segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Pernambuco, primeiro retrato do Brasil

Tereza Costa Rêgo ao lado de sua tela "Batalha dos Guararapes"
Nesta quarta-feira, 12 de agosto, o Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro, abre uma exposição retrospectiva sobre a pintura pernambucana que alcança do século XVII até os dias atuais. Intitulada “Pernambuco, primeiro retrato do Brasil”, a mostra trará desde obras de Frans Post, o holandês que fez os primeiros retratos do Brasil, em Pernambuco, até Tereza Costa Rêgo, pintora atual, que já entrevistamos neste Blog (leia aqui).

Segundo o portal do Jornal do Comércio de Pernambuco, “enquanto o modernismo, no mundo e no Brasil, começou a insistir de maneira quase autônoma em imperativos como o construtivismo, os pintores pernambucanos torciam o nariz para ditaduras estéticas”. Seus artistas locais continuaram pintando as paisagens brasileiras do nordeste. Pernambuco foi o local onde se inaugurou, no continente sul americano, a pintura de paisagens, com os pintores holandeses que vieram para cá a convite de Maurício de Nassau, em especial Frans Post.

Marcos Lontra, crítico e historiador da arte, afirma que Frans Post foi o primeiro artista a pintar a paisagem brasileira “mais de um século antes da chegada da Missão Artística Francesa ao Brasil, em 1816”. Ele diz ainda que “a pintura pernambucana foi fundamental para  a formação de um olhar na pintura brasileira, que se estrutura com Post, se espraia com acadêmicos como Telles Jr, fundamentando-se com Cícero Dias no Modernismo brasileiro”. Marcos Lontra é o curador desta exposição.

"Paisagem brasileira", pintura de Frans Post, séc. XVII
“A paisagem pernambucana é um dos grandes temas da paisagem brasileira. O Brasil ainda precisa entender e reconhecer melhor a contribuição de Pernambuco para a arte contemporânea do Brasil. Quando se fala do modernismo, repetimos quase sempre o discurso hegemônico paulista. No caso pernambucano, o modernismo tem uma relação direta com o Movimento Regionalista (liderado por Gilberto Freyre). Não é uma questão de primazia, de dizer o que é melhor ou pior, mas de especificidade do Modernismo pernambucano. Através dos diálogos com a Europa, por meio das famílias ricas, o moderno é sempre pensado em diálogo com o regional”, apontou Marcos Lontra ao Diário do Comércio.

Esta mostra traz obras de cinco séculos de artistas pernambucanos: de Frans Post a Albert Eckout, de Telles Júnior a Cícero Dias, de Francisco Brennand a Tereza Costa Rêgo, que participa com um de seus grandes paineis sobre a Batalha dos Guararapes. “Tereza é uma pintora quem tem a coragem de enfrentar questões históricas com trabalhos violentos”, observou o curador, que também ressaltou o caráter cultural de formação de identidade nos paisagistas pernambucanos.

Pernambuco, lugar da mais rica tradição cultural, sempre teve altíssima produção artística, ainda não devidamente reconhecida, por causa da visão hegemônica que recai praticamente só sobre a produção sudeste, em especial São Paulo e Rio. Mas em Pernambuco, poetas, pintores, fotógrafos, cartunistas, arquitetos, dramaturgos, editores, escultores, músicos, dançarinos, cantadores, cineastas, pensadores, escritores (sem falar na imensa quantidade de artistas mais ligados às tradições populares da cultura pernambucana) foram sempre os responsáveis pela efervescência cultural do meu Estado, onde se destacam nomes como os Vicente do Rego Monteiro, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Aloísio Magalhães, Ariano Suassuna, Abelardo da Hora, Kleber Mendonça Filho, Tereza Costa Rêgo, Antonio Nóbrega, etc.

Abelardo da Hora, escultor pernambucano falecido em 2014, com uma de suas esculturas

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Tenho por mim

Hoje encontrei este desenho do poeta cubano Nicolás Guillén, que fiz há algum tempo. Porque recebi hoje este poema dele, que reproduzo abaixo, em tradução livre minha do espanhol. Quando terminei de ler o poema, lembrei dos rostos que já desenhei e que caberiam dentro desta poesia. Assim como me lembrei de muitos rostos do meu povo, o brasileiro.

O momento atual no Brasil é preocupante: a elite brasileira, a velha, aquela rançosa, cheia de nhém-nhém-nhéns, mais uma vez quer se apossar do poder político brasileiro pra fazer a gente brasileira voltar para sua senzala, suas favelas, sua pobreza, sua cabeça-baixa, seu nordeste sofrido, sua inferioridade... de onde nunca deveria ter saído! Segundo esta elite vingativa.

Mas todos tinham começado já a se levantar depois de séculos de abandono! 

Ah elite brasileira retrógrada, incapaz de enxergar mais longe... 

("Garoa do meu São Paulo - timbre triste de martírios (...) São sempre brancos e ricos. Garoa sai dos meus olhos!", no dizer de outro poeta, Mário de Andrade.)

Ah Euclides da Cunha, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado, Florestan Fernandes, Mário de Andrade! Ah Ariano Suassuna, Antonio Nóbrega, Rolando Boldrim, Chico Buarque, Marieta Severo, Gilberto Gil! Ah amantes todos do Brasil, do seu povo e sua cultura! 

Se não tomarmos cuidado hoje, a roda volta a girar para trás de novo...



TENHO POR MIM


Nicolás Guillén

Quando me vejo e toco
eu, João sem Nada ontem
e hoje João com Tudo
e hoje com tudo
volto meus olhos e miro
me vejo e toco
e me pergunto como isso pode ser.

Tenho por mim, vamos a ver,
eu tenho o gosto de andar por meu país
dono de quanto existe nele
olhando bem de perto o que antes
não tive e não podia ter.


Safra posso dizer,
monte posso dizer,
cidade posso dizer,
exército dizer,
agora meus para sempre, e teus, nossos
e um amplo esplendor
de raio, estrela, flor.

Tenho por mim, vamos a ver,
tenho o gosto de ir
eu, campesino, operário, gente simples,
tenho o gosto de ir
- quereis um exemplo? -
a um banco e falar com o administrador,
não em inglês,
não falando “senhor”,
mas dizendo “compañero”, como se diz em espanhol.


Tenho por mim, vamos a ver,
que sendo um negro
ninguém pode me deter
à porta de uma festa ou de um bar.
E nem no carpete de um hotel
gritar-me que não tem quarto,
um mínimo quarto, e não um quarto enorme,
um pequeno quarto onde eu possa descansar.

Tenho por mim, vamos a ver,
que não há guarda rural
que me agarre e me prenda em um quartel,
nem me arranque e me expulse de minha terra
no meio do caminho real.


Tenho por mim que como tenho a terra, tenho o mar,
não “country”,
não “jailáif”,
não tênis e não “yatch”,
a não ser de praia em praia e onda em onda,
gigante azul aberto democrático:
enfim, o mar.


Tenho por mim, vamos a ver,
que já aprendi a ler,
a contar,
tenho por mim que já aprendi a escrever
e a pensar
e a rir.

Tenho por mim que já tenho
onde trabalhar
e ganhar
o que preciso para viver.

Tenho por mim, vamos a ver,
tenho o que eu teria que ter.












segunda-feira, 20 de julho de 2015

Paisagistas ingleses na Pinacoteca

"Destruição de Pompeia e Herculano", John Martin
A Pinacoteca do Estado de São Paulo está apresentando, desde 18 de julho, a exposição "A Paisagem na Arte: 1690-1998", com artistas ingleses cujos quadros fazem parte da coleção do Tate Britain de Londres. É uma parceria entre a Pinacoteca e o Tate, considerado o mais antigo museu de arte do mundo.

Com curadoria de Richard Humphreys, a mostra apresenta mais de 100 obras de artistas paisagistas clássicos do século XVIII, assim como românticos, pré-rafaelitas e impressionistas do século XIX até os pioneiros modernistas do século XX e contemporâneos das últimas décadas.

Fui ver esta exposição no fim de semana, mas confesso que me decepcionei um pouco. Esperava ver mais obras de William Turner, este, sim, o grande paisagista inglês. Tem apenas duas ou três telas a óleo dele e mais umas três aquarelas. Assim como uma única paisagem de John Singer Sargent, que foi mais pintor retratista. E de John Constable, também somente dois ou três trabalhos.

Mas foi bom ter visto que a Pinacoteca estava cheia de gente, a entrada era gratuita no sábado. As pessoas têm muito interesse em ver obras de arte, como pode ser verificado a partir da quantidade enorme de pessoas que têm ido à Pinacoteca, ao CCBB-SP, ao MIS, ou a qualquer outro espaço cultural onde esteja ocorrendo uma exposição de arte, nestes últimos anos. Com tendência a crescer.

Mas esta exposição dos ingleses paisagistas traça o desenvolvimento de uma das maiores contribuições da Grã-Bretanha para a arte europeia que foi a pintura de paisagem. Entre os destaques estão obras de William Turner (1775-1851), John Constable (1776-1837), Ben Nicholson (1894-1982) e Richard Long (1945). A mostra está dividida em nove setores que vão de 1690 a 1998. O texto de divulgação no site da Pinacoteca apresenta esta seguinte ordem:

1 - Descobrindo a Grã-Bretanha - Nesta sessão, é possível observar o crescimento do interesse pela paisagem natural da Grã-Bretanha durante o século XVIII, em um momento em que o fascínio e o orgulho pelo país natal andavam de mãos dadas com o entusiasmo pelas descobertas de exploradores, naturalistas, comerciantes e imperialistas à medida que o Império Britânico se expandia pelo mundo. As Ilhas Britânicas eram “descobertas” da mesma maneira que as distantes terras exóticas.

2 - Sonhos pastorais - O termo “pastoral” define uma gama complexa de formas artísticas e literárias que surgiram a partir do período clássico. Duas obras de Thomas Gainsborough (1727-1788) poderão ser vistas nesta sessão: em uma delas, um cavalheiro toca um instrumento em um mundo ideal, na outra, um paraíso completamente imaginário de pastores de vacas com seus satisfeitos rebanhos.

Pinacoteca de São Paulo
3 - A visão clássica - Nesta sessão, será possível conferir obra de Joseph Mallord William Turner (1775-1851), talvez o maior paisagista britânico de todos os tempos, que também aplicava princípios clássicos tanto em cenas italianas quanto em panoramas nativos. Nesta época, as paisagens clássicas eram tão celebradas pela aristocracia britânica, que muitas propriedades foram reformadas com o objetivo de incorporar nelas as suas características visuais e arquitetônicas.

4 - Romantismo - O romantismo compreende um vasto leque de formas culturais que surgiram em toda a Europa entre os anos 1770 e 1830. As grandes mudanças históricas do período, tais como a Revolução Francesa, a Revolução Industrial e a ascensão do nacionalismo, constituem o contexto turbulento em que o romantismo se desenvolveu. As artes topográfica, clássica e pastoral influenciaram a pintura romântica inglesa, mas no começo do século XIX ela encontrou uma forma própria de expressão. 

5 - Fidelidade à natureza - As pinturas desta seção têm relação com a ideia de fidelidade à natureza e representam uma rejeição de muitos aspectos do romantismo. A prática de fazer desenhos de observação da natureza ao ar livre popularizou-se entre os artistas profissionais e amadores no final do século XVIII e foi um dos pilares daquilo que se tornou conhecido como “pitoresco”.

6 - Impressionismo - O impressionismo foi um movimento radical da arte francesa nas décadas de 1860 e 1870. A arte experimental francesa do século XIX nasceu de um debate sobre o valor do esboço em relação à pintura terminada e acerca do poder das instituições acadêmicas sobre a formação artística e as exposições de arte. Desde o começo daquele século, muitos artistas franceses haviam admirado a pintura de paisagem britânica em razão de seu frescor antiacadêmico. Os vínculos entre a arte britânica e a francesa eram variados e complexos, e artistas de ambos os países cruzavam com frequência o Canal da Mancha.
Paisagem de John Constable
7 - Redescobrindo a Grã-Bretanha - No começo do século XX a pintura britânica englobava um leque diversificado de abordagens. O impressionismo, outrora ridicularizado, tornara-se um estilo estabelecido e dono de um mercado forte, enquanto outros artistas continuavam pintando nos estilos pré-rafaelita, simbolista e social-realista. Nesta sessão, será possível conferir John Dickson Innes (1887-1914) e seu o desejo de fazer experimentações mais radicais de forma e cor em suas paisagens.

8 - Um novo romantismo - Muitos artistas neoromânticos foram empregados como artistas oficiais de guerra no front interno durante a Segunda Guerra Mundial. Em suas pinturas de paisagem, figurando edifícios antigos e cidades arruinadas, eles criaram imagens que refletiam as emoções complexas que caracterizaram o período de guerra, como o terror, a euforia, a nostalgia e o escapismo.

9 - Novas paisagens, velhas paisagens - O neoromantismo foi sucedido por uma retomada da arte realista no começo da década de 1950. Já em 1960, no entanto, os artistas britânicos haviam começado a responder à arte e à cultura norte-americanas. A arte conceitual britânica das décadas de 1960 e 1970 também se interessava pela “noção de lugar”. Richard Long (1945) é um dos artistas desta sessão, criando uma arte paisagística híbrida e poética a partir da associação de mapas, textos e fotografias.

Os artistas presentes nesta exposição são: Século 18: Richard Wilson, George Stubbs, Thomas Gainsborough, Joseph Wright, Philip James de Loutherbourg, Francis Towne, John Mallord William Turner, Thomas Girtin; século 19: Joseph Mallord William Turner,  John Constable, John Sell Cotmann, Richard Parkes Bonington, John Martin, Samuel Palmer, Edwin Landseer, William Dyce, David Roberts, John Everett Millais, William Holman Hunt, John Brett, James Abbott McNeill Whistler, John Singer Sargent; século 20: Walter Sickert, Stanley Spencer, Augustus John, Paul Nash, David Bomberg, CRW Nevinson, Ben Nicholson, Christopher Wood, Graham Sutherland, John Piper, Edward Burra, Eric Ravilious, LS Lowry, Peter Lanyon, Frank Auerbach, David Inshaw.

"Montanhas de Moab", John Singer Sargent
"Dido e Eneas", de William Turner

quinta-feira, 9 de julho de 2015

A eterna novidade do mundo

"Pequena rua", Jan Vermeer, 1657
“O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…”


Fernando Pessoa é nítido como um girassol, neste poema… Por isso, me agarro a ele para alguma reflexão sobre a percepção humana.

Temos cinco sentidos, cinco portas abertas para percebermos o mundo, e isto aprendemos nos primeiros tempos da escola infantil: audição, paladar, olfato, tato e visão. Ouvimos música. Saboreamos uma comida. Cheiramos. Tateamos alguma maciez que passa agradável por nossos dedos. Olhamos, no museu, uma bela pintura.

Olhamos? Sim. E não.

Pescador no mar, William Turner, 1796
Segundo pesquisas científicas recentes e nem tanto assim, pois Charles Darwin já havia estudado o assunto, a visão humana foi um dos últimos sentidos a se desenvolver em nossos ancestrais. Em nosso desenvolvimento humano, diz a medicina que a visão humana só está completa aos cinco anos de idade de uma criança. Ao mesmo tempo, sabemos que o olho humano é um sistema óptico complexo. Ele acabou se sobrepondo aos outros quatro sentidos de percepção, e usamos a visão para completar todas as informações que nos vêm dos outros modos de sentir o mundo.

Mas nas Artes Visuais muito mais é transportado à mente humana pelo olho do que a simples imagem ou sensação de cor.

Harold Speed, um pintor inglês que viveu até 1957, em seu livro “Oil painting, techniques and materials”, que estou lendo, diz que os primeiros desenhos que surgiram na civilização humana foram feitos a partir não da visão que tinha um objeto, por exemplo uma ânfora, mas a partir do tato, da mão que passeou pela forma do objeto e verificou seus limites. O sentido do TATO foi o que orientou a arte durante séculos, até o Renascimento e provavelmente até muito depois dele. O desenho localiza as coisas no espaço, concebido como traçados de linhas. As linhas impunham o limite às coisas, que se encontravam separadas entre si. Nas composições primitivas, diz Speed, a descrição dos objetos era feita em contornos de linhas, uma ideia do limite que todos os objetos sólidos têm. E isso é resultado do sentido do tato, segundo ele.

Pintura de James A. Whistler
Foi preciso a humanidade evoluir durante muito tempo para chegar até os estudos de Leonardo da Vinci sobre a relação entre a Luz e a Escuridão. As grandes escolas de pintura dos séculos XVI, XVII e XVIII desenvolveram a ideia da solidez dos objetos no espaço não mais através de linhas, mas através da relação entre luz e sombras, dando a ideia de volume, profundidade, terceira dimensão às coisas pintadas. Da Vinci desenvolveu sua ideia de sfumato, esfumaçando mesmo as massas de cores em sua relação luz-sombra. Mas… até o século XVIII - aponta Harold Speed - todas as escolas de pintura se voltavam para o conceito de pintar o objeto localizando-o no espaço! Mas isso não seria óbvio?


Para o pintor, só o movimento Impressionista é que trouxe, pela primeira vez, a novidade de se enfatizar mais a Cor do que a Forma dos objetos e do mundo em geral. O Impressionismo, que se desenvolveu junto com o Realismo do final do século XVIII e do século XIX, começou a tratar os objetos, as cores, as composições, as luzes e sombras como um TODO único! Não houve um grande pintor depois disso que não foi influenciado por esta novidade dos pintores impressionistas, diz Harold Speed.


Pintura de Burton Silverman
E também acabou por influenciar, ou mesmo direcionar, a chamada “arte moderna” do começo do século XX, com tudo o que trouxe de bom e com tudo o que trouxe de muito ruim. Claro que artistas mais radicais levaram algumas dessas obras a quebrar com toda a tradição e, como muitos movimentos de rompimento, negaram qualquer relação de sua obra com a arte do passado. Mas, como também observa o pintor inglês, que viu pessoalmente alguns desses trabalhos, “eles têm tanta relação com a arte como a banda local do Exército da Salvação”...

Mas não falemos disso agora, porque estamos falando de visão (mas falando de visão, o retorno ao uso de linhas da “arte moderna” não seria um meio de expressão tão antigo quanto os hieróglifos egípcios? Penso nas linhas das pinturas de Picasso, por exemplo).

Muitas vezes na vida tenho me perguntado por que a maioria das pessoas é incapaz de distinguir uma boa de uma má pintura? Por que o comum das pessoas - hoje em dia em especial - se ligam mais no colorido do que na forma? Ou se se ligam na forma, por que sempre estão fazendo comparações com a fotografia? Se um pintor realiza bem um trabalho, o melhor elogio que recebe é “tão bom que parece uma foto”. Por que a grande parte das pessoas não percebem e apreciam as qualidades artísticas reais do trabalho, aqueles mais sutis e refinados, como composição, ritmo e equilíbrio dos valores (dos tons das cores)?

É um problema com a visão? Não enxergamos direito?

Até certo ponto, sim!

Aquarela de Burton Silverman
Na história das cores, sabemos que a cor Azul só entrou na palheta dos artistas depois do século XIII! Antes, só preto, branco, amarelo e vermelho fazia parte do mundo das cores vistas. Verde e azul eram constantemente confundidos na mente humana. Assim como não distinguíamos as relações entre luz e sombra, não tínhamos a percepção da imensa escala de cores que hoje podemos alcançar.

E há ainda um outro fator, que tem mais a ver com a nossa cultura ocidental. O racionalismo desenvolvido ao longo dos últimos séculos, aquele que continuava incentivando o artista a localizar os objetos no seu espaço, é o mesmo que não leva em consideração os aspectos espirituais da arte, tentando trazer sempre todo o conhecimento, inclusive o artístico, para a “luz dura e fria da percepção” puramente “intelectual”, como observa Harold Speed. Que diz também: “Grandes obras de arte ainda permanecem fora do mundo do intelecto puro”.
Mas a pintura, uma atividade humana altamente qualificada, possui uma linguagem universal, capaz de expressar muito mais coisas do que possa imaginar a nossa vão filosofia…

Que hoje mais do que nunca habita o reino da superficialidade...

Pintura de Joaquín Sorolla
Vemos mais a Forma das coisas do que suas cores. Mas vemos também as Cores. E por que não vemos além? Por que não vemos as diferenças de Tom, de Valor?

As pessoas vão ao museu ver belas pinturas, mas não enxergam, por exemplo, as relações entre luz e sombra que afetam as cores locais, levando um objeto amarelo a ter uma variação que pode chegar até o branco ou até o verde, caso seja o caso… Claro, não somos educados para isto. Não aprendemos a ver. Apenas a olhar. Ver e olhar são coisas muito diferentes, quase antônimas, diria eu…

Se em nossas escolas infantis e médias, se em nossas universidades, se em nossas famílias, se em nossas vidas atuais fôssemos educados a enxergar além da casca das aparências das coisas…. Bom, aí o mundo também já seria um outro! Pois se perde grande parte da graça do mundo com essa visão imperfeita…

Repito incansavelmente aos meus alunos de desenho a frase de Beth Edwards, uma artista norte-americana: aprender a desenhar é aprender a ver! Por isso, quando andarmos por aí, como o poeta, pelas estradas, olhando para a direita e para a esquerda, olhemos para o mundo com o olhar prescrutador… Você vai ficar pasmo com o que vai ver da "eterna novidade do mundo"!


Pintura de William Turner
Pintura de William Turner

terça-feira, 30 de junho de 2015

José Benlliure y Gil

La Barca de Caronte, José Benlliure y Gil, óleo sobre tela,103 x 176 cm, 1919
José Benlliure y Gil
Um dos pintores espanhois que conheci nesta minha última viagem à Espanha foi José Benlliure y Gil. Faz parte da coleção do Museu do Prado seu quadro “El descanso en la marcha”, pintado em 1876. Anotei seu nome e fui pesquisar sobre sua obra e história. Não temos muita coisa sobre sua biografia, mas é um pintor da geração espanhola do século XIX que vale a pena conhecer. Em especial pela pintura impressionante que está no topo deste post, "La barca de Caronte".

José Benlliure y Gil nasceu no pequeno povoado de Canyamelar, situado à beira mar, no município de Valencia, onde também nasceu Joaquín Sorolla, grande pintor espanhol. Ele nasceu no dia 30 de setembro de 1855, numa casa pertencente à família Beltrán, onde seus avós trabalhavam como caseiros. 

Filho de Juan Antonio Benlliure Tomás e Angela Gil Campos, ainda muito pequeno seus pais mudaram-se para uma rua baixa da cidade de Valencia, no bairro de Carmen, bairro de ruas e casas simples, onde José viveu sua infância. Sua família vinha de longa tradição artística. Seu irmão, Mariano Benlliure, se tornou um escultor de muito sucesso; seu outro irmão, Juan Antonio, aprendeu a pintar com José e também se tornou pintor.

Após seus primeiros anos de estudo escolar, foi matriculado na Escola de Belas Artes de Valencia, aos 14 anos, e passou a frequentar o círculo dos pintores que se reuniam em volta do ateliê de Francisco Domingo Marqués (1842-1920), de quem José Benlliure foi aluno.

"El tío José de Villar del Arzobispo",
1919, óleo sobre tela, 79 x 66 cm
Com 16 anos de idade apenas pintou os retratos dos filhos do rei Amadeo I de Saboya. Logo em seguida, com 17 anos, foi para Paris com um bolsa de estudos que ganhou da prefeitura de Valencia. Em 1876, com 21 anos de idade, ganhou uma medalha na Exposição Nacional de Artes com a obra “El descanso en la marcha” (ver abaixo). No mesmo ano, termina seus estudos na Escola de Belas Artes de Valencia.

Casou-se em 1880 com María Ortiz Fullana e muda-se para a cidade de Roma, na Itália, onde nasceram seus quatro filhos. Mais tarde, muda-se para a cidade de Assis, no norte da Itália. Em 1888 viaja pelo norte da África, passando por Argélia e Marrocos, onde se deixou influenciar pela cultura exótica e orientalista, o que era moda naquela época. Diversos outros artistas também tiveram esta influência, como Eugène Delacroix e Paul Gauguin, entre outros.

Em 1904 foi nomeado diretor da Academia de Belas Artes de Espanha em Roma, cargo que deixa em 1912 para se mudar definitivamente para sua terra, Valencia.

"El tío Maties", óleo sobre tela,
34 x 43 cm, 1900
Em 1919 foi nomeado presidente honorário do Círculo de Belas Artes e da Juventude Artística Valenciana, assim como “delegado regio” de Belas Artes daquela cidade. Em 1922, tornou-se diretor do Museu de Belas Artes e, de 1930 em diante, passou a ser o diretor da Real Academia de Belas Artes. 

José Benlliure y Gil foi bastante reconhecido em vida e muito respeitado em sua cidade, que lhe deu, em 1924, o título de “hijo predileto”. Ele também foi membro da prestigiada Academia Real de Belas Artes San Fernando de Madrid, onde estudaram grandes pintores espanhois.

José Benlliure y Gil faleceu no dia 5 de abril de 1937, deixando uma obra em que retratou os costumes do povo valenciano, assim como quadros com temas religiosos e retratos de eclesiásticos e burgueses. 

Benlliure tinha um estilo muito próprio e dava o mesmo tratamento a temas os mais simples e os mais grandiosos.

Graças a seu trabalho de documentar em pintura a vida dos valencianos, hoje é possível ver como era a vida naqueles tempos em sua região. Em suas telas aparecem personagens locais como “Tio Andreu de Rocafort” e o “Tio José de Villar del Arzobispo”, além de outros quadros.


El descanso en la marcha, 1876, óleo sobre tela, 118 x 168 cm
Autorretrato, José Benlliure y Gil
El tio Andreu de Rocafort, 99 x 68 cm, óleo sobre tela
Sacerdote revestido, óleo sobre tela, 85 x 63 cm
Na missa, 96 x 146 cm, óleo sobre tela
Retrato de Maria Ortiz em hábito de Monja, guache sobre cartão, 1887, 32 x 30 cm