numa nova problemática formalista. As questões que se colocam como prioridade não são questões de estética, mas questões cidadãs, do ser humano enquanto ser social. Vamos ter que desconstruir – acrescenta Derivery - as noções de arte e de artista e reexaminar sua pertinência a partir das realidades sociais e coletivas.

Vamos ter que reabilitar o pensamento crítico, retornar à prática e à busca do sentido da arte.

Cena do filme de animação "American Pop" do diretor Ralph Bakshi, de 1981.
A mensagem é nós fazemos parte da História, não estamos sós. Somos coletividade. 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Cem mil acessos!


Este BLOG QUE FALA DE ARTE  acaba de cravar 100 MIL acessos em menos de três anos de existência!

Isso é resultado de muito trabalho de pesquisa, de reflexão, de visão crítica e da vontade de levar a Arte para perto de mais e mais pessoas! A Arte é necessária. A Arte é fundamental. Sem ela o ser humano se embrutece, perde o rumo, se depaupera, se destroi. Neste mundo tão dividido, tão individualista, tão contrário à natureza humana, a Arte nos inspira, nos dá uma percepção diferente do mundo, nos une, nos torna comunidade, nos torna humanos. Nos ajuda a OLHAR para o mundo.

Seguimos em frente com este trabalho, desejando que este BLOG QUE FALA DE ARTE seja cada vez mais lido por cada vez mais pessoas, levando informação sobre eventos de arte,sobre teorias da arte e sobre os artistas. Nossa satisfação em ter alcançado CEM MIL ACESSOS é muito grande!

De todos os lugares do mundo este Blog é acessado. De todos os estados brasileiros pessoas passam por aqui interessadas em saber um pouco mais sobre a arte e o que anda acontecendo no mundo da arte. Este blog já gerou um livro: "As Artes Plásticas na Formação do Professor", lançado no mês de julho passado, com a presença de cerca de cem pessoas. Outros projetos virão, outros frutos irão amadurecer e criar vida, flores novas brotarão...

Sigamos em frente!

domingo, 9 de setembro de 2012

Bienal do Ibirapuera num dia de sol quente


São sete telas "pintadas". Com água do mar...
Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Fotografias.

Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Fotografias.


Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Fotografias.

Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Fotografias.

Papeis canson mil-teintes enrolados na parede. Serpentinas. Portas velhas. Fotografias.

Tijolos enrolados em papel celofane. Roupas velhas. Vasos velhos. Fotografias.

Sete telas em branco “pintadas” com água do mar. Arcos com velas. Trouchas de pano. Fotografias.

Dois lados de uma cadeira. Rádio velho. Vídeos em salas escuras. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias. 

Trecos velhos. Usados. Roupas antigas, usadas. Vasos antigos. Desenhos de criança. Fotografias.

Duas salas com pinturas abstratas. Alguns desenhos experimentais. Fotografias.

Por que não chamar de Bienal Audiovisual?

E o imenso acervo cultural e histórico da humanidade?

Nada. Lixo. Alegria dos catadores, da reciclagem.

Uma sala inteira para um Artur Bispo, o Bispo da Arte Contemporânea... Ai de quem se atreve a falar mal de seus cacarecos, seus agrupamentos de botões de camisa, seus copos de alumínio pregados num saco de estopa! E ele nem tem culpa disso! Era um inocente, cuja percepção de mundo estava alterada. Vamos dizer em linguagem bem clara: sua visão de mundo estava embotada por uma esquizofrenia paranoica... Mas ai que medo de ser crucificada! Como assim, falar mal do Bispo???, diriam as mocinhas e moçoilos da FAAP-ECA....

Em 2010 fui a Berlim. Visitei a Bienal de Berlim. Dividida em cinco prédios diferentes em lugares diversos da cidade. O que vi aqui é o que vi lá: repetições de chavões duchampianos que devem fazer Duchamp se revolver em sua bem concreta tumba! Aliás, para ser coerente, Marcel Duchamp podia ter escolhido virar cinza, mas seu corpo deteriorou como qualquer corpo no cemitério de Rouen, na França. Bem concreta e realisticamente.


Mas voltando a Berlim: a Bienal de lá estava às moscas! Eu salvei a Bienal de Berlim 2010! Eu estava lá! Eu, uma brasileira, dei público e razão de ser à Bienal 2010 de Berlim! Não havia quase MAIS NINGUÉM! 


Em compensação, FILAS na região dos museus de Berlim: na Gëmaldgalerie, no Pergamon Museum, no Staatliche Museen, e até no DDR Museen, da ex- Alemã Oriental. Na Bienal de Berlim? Estava eu em quase todos os prédios onde o evento acontecia. E um ou outro gato pingado...

 

Hoje – 9 de setembro – havia uma fila enorme em frente ao MASP para ver “Caravaggio eseus seguidores”. Havia uma outra fila de quatro horas (!) de espera em frente ao CCBB para ver a exposição “Impressionistas do Museu d’Orsay”....

 

Amigos... não tinha fila alguma para entrar na Bienal, de graça!

 

Numa sala onde estavam penduradas sete telas em branco me deparei com uma senhora revoltada perguntando para outra: - você entendeu? A outra, coitada, gaguejava um pouco pra provar que entendeu o que não é para ser entendido. Me meti na conversa: vão ao Masp ver Caravaggio! A senhora que estava brava balançou a cabeça concordando imediatamente comigo.


Continuei meu périplo dentro do lindo prédio de Oscar Niemeyer.

 

Vidro soprado. Cópia de cabeça. Fios elétricos. Aros de rodas de bicicletas. Pedaços de pano velho. Pedaços de pau velho. Um penico de banheiro masculino. Rolos de barbante pendurados. Vídeos. Salas performáticas. Cordas penduradas. Pedaços de madeira usada. Restos de construção. Terra. Sacos de plástico. Portas velhas. Sucata. Caixas de madeira vagabunda. Fotografias...

Como diria o poeta "Devo seguir até o enjôo?"


Sem mais palavras, cada um que tire a sua conclusão... É só ver as imagens.


E ler o texto da apresentação. Assim, ó:

- Tema: A IMINÊNCIA DAS POÉTICAS
- ah, tá, intendi...
- Não, você não entendeu, deixa eu explicar. (leitura do texto do folheto):
   (preciso ler para poder te explicar, peraí). Mas presta muita atenção porque isso aí que é arte contemporânea: Assim (tipo aluno de certas faculdades lendo):
   "a Iminência é entendida como aquilo que está a ponto de acontecer..."
- ah sei sei (sinal de que não tá sabendo...)
- calma, deixa eu continuar: "... como o que está suspenso..."
- suspenso, intendi... Suspenso que nem corda, que nem fio de rede elétrica...
- Por aí, mas deixa eu terminar! Você não deixa!
- ...
- "... em vias de efetivação; a poética é entendida como discurso, aquilo que se expressa, que se cala..."
- oh!
- profundo, né?
- profundo! O quê mesmo?
- (volta a ler o texto) "... que se transforma e que ganha potência comunicativa por meio da linguagem das artes." (pronto, terminei)
- E o que isso quer dizer?
- Ah, meu, sei lá! Qualque coisa, intende?
- Intendo, intendo. Mas num intendi....
- É por aí mermo! Melhor assim: num intendê nada faiz parte...
- Beleza então....




Serviço:
30a. Bienal de São Paulo
De 7 de setembro a 9 de dezembro de 2012
Terças, quintas e sábados, domingos e feriados - das 9h às 19h
Quartas e sextas, das 9h às 22h
Fechado às segundas
Entrada: Grátis
Parque do Ibirapuera, portão 3

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um poema de Maiakovski

Desenho baseado em fotografia de Alexandr Rodtchenko
Capa do livro

Há quase um ano, um amigo, Adalberto Monteiro, me fez um convite: apresentar um projeto gráfico e fazer ilustrações para o poema "Vladimir Ilitch Lenin", do poeta russo Vladimir Maiakovski. O projeto era grande: pela primeira vez, o poema estava sendo traduzido diretamente da língua russa para a nossa língua portuguesa, por Zoia Prestes, pedagoga e tradutora brasileira com formação acadêmica em Moscou.

Aguardei a tradução ficar pronta para começar a trabalhar, mas depois de alguns dias de pesquisa, já havia resolvido a direção que tomaria: iria me inspirar na estética da Vanguarda Russa. Inclusive para homenagear o próprio Maiakovski que era parte ativa dos grandes artistas e intelectuais que formaram um movimento de modernização da vida russa: adeptos da Revolução Socialista de 1917, eles conjuminaram suas pesquisas e experiências artísticas com as ideias de um novo mundo que eram defendidas pelo líder do movimento operário, Vladimir Ilitch Lenin.

O poeta Maiakovski, carvão sobre papel cartão
Li o poema algumas vezes antes de começar a trabalhar. Acontece uma coisa com este poema, assim como com outros de Maiakovski. Entre eles o famoso poema ao Sol, onde ele criou a frase "Gente é pra brilhar", repetida por Caetano Velloso, nos bons tempos em que Caetano tinha esperança no futuro (pois o mundo que ele enxerga hoje é um mundo triste)...

Mas neste e em outros poemas do Maiakovski -  eu dizia - algo acontece: o poema vai crescendo dentro da gente, vai ocupando espaços, vai se avolumando, como se nos inflasse junto com ele. O resultado disso é que ao final da leitura já não somos mais do tamanho que éramos quando começamos a leitura. A gente alcança um tamanho maior. A gente se agiganta, porque a poesia de Maiakovski vai construindo edifícios dentro de nós...

O poema devia ser sobre a morte, sobre a morte de Vladimir Ilitch Lenin. Mas, longe disso, o poema trata de vida! É um poema sobre a Vida. Vida que ele inspira e que nos faz de novo erguer-nos sobre nossos pés - e nossas crenças - e dizer para nós mesmos, no mínimo: há algo muito grande aí atrás desses versos aparentemente desconexos. Talvez esse "algo" se chame Futuro e traga uma luz especial dentro dele...

No processo de construção das ilustrações, pensei em homenagear alguns artistas russos. Alguns do final do século XIX, como Ilya Repin, pintor realista que me inspirou o desenho à direita. Outros do começo do século XX, como Natalia Gontcharova. Sobre uma de suas pinturas, fiz o desenho abaixo. Mas também fui buscar inspiração em outros como Malievitch, Vladimir Tatlin, Rodtchenko. Aqui, uma pequena parte do meu trabalho que está ilustrando o livro "Vladimir Ilitch Lenin".
Lançamento do livro
VLADIMIR ILITCH LENIN
Dia 5 de setembro de 2012, às 19h30
No Espaço revista CULT
Rua Inácio Pereira da Rocha, 400 Pinheiros - São Paulo

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Esplendores do Vaticano na Oca do Ibirapuera

Detalhe do teto da Capela Sistina, no Vaticano, pintada por Michelangelo:
A criação de Adão. Afresco. Cerca de 1511.

O Vaticano, sede da igreja católica, possui um dos maiores acervos de obras de arte. Não somente da arte europeia representativa de séculos diversos, mas também de diversas culturas, como a do Egito antigo e da Assíria.

Uma pequena parte desse acervo poderá ser vista em São Paulo, na Oca do parque do Ibirapuera, a partir de 21 de setembro próximo. A exposição intitulada “Esplendores do Vaticano: uma Jornada Através da Fé e da Arte”, chega ao Brasil com apoio do Ministério da Cultura, de um banco e da Arquidiocese de São Paulo.

São 200 itens, entre obras-primas de Michelangelo, Guercino, Bernini, Giotto e outros, além de vestimentas, relicários, mapas, documentos e ambientes cenograficamente recriados, como o teto da Capela Sistina. Peças que, na sua maioria, nunca saíram do Vaticano.

Os trabalhos artísticos serão expostos em ordem cronológica e as coleções serão organizadas em 11 galerias, representando as diversas épocas da igreja e sua relação com a arte.

Essa exposição chega pela primeira vez à América Latina depois de ter sido vista por um milhão e meio de visitantes nos Estados Unidos. A curadoria é do monsenhor Roberto Zagnoli, que trabalhou no Vaticano durante 15 anos como Diretor do Departamento de Etnologia dos Museus do Vaticano.

Haverá uma projeção da famosa Capela Sistina no teto da Oca, e uma visita virtual à obra, com detalhes dos afrescos monumentais pintados por Michelangelo, além de vídeos que mostram detalhes da arquitetura e dos locais mais visitados do Vaticano.

O detalhe negativo deste outro importante evento cultural que está ocorrendo em São Paulo, é o preço do ingresso: R$ 44,00, mesmo com o apoio de um banco, de uma empresa telefônica e do Ministério da Cultura. O que mais uma vez nos faz questionar os motivos porque os espaços culturais de São Paulo não possuem projetos de incentivo para que a população menos favorecida possa ter a oportunidade de visitar essas exposições, com preços a seu alcance, ou mesmo com dias gratuitos de visita. Deveriam seguir o bom exemplo do CCBB que trouxe a São Paulo uma exposição com 85 quadros dos Impressionistas expostos no Museu d'Orsay de Paris, totalmente gratuito!

Serviço:
“Esplendores do Vaticano: uma jornada através da fé e da arte”
De 21 de setembro até 23 de dezembro de 2012.
Segunda-feira a sexta-feira, das 10h às 20h (acesso até 19h);
Sábados, domingos e feriados, das 09h às 19h (acesso até 18h).
Local: 
OCA – Pq. do Ibirapuera – SP - Av. Pedro Alvares Cabral, S/Nº, Portão 03.
PREÇO DOS INGRESSOS
INTEIRA: R$ 44,00
MEIA ENTRADA: R$ 22,00

Molde da famosa "Pietá" de Michelangelo Buonarrotti, de 1499 - a exposição da Oca
mostrará esta réplica