quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Edgar Degas, impressionista ma non troppo

Estudo meu sobre o "Retrato de Albert
Melida", de Edgar Degas,
feito em pastel (nov. 2012)
O Museu Oscar Niemeyer de Curitiba, Paraná, inaugurou no dia 10 de novembro a exposição “Degas: Poesia geral da Ação. As esculturas - Coleção Masp”. O evento faz parte da comemoração dos 10 anos de vida do Museu, que tem a assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer.

São 73 obras do artista francês Edgar Degas que pertencem ao Museu de Arte de São Paulo, o Masp. As esculturas são fundidas em bronze e, entre elas, a mais conhecida: “Bailarina de 14 anos” (foto abaixo). Vale ressaltar que o MASP é um dos museus onde há uma das grandes concentrações de obras de Degas, além do Metropolitan de Nova York e do Museu d'Orsay de Paris.

Recentemente fiz um estudo em pastel de uma pintura a óleo deste artista francês, o “Retrato de Albert Melida”. O método de pintura dos impressionistas é pictórico, quase sem linhas, com predominância no valor das cores de médio a alto; também não respeitam muito a forma dos objetos e as massas se fundem, se multiplicam, dando um ritmo luminoso, o que era intenção desses pintores. Alguns levaram essa técnica à radicalidade do pontilhismo, como George Seurat e Van Gogh. Ou praticamente enfatizando os efeitos luminosos das cores sob o efeito da luz, como fazia Monet. Mas não foi o caso de Degas. Ele ficou mais independente, mantendo mesmo uma certa distância do grupo dos impressionistas, mesmo que, segundo E.H. Gombrich em seu livro História da Arte, “simpatizasse com a maioria de seus propósitos”.


Autorretrato, Degas, 1857
Seu nome completo era Hilaire Germain Edgar de Gas, adotando Edgar Degas como nome artístico. Ele nasceu em 19 de julho de 1834 em Paris e foi, além de pintor, gravador, escultor e fotógrafo. Era um pouco mais velho do que Renoir e Monet e regulava de idade com Manet. Gombrich observa que Edgar Degas tinha um interesse “apaixonado” pelo desenho e era grande admirador da obra de Jean-Auguste Dominique Ingres, artista que se manteve sempre fiel à pintura acadêmica.

Degas não aderiu ao costume dos impressionistas de pintar ao ar livre. Preferia o espaço interno de seu ateliê ou as salas de aulas de balé, cujas bailarinas aparecem em muitos de seus quadros. Ele ia aos ensaios de dança para ver os corpos em movimento, que desenhava e pintava. “Via as bailarinas dançando ou repousando, e estudava o intrincado escorço e o efeito da iluminação de cena modelar a forma humana”, aponta Gombrich. Diversos desses esboços foram feitos à pastel. Mas nessas observações das bailarinas ele se comportava como seus amigos impressionistas e pintores de plein air: lhe interessava, mais do que a beleza da bailarina, os jogos de luz e sombra, as formas dos movimentos, as relações espaciais.

A maior parte de suas obras, desde que se busca classificar os pintores dentro de algum movimento, é incluída dentro do movimento impressionista, mesmo que, como vimos antes, ele não era exatamente um deles, porque as principais características do Impressionismo não são aplicáveis a Degas, que pintava dentro de seu ateliê, muitas vezes de memória. O fato dele ser incluído entre os impressionistas seria muito mais pelo fato de que, assim como aqueles, ele também não seguia as regras da Academia Francesa. Muita discussão e debate já aconteceu em torno da obra de Edgar Degas por diversos historiadores da arte, uma vez que seu trabalho como artista não podia ser classificado como impressionista em sua totalidade.


A bebedora de absinto, Degas
Edgar Degas, filho de uma família rica, era o grande burguês do bairro de Montmartre, tradicional reduto de artistas, em sua maioria pobres. Seu pai era banqueiro, e ele cresceu dentro do meio burguês, numa rua próxima do Jardim de Luxemburgo, bairro nobre de Paris. Como parte de sua formação, cursou a faculdade de Direito, por exigência paterna. Mas Degas já se interessava muito por Desenho e começou a frequentar o Gabinete das Estampas da Biblioteca Nacional, onde copiava incansavelmente as obras de Albrecht Dürer, Andrea Mantegna, Paul Veronèse, Francisco Goya e Rembrandt.

Além disso passava as tardes no museu do Louvre onde, com o tempo e sua evolução como artista, foi admitido como pintor copista, uma prática que ainda hoje se mantém. Ele admirava os pintores italianos, franceses e holandeses. Foi aluno, entre outros, de Louis Lamothe, que tinha estudado pintura com Ingres. O pai de Degas, homem culto e amante das artes, mas também bom comerciante, apresenta ao filho alguns dos maiores colecionadores de arte de seu tempo.


A partir de 1855 ele frequenta as aulas da Escola de Belas Artes de Paris, mas com a ideia de se aproximar da obra dos grandes mestres do passado, como Luca Signorelli, Sandro Botticelli e Rafael. Por causa desse interesse, Degas viajou várias vezes à Itália entre 1856 e 1860. Foi em Florença que ele conheceu e se tornou amigo de um outro pintor francês, Gustave Moreau, que foi um dos principais representantes da corrente simbolista na pintura francesa.

Em sua fase inicial, Degas fez diversas pinturas de inspiração neoclássica, além de ter pintado numerosos retratos de pessoas de sua família. Na guerra contra a Prússia de 1870, Degas se alista na infantaria. Entre 1874 e 1886 Degas participa das exposições dos impressionistas, empenhando-se pessoalmente na organização das mesmas. Seus contatos com outros pintores da mesma geração se estreitam, especialmente com Camille Pissarro.


As bailarinas, 1878, Degas
Edgar Degas era um frequentador ativo do bairro de Montmartre, participando de diversos círculos de amigos, de ateliês, de cafés literários e de encontros sociais organizados por outros artistas e intelectuais de sua época, reunindo-se na casa da família Manet, na da pintora Berthe Morisot e na do poeta Stephane Mallarmé. À frente de outros burgueses como ele, seus amigos íntimos, ele levava uma vida celibatária e algo arrogante. No que dizia respeito aos princípios aprendidos em sua família de origem, era intransigente, e em muitas querelas batia de frente com os amigos. Tinha uma personalidade difícil, humor mordaz, agressivo, o que afastava as pessoas de seu convívio. Mas participava ativamente das discussões que aconteciam no café Guerbois, entre artistas jovens e seu amigo Edouard Manet, cujo ateliê ficava perto, no bairro de Montmartre.

Desde 1875, a pintura foi para ele sua fonte de renda, quando ele começou a ter dificuldades financeiras. Sua família tinha entrado em falência após a morte de seu pai. De 1880 em diante, ele passa a usar mais o pastel em sua pintura, algumas vezes usando junto também tinta guache e aquarela. As telas dessa época são bastante modernas no sentido de dar maior expressão às cores. No final dos anos 1890, Degas, já quase cego, se dedica cada vez mais à escultura. Sua única exposição individual aconteceu em 1892, quando ele apresentou 26 telas com paisagens.


De 1905 em diante, cada vez mais amargurado pela cegueira que lhe acometeu, Edgar Degas se isola ainda mais dentro de seu ateliê. Morreu em setembro de 1917, com 83 anos de idade, acometido de um aneurisma cerebral. Seu corpo foi sepultado na tumba da família no cemitério de Montmartre. No ano seguinte, todas as obras acumuladas em anos de trabalho, que ele guardava em seu ateliê, foram vendidas em leilão, assim como sua importante coleção de obras de arte que ele tinha adquirido de outros artistas. Dessa coleção, dedicada especialmente à arte francesa do século XIX, se destacavam obras de Ingres e Delacroix, dois mestres por quem Degas tinha grande admiração não só por sua técnica mas também pela cultura artística que eles possuíam.




A pequena bailarina de 14 anos,
Degas, acervo do Masp
Ingres influenciou profundamente o jovem Degas. Ele tinha 21 anos de idade quando conheceu o mestre em seu ateliê. Em seguida, passou a copiar apaixonadamente as obras apresentadas em uma exposição retrospectiva consagrada a Ingres. O primeiro autorretrato de Degas faz referência clara ao que Ingres fez em 1804, como se pode ver neste post. O próprio Ingres lhe teria sugerido que desenhasse, que desenhasse muito, e ele seria um bom artista. Degas estava sempre com um porta-lápis à mão. Até o fim de sua vida, Degas mantinha o costume de fazer desenhos preparatórios e esboços para seus trabalhos. Praticava inclusive desenho de modelo vivo, a vida toda. Sempre respeitando o que lhe havia sugerido o grande mestre Ingres.

Em relação a Eugène Delacroix, Degas também era um admirador de sua pintura, chegando a fazer uma cópia do quadro de Delacroix “Entrada dos cruzados em Constantinopla”. Em 1889, viajou a Tanger, seguindo os passos do pintor Delacroix, que era apaixonado pela cultura do norte da África.


Um de seus inúmeros esboços
As bailarinas azuis, 1899, Edgar Degas
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Serviço:

“Degas: Poesia geral da ação. As esculturas – Coleção MASP”
De 10 de novembro de 2012 a janeiro de 2013
Museu Oscar Niemeyer
Curitiba - Paraná

terça-feira, 27 de novembro de 2012

“A arte vive um momento deplorável”

Fernando Botero
No começo desta semana, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria com o artista plástico colombiano Fernando Botero. Longe, bem longe de textos críticos profundos e densos, a matéria ressalta todo o tempo que os personagens pintados por Botero são gordinhos, numa simplificação que bem representa o estilo editorial desse jornal.

Mas valeu pela entrevista, ou melhor, pelo que Fernando Botero disse na entrevista. Em primeiro lugar, quando o jornalista lhe pergunta por que ele só pinta “personagens gordos”, a resposta do artista veio da profundidade de seu pensamento sobre sua pintura, em contraponto às banalidades perguntadas a ele. Explicou que o que lhe interessa pintar é o volume dos corpos, pela sensualidade dessas formas arredondadas e explicou ao jornalista que não se trata só de uma escolha entre “pessoas magras ou gordas”. Cita o pintor italiano Giotto (1267-1337) que deu volume às formas da pintura praticada em seu tempo, que até então eram formas planas.

Como o jornalista não parava de perguntar sobre a “gordura” de seus "personagens", Botero continuou explicando a ele que um artista vê, muitas vezes, além do que outros enxergam. E contou de seu interesse pela arte pré-colombiana, apesar de sua formação europeia, mas que seu estilo nasceu a partir de suas convicções pessoais e pelo seu “respeito pela arte de formas clássicas”.

Mas a melhor parte da entrevista foi quando ele passou a analisar o estado da arte atual. E aqui reproduzo integralmente os comentários de Fernando Botero, que são muito importantes para ver que não existe - absolutamente - unanimidade sobre a arte praticada atualmente, a chamada "arte contemporânea". Apesar de ser hegemônica e fazer parte de uma certa tendência de origem neoliberal com vontade de impor um “pensamento único”, há os que apresentam outro julgamento.

Fala, Botero:

Folha - Suas influências mais marcantes são artistas clássicos, e o sr. já afirmou que a arte se desintegrou depois de Picasso. Como vê a arte hoje?
BOTERO - Digamos que o problema é uma falta de estrutura. Disseram tanto ao Picasso que ele era um gênio que ele começou a fazer quadros sem estrutura (grifo meu). No final de sua vida, sua obra era um caos total, com uma técnica deplorável. A verdade é que hoje a arte se baseia em ideias superficiais, artistas estão mais interessados em chocar do que em criar obras com qualquer senso de estrutura. Não é um momento glorioso na evolução das artes visuais. Acredito que a arte viva agora um momento deplorável.

Folha - É por isso que o sr. desistiu de patrocinar o tradicional prêmio a jovens artistas que levava seu nome na Colômbia?
BOTERO - Sei que essa foi uma decisão polêmica, mas o júri havia dado o prêmio máximo a um vídeo, que era talvez o primeiro que aquele artista havia feito na vida. Não gostei das obras, nada me interessou, então achei que já não valeria mais a pena patrocinar esse tipo de coisa. Vi que os jurados premiam coisas absurdas, como se morressem de medo do fim das vanguardas artísticas.

Folha - Como lida com seu sucesso comercial? Costuma acompanhar os resultados dos leilões?
BOTERO - Não gosto de leilões porque criaram um gueto para artistas latino-americanos. Gostaria de estar nos leilões com os artistas do resto do mundo, já que tenho obras espalhadas por todo o planeta. Arte é universal, não deve estar identificada por regiões. Ser classificado como latino é ocupar uma categoria inferior, e não me considero inferior a ninguém.

Dança na Colombia, 1980, óleo sobre tela, 188 x 231 cm
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MAIS:

Neste Blog: AS DORES DA COLOMBIA SEGUNDO BOTERO

Entrevista da Folha

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Nulle die sine linea

“Sabes que "poesia" é algo de múltiplo;
pois toda causa de qualquer coisa
passar do não-ser ao ser é “poesia”,
de modo que as confecções de todas as artes são “poesias”,
e todos os seus artesãos poetas.”
(O Banquete, Platão)

Estudo meu feito com pastel sobre
papel cartão, sobre obra de
Jan Vermeer, "Retrato de uma jovem
mulher", de 1665 (novembro, 2012)
Terminei mais um estudo baseado nas obras dos mestres da pintura. Fiz em pastel sobre papel cartão esta pintura ao lado, usando como referência o quadro de Jan Vermeer “Retrato de uma jovem mulher”. No ano passado já tinha feito, em óleo sobre tela, um estudo também sobre outra obra de Vermeer, “Moça com brinco de pérola”. No Atelier de Arte Realista de Maurício Takiguthi onde estudo atualmente, essa dedicação a conhecer o mais profundamente a técnica dos velhos mestres é parte da nossa formação e aprendizado.

Mas não é uma novidade em termos de método porque sabemos que grandes pintores alcançaram grandes alturas porque se lançaram à aventura de penetrar nas obras de arte realizadas por grandes artistas que os precederam. Pois assim é a nossa história humana: vamos evoluindo, vamos criando e recriando o mundo, mas sabemos que atrás de nós há gerações e gerações de grandes seres humanos que continuam nos inspirando e mesmo iluminando nossos caminhos como verdadeiros faróis. O grande Isaac Newton (1643-1727), cientista e filósofo, disse certa vez que se pôde enxergar mais longe é porque estava “sobre ombros de gigantes”, provavelmente se referindo a Galileu e Kepler, dois gigantes que vieram antes dele.

Pintura a óleo tendo como referência
a obra "Moça com brinco de pérola",
de Vermeer (outubro, 2011)
Isso é muito importante saber, qualquer que seja a área de nossa vida: não podemos esquecer que se aqui estamos e no ponto em que estamos, muito devemos aos que nos antecederam. Muito temos o que aprender com o passado para poder construir o futuro que queremos.

Nas escolas de artes atuais, em sua maioria, infelizmente, o estudo dos mestres se reduz a saber de sua biografia, dos movimentos de que participavam, em que “ismo” se encaixava sua arte. A tradição parece ser uma palavra que engasga na boca dos que ensinam arte em escolas e faculdades. Pelo contrário, os novos “ensinadores de arte” parecem gostar de repetir que o aluno deve “se soltar” (o que isso significa?), deve esquecer qualquer tentativa de querer desenhar baseado na realidade, e, o que é pior, não recomendam mais o desenho, o exercício, o estudo com linhas e massas. “Soltem-se”, entoam eles em coro...

Há alguns dias atrás assistimos, no Atelier, ao filme “Jiro: dreams of sushi” sobre um mestre artesão de sushi, considerado hoje um dos melhores do mundo. Mas onde sushi tem a ver com pintura e desenho? Recomendo que se veja o filme para se buscar compreender melhor que, na verdade, sushi e pintura tem muitos pontos em comum, no sentido de que o trabalho de alguém está por trás disso.

"Baile de máscaras", pastel sobre papel cartão, 2011
Na verdade, desde a tradição grega sabemos o quanto a genialidade de um ser humano não é dom divino. “Nulle die sine linea” (nenhum dia sem uma linha) estava escrito na porta de entrada do atelier do pintor grego Apeles, que viveu no século V a.C., que não deixava passar um só dia sem que se exercitasse em sua arte. Todos os grandes artistas, de Da Vinci a Michelangelo, de Vermeer a Velázquez, de Bach a Beethoven, de Delacroix a Picasso, todos, sem exceção, dedicavam horas diárias de suas vidas à sua arte e, se se tornaram os gênios que foram, essa genialidade foi desfraldada após muito exercício, muita aplicação, muito estudo.

Minha experiência pessoal nestes últimos anos tem me mostrado que venho aprendendo muito mais do que desenhar e pintar! Porque desenhar e pintar são duas atividades humanas que exigem um redesenho interno da alma, no sentido de que há uma integração entre o que eu sou como pessoa e o resultado do meu trabalho. Cada avanço que faço, cada sutileza de cor que meus olhos agora vêem (antes não viam), cada conceito apreendido (mais do que aprendido) além de trazer uma felicidade nova me mostra o que há mais além, mais a conquistar, mais a aprender, mais a ser. Me mostra também que cada traço desenhado, cada toque novo do pincel é um instante que ganho diante do tempo que foge.

"Retrato de Jeosafá",
Mazé Leite, 2012
Num certa cena do filme, Jiro, o velho mestre de sushi, fala: “Vou continuar a subir, tentar alcançar o topo, porém ninguém sabe onde o  topo está!” Essa busca da excelência na arte, essa caminhada em direção ao Real mais profundo, onde vamos colhendo camadas de percepção dele que fogem à percepção comum, é fugidia, exige dedicação, empenho, perseverança, paciência, trabalho... Porque o “topo”, que está lá mais à frente, parece se mover, e isso enriquece ainda mais essa busca. Porque nessa dedicação ao estudo da arte, quanto mais aprendemos, mais vemos que podemos mais, que há mais a ser descoberto e que, no final das contas, nos deparamos mesmo é com a inesgotabilidade do Real! Isso, por si só, é objeto do mais puro fascínio para quem pratica o estudo de arte, seja desenho, pintura, escultura, teatro, literatura, dança, música...

Infelizmente isso tudo é muito longe do que é ensinado nas escolas! Nesse mundo de correria, ensina-se que as coisas devem ser feitas de forma rápida, mesmo com qualidade mediana. Nos acostumamos a viver com o mediano como se isso fosse normal! Infelizmente o que se ensina é que a genialidade é um dom de Deus, que se nasce gênio. Um tipo de pensamento que subestima a capacidade do ser humano de buscar com seu trabalho a sua própria perfeição. Mas não perfeição no sentido místico, moralista em certo sentido. Perfeição no sentido de alcançar mesmo que seja a simplicidade da forma, como podemos ver na escultura de Alberto Giacometti, por exemplo. Mesmo que seja para não pintar o Belo, porque o Feio também faz parte do nosso mundo...

Alguém já disse que o estilo pessoal é a expressão da alma do artista. Mas eu pergunto, como alcançar essa expressão de alma sem estudo, sem busca, sem prática? Isso me faz lembrar de Michelangelo. Um dia ele teria dito que quando olha para uma pedra ele já sabe que partes dela precisa retirar para que se mostre a figura que ele quer. É isso aí, é preciso lapidar o diamante para que ele brilhe!

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Abaixo, alguns dos meus exercícios:

Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres  (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel sobre obras de antigos mestres.
À esquerda, pintura baseada numa natureza morta de Gustave Courbet (Mazé Leite, 2012)
Estudos em pastel. À esquerda, baseado em fotografia. À direita, sobre obra de um mestre  (Mazé Leite, 2012)
À esquerda, desenho gestual baseado numa pintura de Velázquez.
À direita, uma xilogravura de 1989 
(Mazé Leite)

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Gustav Klimt, um pintor do seu tempo

Detalhe de "O Beijo" de Gustav Klimt, pintada em 1905
Neste ano de 2012 completam-se 150 anos do nascimento do pintor austríaco Gustav Klimt, um dos mais importantes nomes da arte moderna do começo do século XX. Uma de suas mais célebres obras é a pintura “O Beijo”, de 1908.

Gustav Klimt
Filho de ourives, Klimt usou ouro para envolver as figuras de suas telas, que levam hoje 6 mil pessoas todos os dias ao Museu Belvedere em Viena, Áustria. Este museu recebe anualmente a visita de 2 milhões de pessoas. Desde o dia 13 de julho, o museu - dono da maior coleção de obras de Klimt - está apresentando uma exposição com 23 de suas pinturas, incluindo “O Beijo”.

Mas em outras cidades do mundo, mais exposições estão na programação de museus e galerias. Em Nova York, a Neue Galeria abriu uma mostra com desenhos, pinturas e fotografias de Gustav Klimt. Entre essas obras, o “Retrato de Adele Bloch-Bauer I”, de 1907, que ele decorou ricamente com ouro. Também desde 16 de maio deste ano o Museu de Viena faz uma mostra das obras do início de sua carreira em 1880, até sua morte em 1918. Outros dois museus de Viena também apresentaram mostras.

Retrato de Madame Heymann,
de 1894, Gustav Klimt
Gustav Klimt nasceu no dia 14 de julho de 1862 em Baumgarten, na periferia de Viena, Áustria. Era o segundo entre os sete filhos de Ernest Klimt, que exercia a modesta profissão de ourives. Sua mãe, Anna Finster, era cantora lírica. Contam seus biógrafos que, desde muito pequeno, Gustav Klimt demonstrava interesse pelas artes e por decoração. Em 1876, ele entrou na Escola de Artes Decorativas de Viena, onde aprendeu as primeiras lições de pintura.

Em 1880, com 18 anos de idade, ele e seu irmão Ernst e mais um amigo, Frantz Matsch, criaram um atelier de pintura decorativa. Rapidamente seu trabalho prosperou e começaram a receber numerosas encomendas para decorar paredes e tetos de casas, assim como teatros e outros edifícios públicos. Em 1890, apenas dois anos depois, Gustav Klimt já era famoso por sua pintura e executava obras que eram encomendadas pelo governo austríaco.

Judith, de Gustav Klimt
Mas, internamente, Klimt se sentia atraído por uma arte mais livre do que as que executava por encomenda. Nesse período ele namorava uma moça que tinha uma casa de costura, Emilie Flöge, e tinha se aproximado dos escritores Arthur Schniltzer, Hofmaansthal e Hermann Bahr, bastante interessado no simbolismo e no impressionismo francês. Em 1895, após uma exposição em Viena, ele descobre a pintura do alemão Max Liebermann, assim como Félicien Rops, Klinger e Auguste Rodin, o escultor francês.

Com alguns amigos, ele funda, em 1897, o jornal “Ver Sacrum”, com a intenção de criar um instrumento consagrado à arte. No mesmo ano, ele participa da fundação da União dos Artistas Figurativos, denominada de “Secessão”, com dezenove outros artistas vienenses. Ele foi o presidente dessa associação que tinha por objetivo interferir na vida artística da época, além de produzir obras de arte que levassem a arte austríaca ao reconhecimento internacional que ela merecia. Tratava-se também, para aqueles artistas, de diminuir a distância entre a arte e as artes ditas menores, de aproximar objetos utilitários dos objetos de arte, e de transformar o mundo por meio da arte. A arte, para eles, deveria despertar a consciência, de forma diferente do que vinha sendo praticado pela arte acadêmica. O jornal “Ver Sacrum” era o porta-voz dessa vontade de mudar o mundo.

Enquanto isso, o arquiteto e também pintor Joseph Marie Olbrich construía um espaço dedicado às artes, como desejavam Klimt e seus amigos da “Secessão”: um lugar para permitir aos jovens artistas figurativos um lugar permanente de exposição para suas obras.

Pallas Athena, Gustav Klimt, 1898
Em 1898 Gustav Klimt pintou a obra “Pallas Athena” que marca o início do seu afastamento da chamada arte oficial. Sob uma forma irônica, ele reinterpreta a representação tradicional da deusa grega, apresentando-a com traços de “femme fatale”, sensual e moderna. Essa pintura foi usada como ilustração para o cartaz da primeira exposição da “Secessão” em 1898.

Durante o ano de 1900, após a sétima exposição do seu grupo, Klimt apresenta a tela “A Filosofia”, a primeira de três que foram encomendadas para ilustrar o teto abobadado onde acontecia a Aula Magna da Universidade de Viena. Esta pintura foi destruída pelos nazistas em 1945. Os outros dois eram “A Medicina” e “A Jurisprudência”. Ele escolheu pintar a filosofia sob a forma de uma esfinge, com contornos fluidos, a cabeça perdida nas estrelas enquanto em torno dela se desenrolavam todos os ciclos da vida, do nascimento à velhice, passando pelos tormentos do amor. Essa tela sofreu duras críticas das autoridades universitárias que esperavam uma representação clássica do tema. Consideraram essa obra uma provocação, apelo à libertinagem e um atentado aos bons costumes. A crítica foi violenta também por parte da imprensa (sempre a velha mídia...) que acusou Klimt de querer perverter a juventude. Alguns questionaram sua sanidade mental ao avaliarem o erotismo de suas pinturas. Os críticos dos jornais atacavam até o fato de Klimt sofrer de depressão.

Filosofia, Gustav Klimt
Mas ele não se deixou influenciar pelos críticos e defensores do conservadorismo. Em suas outras duas pinturas seguintes, “A Medicina” e “A Jurisprudência”, continuou pintando como gostaria e o resultado foi que as críticas se ampliaram ainda mais. “A Medicina” foi representada por uma moça sensual, como em outros quadros, ao lado de representações sobre o sofrimento e a morte. “A Jurisprudência” é representada por um criminoso preso a seus instintos enquanto que a Justiça encontra-se fixa e impassível enquadrada numa espécie de mosaico de inspiração bizantina. Suas pinturas obviamente não foram aceitas para decorar a sala das Aulas Magnas da universidade...

Em 1902, após a décima quarta exposição da “Secessão”, consagrada à música de Beethoven, Klimt apresenta um afresco dividido em sete paineis representando a Nona Sinfonia, destinada a decorar um monumento em memória do compositor, que foi concebido pelo arquiteto Josef Hoffmann. Essa obra foi incentivada por um outro músico, Gustav Mahler, e ela representava a aspiração à felicidade por parte da humanidade sofredora que busca apaziguar seu sofrimento através da arte. Mais uma vez, Gustav Klimt sofreu duras críticas, bastante violentas, em nome da moral.

Jurisprudência, de Gustav Klimt
Os anos 1902-1903 foi um período de intensa produção criativa de Gustav Klimt. Ele inicia o uso do ouro em suas obras com as pinturas “Serpentes de Água” e “Retrato de Adele Bloch-Bauer”, além de “Danaé”.

Em 1904, um rico banqueiro, Adolphe Stoclet, encomenda a ele um mural feito em mosaicos para a sala de refeições de um luxuoso palácio que ele iria construir em Bruxelas, na Bélgica. Mais uma vez ele mostra a riqueza decorativa de suas obras, com “A Espera” e “O Cumprimento”.

O famoso quadro “O Beijo”, sua obra mais conhecida e que continua sendo reproduzida sob diversos materiais decorativos em todo o mundo, foi pintado em 1905. Após 1908 ele abandona o grupo “Secessão”, acompanhado de vários amigos. Para ele, essa associação de artistas já tinha cumprido seu papel e corria o perigo de “se esclerosar”. A partir daí ele se consagra à pintura de paisagens ou de cenas alegóricas, cada vez mais estilizadas e com cores cada vez mais vivas.

Medicina, Gustav Klimt
Também passa a pintar retratos e realiza retratos de mulheres de grandes dimensões com composições ricamente decoradas, para atender a uma clientela rica e burguesa que lhe enchiam de encomendas. Pinta numerosas cenas com mulheres nuas e em poses eróticas.

Em 1910, Klimt participa da Bienal de Venesa, onde ele obtém muito sucesso. Passou a ser conhecido como o representante na pintura da intelligentsia austríaca e como inventor da arte decorativa.

Ele morreu em 1918, após um ataque cardíaco, deixando diversas obras inacabadas.

Pintor denegrido por mais de dez anos em sua terra, seu trabalho foi, no entanto, a expressão de um período histórico de mudanças que aconteciam pelo mundo e por isso ele é uma referência na história da pintura. Gustav Klimt é o exemplo e a expressão de um pintor de seu tempo, corajoso, ativo, altamente criativo e que participou ativamente das profundas transformações pelas quais o mundo passaria a partir do começo do século XX, em todos os ramos da vida humana, incluindo as artes.
O Beijo, de Gustav Klimt

Danaé, de Gustav Klimt
A Música, de Gustav Klimt

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A poesia solar de Maiakovski

Nesta última quarta-feira, 7 de novembro, na Livraria Arlequim, centro do Rio, foi lançado o livro “Vladimir Ilitch Lenin”, poema de Vladimir Maiakovski, com a presença de cerca de quarenta pessoas, entre intelectuais, artistas e amantes da literatura do poeta russo.
Paço Imperial, Rio de Janeiro

A Livraria Arlequim ocupa uma sala do famoso Paço Imperial, uma construção do final do século XVII, mais exatamente 1699. O prédio por onde passou a comitiva de Dom João VI, quando de sua vinda de Portugal para o Brasil, hoje recebe diversas exposições temporárias de artes visuais, além de ter a sua própria exposição permanente.

Dentro desse espaço, reuniram-se Zoia Prestes, Adalberto Monteiro, Alexei Bueno, Maria Prestes (viúva do líder comunista Luís Carlos Prestes), eu e umas quatro dezenas de pessoas para falar de poesia e de arte.

Adalberto, responsável pela edição do livro que saiu pela Editora Anita Garibaldi, com o apoio da Fundação Mauricio Grabois, fez uma apresentação do livro, ressaltando o fato de ser a primeira tradução em língua portuguesa do poema “Vladimir Ilitch Lenin” em sua totalidade. Disse ainda que esse poema ressoa, nos dias de hoje, as ideias futuristas de Maiakovski, um poeta que olhava para o porvir. Dedicando o poema ao líder da revolução russa de 1917, Lenin, Maiakovski “não endeusa, não faz culto à personalidade de Lenin, mas, pelo contrário, mostra um homem comum, ‘a pessoa mais terrestre’, que soube liderar um movimento que trouxe mudanças muito profundas, não só para a Rússia, mas para o mundo todo”, disse Adalberto Monteiro.
Zoia Prestes autografa o livro

Zoia Prestes, a responsável pela tradução direta do russo para a língua portuguesa, disse que essa tarefa dificílima de traduzir um poema de Maiakovski, apesar de complexa, trouxe-lhe também bastante satisfação pessoal, por causa de sua história com esse poeta. Ela viveu em Moscou entre 1970 e 1985, e em sua fase escolar participou de concursos de declamação de poesia e lembra que os livros de Maiakovski eram parte do currículo escolar da União Soviética. Em um desses concursos, ganhou como prêmio um exemplar desse poema em russo, que ela guarda até hoje. Na tradução do poema, Zoia Prestes diz que resolveu priorizar o significado das palavras, mantendo a mesma disposição formal escolhida pelo poeta russo, com versos escalonados. E completou dizendo que o fato de ter vivido tanto tempo na Rússia, onde recebeu educação escolar e superior, traz consigo esse amor à cultura russa e ao povo russo, o que também foi um importante componente no momento de traduzir este poema.

Lançamento no Rio de Janeiro
Alexei Bueno, poeta, editor e crítico literário, também expôs suas opiniões sobre o livro. Profundo conhecedor de poesia, disse que a de Maiakovski reflete a riqueza cultural do povo russo, que também gerou os gênios do cinema, Sergei Einseinstein, Andrei Tarkovski, entre outros. Os artistas russos, ressaltou Bueno, foram e são ainda referências para os artistas de hoje em todo o mundo. Ele elogiou a iniciativa da tradução desse poema em língua portuguesa e todo o esforço da equipe responsável pela execução dessa obra.

Mazé Leite, a artista responsável pelo projeto gráfico e pelas ilustrações, fez uma breve explanação sobre seu trabalho. Ressaltou que se inspirou nos artistas da vanguarda russa, citando alguns nomes como Natalia Gontcharova, Vladimir Tatlin, Kasimir Malievitch e Alexandr Rodtchenko. Explicou que a ideia para uma capa com tons quentes e vibrantes ela foi buscar na imagem do Sol, um tema bastante recorrente na obra de Maiakovski. Além do poema em si, disse ela, porque apesar de ter sido escrito para lamentar a morte de Lenin, o poema na verdade é uma ode à vida.
Vladimir Maiakovski,
fotografado por Alexandr
Rodtchenko

Após essas primeiras intervenções, outras pessoas presentes também participaram do bate-papo, como Maria Prestes, que contou diversas histórias dos tempos em que ela com o marido, Luis Carlos Prestes, e nove filhos, se mudaram para Moscou, fugindo da ditadura militar no Brasil. Maria Prestes é a mãe de Zoia.

A noite encerrou com um coquetel e muita conversa sobre poesia e sobre arte.

O livro “Vladimir Ilitch Lenin”, de Maiakovski, já teve seu primeiro lançamento em São Paulo. O próximo encontro em torno do poema será no dia 21 de novembro, no Centro Cultural Vergueiro, às 19h30, na Sala de Debates.