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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Natureza morta
Acabei de terminar a pintura dessa natureza morta com pastel colorido. É um dos estudos do atelier para treinar a aplicação da cor intensa, sem opacidade, em camadas que vão trazendo o efeito de cor local. Uma coisa importante sobre isso é que quando se pinta um quadro usando o esquema rígido da cor local, a tendência é que a pintura saia dura, estática. Mas com o movimento das massas que ultrapassam a forma do objeto e essa movimentação de cores que se repetem em vários pontos, dão o ritmo e criam a sensação de movimento, de brilho e de mais realidade. Não é necessário descer ao detalhismo extremo do modelo observado, para que o efeito geral traga a quem observa uma sensação de que tudo aquilo que está ali apenas sugerido, seja o suficiente para formar um todo coerente. David Leffel, pintor norte-americano, sempre atenta para isso: o pintor não está pintando um pão, um peixe, uma faca, um vaso... Está pintando relações de espaço, ritmo e principalmente está pintando a Luz.
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
"O tempo em que o mundo tinha a nossa idade"
"Quero pôr os tempos em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências. Mas as lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me roubarem do presente. Acendo a estória, me apago a mim. No fim destes escritos, serei de novo uma sombra sem voz.
Sou chamado de Kindzu. É o nome que se dá às palmeiras mindinhas, essas que se curvam junto às praias. Quem não lhes conhece, arrependidas de terem crescido, saudosas do rente chão?"
Terminei de ler "Terra sonâmbula" de Mia Couto, escritor moçambicano que transforma prosa em verdadeira poesia. Como Guimarães Rosa - que ele conhece bem - qualquer coisa do mundo, mesmo a fome, mesmo a guerra, mesma a solidão... vira coisa bela. Para mim, isso faz o artista: captura qualquer imagem do seu mundo, tempera-a com o fogo de seu próprio coração, após atravessar muitas vezes a barreira de lágrimas formadas em seus olhos, e devolve ao mundo o que viu e sentiu, em forma de arte. Para que as pessoas possam ver o mundo, ver e rever, perceber, com outros olhos. Ver, rever, perceber, mudar o mundo.
Me lembrei de uma frase do poeta Mário Quintana, que, com sua licença, faço uma adaptação: A Arte não muda o mundo, a Arte muda o homem. E o homem muda o mundo...
Fiquei com vontade de pintar o rosto de Kindzu, um Kindzu já velho, pleno de experiência, marcado pelos sofrimentos da sua gente moçambicana, repleto da mais pura poesia que sai de seus olhos vermelhos. Em nossa língua portuguesa.
Acima está o meu "Kindzu dos olhos vermelhos", pastel sobre papel canson.
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domingo, 11 de setembro de 2011
Um outro tempo
Estudo de fluxo de luz, pastel em tons de cinza |
Mas o tempo é outro, outro o ritmo e outra a forma de olhar para o mundo, quando se cria. Uma maneira mais quieta, mais meditativa, mais reflexiva. Para a arte o tempo é outro e é preciso se afinar com esse tempo. É a única forma de perceber a sutileza das coisas do mundo. E a única para criar.
Como diz a música de Chico Buarque, o TEMPO E ARTISTA:
"Imagino o artista num anfiteatro onde o tempo é a grande estrela
Vejo o tempo obrar a sua arte, tendo o mesmo artista como tela
Modelando o artista ao seu feitio, o tempo, com seu lápis impreciso
Põe-lhe rugas ao redor da boca como contrapesos de um sorriso
Já vestindo a pele do artista, o tempo arrebata-lhe a garganta
O velho cantor subindo ao palco apenas abre a voz, e o tempo canta
Dança o tempo sem cessar, montando o dorso do exausto bailarino
Trêmulo, o ator recita um drama que ainda está por ser escrito
No anfiteatro, sob o céu de estrelas um concerto eu imagino
Onde, num relance, o tempo alcance a glória e o artista, o infinito."
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
"Um homem é o espelho do outro"
Boris, pastel sobre papel canson, Mazé Leite, 2011 |
"Suponhamos aquilo que produzimos como seres humanos. Cada um de nós se afirmaria duplamente em sua produção: em relação a si próprio e ao outro. Em minha produção, eu realizaria a individualidade da minha vida. E contemplando o objeto produzido, alegro-me ao reconhecer minha própria pessoa como um potencial que se realizou como algo visível, tangível, objetivo.
O uso que você faça do que eu produzi, e o prazer que eu obtenha, dar-me-ia a alegria espiritual de satisfazer, através do meu trabalho, uma necessidade humana, de contribuir para a realização da natureza humana e de aportar, ao outro, o que lhe é necessário. Nossas produções seriam como espelhos em que nossos seres se irradiam de um para o outro. Um homem é o espelho do outro."
(Karl MARX, in "Economia Política e Filosofia", 1844)
Um dia desses fomos a São Francisco Xavier, interior de São Paulo. Na volta, pensamos que podia ser bom voltar pela rodovia Fernão Dias. Só que no caminho - estrada de terra - nos perdemos, quando vimos este homem aí acima. Paramos. Cumprimentamos o homem que se misturava ao mato e ao fim do dia, quase noite.
Perguntei: posso tirar uma foto do senhor? Sim, respondeu simpático. E contou que é filho de um lituano que veio para o Brasil na década de 1930, que seu pai falava 5 idiomas, fluentemente, entre eles russo e francês. Que ele - esse homem - se chama Boris; seu sobrenome eu não entendi, mas era algo que soava como soam os sobrenomes do norte da Europa. E o Boris nos indicou o caminho certo de voltar para São Paulo. Trouxe esse homem em meu coração. Esta é minha homenagem a ele.
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