quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Inesquecível Van Gogh

Estudo em óleo para a tela "Os comedores de batata", 1885, Vincent Van Gogh
Van Gogh com 13 anos
Neste último dia 29 de julho, completaram-se 123 anos da morte de um dos pintores mais conhecidos do mundo: Vincent Van Gogh, sobre quem já falamos aqui neste Blog, em outro post (veja aqui). Mas é sempre bom falar e lembrar deste artista que vivia em permanente agonia expressiva. Com temperamento cheio de altos e baixos, ele deixou uma obra enorme e muito característica, que ainda hoje impressiona.

Diversos eventos em várias cidades europeias lembraram a data de sua morte. A pequena cidade Auvers-sur-Oise onde ele morreu e encontra-se enterrado ao lado do irmão Theo, fez uma pequena retrospectiva histórica da presença de Vincent por lá. A igreja pintada por ele, o Albergue Ravoux que ainda existe, onde ele morou e onde seu quarto se encontra ainda intacto. Dois designers de animação também homenagearam Van Gogh dando vida a várias de suas pinturas, como o italiano Luca Agnani e o artista grego Petros Vrellis, que animou a pintura - uma da mais famosas do artista holandês - “A noite estrelada” (Veja o vídeo abaixo).

E a galeria Eykyn Maclean de Londres, de 26 de setembro a 29 de novembro próximos, apresenta uma exposição intitulada “Van Gogh em Paris”, sobre os anos de 1886 a 1888, quando o artista vivia e trabalhava na capital francesa.
Fachada atual do Albergue Ravoux,
onde ele viveu em Auvers-sur-Oise

Os dois anos que Van Gogh passou em Paris representam uma parte importante de sua prolífica carreira. Este período foi marcado por uma transição no estilo artístico do pintor, que se distancia então de uma predominância de coloração escura em suas obras, dando mais luminosidade e expressão a seu trabalho. A mostra inclui trabalhos raramente expostos, onde a maior parte provém de coleções privadas. Estas obras são acompanhadas de outras de seus contemporâneos, como Monet, Pissarro, Toulouse-Lautrec e Gauguin. Essa galeria londrina é uma galeria privada, com espaços de exposição em Londres e New York. É especializada em obras de altíssima qualidade do movimento impressionista, tanto os da época dos princípios desse movimento, quanto os dos artistas contemporâneos.


Sorrow, 1882, Van Gogh
Mas destacamos aqui, com uma ênfase grande, o inegável e incansável trabalhador da arte que foi Vincent Van Gogh. Ele desenhava e pintava noite e dia. Parecia que tinha uma necessidade extrema por se expressar de algum jeito. Nas inúmeras cartas que escreveu a seu irmão Theo, durante anos, ele expunha suas ideias estéticas e sua atividade infatigável de ver o mundo com os olhos do artista, desenhando, fazendo apontamentos, observações. Nestas cartas (Cartas a Theo) se pode conhecer sua prática artística intensa.

Sua obra é plena de um realismo que pode se chamar de impressionista e neo-impressionista, e foi ele quem antecipou outros movimentos pictóricos do final do século XIX e começo do XX, como o Fauvismo e o Expressionismo.

Abaixo destaco alguns trechos de suas cartas (são só 4 exemplos escolhidos entre inúmeros outros), onde ele relata sua vida diária desenhando e pintando. Para mim é importante fazer esse destaque sobre Van Gogh, pois nos dias atuais predomina o pensamento de que o artista não precisa mais de técnica e nem “perder tempo” praticando sua arte, desenhando. Mas a história e os mestres estão aí para mostrar que um artista não se constrói de uma hora para outra, nem nasce feito, como um “privilegiado” de Deus. TODOS - sem exceção - trabalharam horas e horas, dias, meses e anos a fio em seu ofício, deixando ao mundo o resultado de seu intenso trabalho: a obra de arte. Hoje, diante delas, em algum sentido, somos profundamente impressionados.

Exemplo 1:
“Bruxelas, 1 de novembro de 1872, Boulevard du Midi.
Andei desenhando estes últimos dias uma coisa que me custou muito trabalho, porém me sinto feliz por tê-la feito; desenhei à pena um esqueleto de uma dimensão grande, em cinco folhas de papel Ingres.
1 folha: a cabeça, esqueleto e músculos.
1 folha: tronco, esqueleto.
1 folha: palma da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: dorso da mão, esqueleto e músculos.
1 folha: pélvis e pernas, esqueleto.

Fiz esse trabalho a partir de um manual de John: Esboços anatômicos para uso dos artistas. Nesta obra há uma quantidade grande de desenhos das mãos, dos pés, etc, que me parecem muito claros e eficazes.

Agora vou terminar completamente o desenho dos músculos, especialmente do tronco e das pernas, que irão formar, com os desenhos já executados, um corpo humano completo; na sequência, o corpo visto pelas costas e de lado.

Vês, pois, que prossigo com certa energia; mas essas coisas não são tão fáceis e exigem tempo e sobretudo muita paciência.
Esboço para "Marguerite Gachet
ao piano", Van Gogh

Vou tentar, na escola veterinária, conseguir umas reproduções de anatomia, por exemplo, do cavalo, da vaca e do carneiro, e desenhá-las como fiz com a anatomia do corpo humano. Existem leis para a proporção, para luz e sombra, para perspectiva, que devemos conhecer para poder desenhar; se não possuímos este conhecimento, estaremos sempre numa “luta estéril” e não conseguiremos “parir”. É por isso que acredito ter procedido bem quando tive a ideia de desenhar a anatomia e quero me esforçar para, neste inverno, adquirir um bom repertório de anatomia; não posso esperar mais, pois, do contrário, o prejuízo seria maior se eu perdesse meu tempo. Acredito que esta também seja sua maneira de ver. O desenho é uma luta dura e árdua. (...)”

Exemplo 2:
“Bruxelas, janeiro de 1881
Meu caro Theo,
Quase todos os dias tenho algum modelo; um velho contínuo, algum operário, um moleque que eu faço posar. Domingo que vem, talvez eu tenha um ou dois soldados que virão posar. E como agora não estou mais de mau humor, faço de você, e de todo mundo em geral, uma ideia completamente diferente e melhor. Também voltei a desenhar uma paisagem, uma chameca, o que não fazia à muito tempo.

Gosto muito de paisagens, mas gosto dez vezes mais daqueles estudos de costumes, às vezes de uma verdade assustadora, como os de Gavarni, Henri Monnier, Daumier, de Lemud, Henri Pille; Th. Schuler, Ed. Morin, G. Doré (por exemplo, em sua “Londres”), A. Lançon, De Groux, Félicien Rops, etc etc... os desenharam magistralmente.

Agora, sem pretender de forma alguma chegar tão alto quanto eles, continuando contudo a desenhar estes tipos de operários, etc, espero chegar a ser mais ou menos capaz de trabalhar na ilustração de jornais e livros. Principalmente quando estiver em condições de pagar mais modelos, inclusive modelos mulheres, farei ainda mais progressos, sinto-o e sei disso.

E chegarei, provavelmente, também a conseguir fazer alguns retratos. Mas sob a condição de trabalhar muito; sequer um dia sem uma linha, como dizia Gavarni.

Exemplo 3:
Paris, verão de 1987
(...)
Meu querido Théo:

Estou cheio de trabalho, já que as árvores estão florindo e eu queria fazer um pomar da Provença cheio de uma alegria monstruosa. Escrever-te com a mente descansada apresenta sérias dificuldades: ontem te escrevi cartas que em seguida destruí.
Esboço para a tela "Quarto de dormir", Van Gogh

E encontrei uma coisa graciosa como não se encontra todos os dias.

É a ponte levadiça com um pequeno carro amarelo e um grupo de lavadeiras; um estudo onde a terra é um alaranjado vivo, a grama muito verde, o céu e a água azuis.

Falta-lhe apenas um quadro explicitamente calculado em azul royal e dourado, esse modelo com a bandeja azul e a haste exterior dourada; mas, se necessário, o quadro poderia estar em pelúcia azul; mas vale pintá-lo. Posso te assegurar que o que eu estou fazendo aqui é superior ao da campina de Asnières na última primavera

Estou de novo em pleno trabalho, com pomares sempre florescendo. O ar daqui definitivamente me faz bem; eu desejaria que pudesses respirá-lo a plenos pulmões; um de seus efeitos é muito engraçado: aqui um único copo de conhaque me deixa tonto; assim como eu não posso recorrer a estimulantes para fazer circular meu sangue, pelo menos, minha constituição física não vai de desgastar.

Somente que, desde que estou aqui, tenho o estômago terrivelmente enfraquecido; enfim, isso é um assunto que me pede muita paciência. Este ano espero fazer reais progressos, dos quais sinto uma grande necessidade.

Tenho um novo pomar que está tão bom quanto os damascos rosados e os pêssegos com seu rosa muito pálido.
Entrada para o quarto onde ele viveu,
no albergue Ravoux, ainda preservado

Atualmente trabalho com umas ameixas de um branco-amarelado com mil ramas negras.

Gasto muito com telas e cores, mas mesmo assim espero não estar perdendo dinheiro.

Também ontem eu vi uma tourada, onde cinco homens atormentavam o boi com bandeiras e fitas; um toureiro esmagou um testículo ao saltar a barreira. Era um homem loiro com olhos cinzentos, e com muito sangue frio; disse que ainda tinha um longo tempo. Ele estava vestido de azul celeste e dourado, exatamente como o cavalheiro de nosso Monticelli, que tem três figuras em um bosque. As areias são muito bonitas quando há sol e as multidões.

O mês vai ser difícil para você e para mim, mas seria a nosso favor se você consegue fazer todos os pomares em flor que pode. Agora me sinto muito bem para trabalhar, e me parece que que faltam uns dez sobre o mesmo tema.

Já sabes que sou muito inconstante em meu trabalho e que esta fúria de pintar pomares não durará muito. Além de tudo, virão possivelmente as areias. E tenho que desenhar muito, porque eu gostaria de fazer desenhos no estilo dos japoneses. Não posso fazer outra coisa a não ser bater no ferro enquanto ainda está quente...
(...)”

Exemplo 4:
“Nuenen, dezembro de 1883 - novembro de 1885
“Nos meus novos desenhos, começo as figuras pelo tronco e parece-me que elas adquirem assim maior amplitude e largura. No caso de não bastarem cinquenta, desenharei cem, e se isto ainda não for o suficiente, farei ainda mais, até chegar exatamente onde quero, ou seja, até que tudo fique redondo e que na forma não haja de modo algum nem começo nem fim, mas que se forme um conjunto harmonioso de vida.
Você sabe que é precisamente esta a questão que Gigoux trata em seu livro “Não começar pela linha, mas pelo meio”.
Muntz diz: o modelado é a virtude da arte, e o que ele mudou na frase de Ingres é que Ingres dizia: o desenho é a virtude da arte, acrescentando ‘eu gostaria de assinalar o contorno com um arame’. Herbert também tinha o que ele mesmo chamava de ‘consideração pela linha’.
Há outros ainda que pretendem que todos os dogmas são absurdos enquanto tais. Pena que isto também seja um dogma. É preciso pois limitarmo-nos a fazer aquilo que fazemos, e tentar tirar disso alguma coisa, procurar dar-lhe vida.
(...)
Eis o esboço de uma cabeça que acabo de fazer. Na minha última remessa de estudos, você recebeu a mesma, precisamente a maior delas, mas pintada de uma maneira lisa. Desta vez não estendi minha pincelada, e aliás a cor é totalmente outra. Eu ainda não havia conseguido uma cabeça a tal ponto pintada com terra, mas agora outras se seguirão”.
À esquerda, O Semeador, de Jean-François Millet, 1850 - - - À direita,  O Semeador (após Millet), 1889, Van Gogh
Dados biográficos

Vincent van Gogh nasceu em 30 de março de 1853, em Zundert, Holanda. Tentou ser pastor protestante, como o pai. Chegou a ter como primeira missão pastoral ir para uma região belga de minas de carvão, como pastor dos mineiros e operários que viviam e trabalhavam por lá. Entre 1879 e 1880, Van Gogh viveu em meio a esses trabalhadores que tinham uma vida miserável. Mas logo se viu que Van Gogh não tinha a menor vocação para ser pastor.

Voltou para a casa dos pais, já com 27 anos de idade e dizia-se que ele não sabia fazer nada. Seus pais se inquietavam com aquele filho complicado, cheio de suscetibilidades, e emocionalmente instável.

No natal de 1881 ele teve uma violenta discussão sobre religião com seu pai, que o mandou embora de casa.
Túmulos dos irmãos Vincent e Theo, em Auvers-sur-Oise

Foi então que seu irmão Theo, mais novo que ele, lhe dá seu apoio e se dispôs a ajudá-lo até o fim da vida. Theodore Van Gogh já estava em Paris, trabalhando, e envia-lhe uma mesada para que o irmão pudesse continuar seus estudos de pintura.

Em 1886 viajou para Antuérpia, matriculando-se na Academia de Arte da cidade. Mas não ficou nem trinta dias lá. Abandonou a escola e foi embora para Paris, indo morar com o irmão. Depois Van Gogh se mudou para Arles, interior da França, onde pretendia juntar os artistas em uma comunidade. Apenas Paul Gauguin se dispôs a segui-lo, em seguida abandonando-o porque com Vincent Van Gogh era muito difícil de conviver. As brigas eram muitas, e em uma delas Vincent cortou a própria orelha.

O temperamento dos dois irmãos era muito diferente e Theo sempre representou, para seu irmão angustiado, o protetor, o confidente, o amigo certo. Durante 10 anos, sem interrupção, Theo enviava a Vincent uma contribuição mensal, além de muitas vezes lhe enviar telas, pinceis e tintas. Sabemos que Van Gogh vendeu apenas uma tela enquanto esteve vivo. Atualmente, o mercado de arte avalia suas telas em milhões de dólares. Já em 1958, 68 anos depois da morte do artista, um leilão em Londres vendeu seu quadro “Jardim público em Arles” por 150 milhões de francos!

Vincent Van Gogh morreu no dia 29 de julho de 1890 em Auver-sur-Oise, na França, há exatos 123 anos atrás. Apenas seis meses depois, Theo também morreu e tinha deixado, como último pedido, uma recomendação de que o enterrassem junto a seu irmão Vincent, o que só aconteceu 24 anos depois, porque a família não possuía condições financeiras para levar o corpo de Theo até Auver-sur-Oise, na França.

VEJA ESTA ANIMAÇÃO FEITA PELO ARTISTA GREGO PETRUS VRELLIS:

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Arte e contemplação

Uma aquarela, feita em 1988, minha autoria
“Vejo que as tempestades vêm aí 
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos, 
batem nas minhas janelas assustadas 
e ouço as distâncias dizerem coisas 
que não sei suportar sem um amigo, 
que não posso amar sem uma irmã. 

E a tempestade rodopia, e transforma tudo, 
atravessa a floresta e o tempo 
e tudo parece sem idade: 
a paisagem, como um verso do saltério, 
é pujança, ardor, eternidade. 

Que pequeno é aquilo contra que lutamos, 
como é imenso, o que contra nós luta; 
se nos deixássemos, como fazem as coisas, 
assaltar assim pela grande tempestade, — 
chegaríamos longe e seríamos anônimos. “

(Contemplação, poema de Rainer Maria Rilke)

O frio úmido atravessava os tecidos grossos, dispostos em camadas, sobre as nossas peles nesta São Paulo gelada. Chovia e era noite. Minha alma era alcançada por esse ar glacial e essas gotas d’água, enquanto caminhava pela rua, encolhida de frio. Os tecidos eram poucos para aquecer as angústias da minha alma, enquanto meus pensamentos iam formulando ideias. Mas tem hora que é preciso apartar o coração da mente. Olhava as pessoas na avenida, me lembrando de que “eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta” como diz o poema de Mário de Andrade e que também em mim as “sensações renascem de si mesmas sem repouso”.

Rodin não saía dos meus pensamentos. Ou melhor, seus pensamentos não saíam de mim. Suas conversas sobre Arte com  Paul Gsell, que ando lendo, guiavam meus olhos entre as gotas d’água da chuva buscando ver os rostos sob os guarda-chuvas e capuzes que passavam do meu lado. Os rostos, as mãos, os gestos, os olhos, a alma. “Não se trata senão de ver”, conversava no meu cérebro a conversa de Rodin. Olhar sem ver não é coisa do artista verdadeiro, pois o artista verdadeiro vê a verdade interior que se esconde atrás das aparências, como se escondem hoje esses rostos atrás de seus cachecóis...

Victor Hugo, escultura de Rodin,
1883, bronze
Mas o mestre Rodin ainda ia falando: não basta olhar apenas com os olhos; para ver a natureza em profundidade tem que ser através dos olhos, mas é o coração que vê! Se não for pelo coração, pela alma, não é possível expressar o caráter, o sentido mais profundo e oculto das coisas.

Um pintor só consegue criar uma obra de arte quando ele consegue expressar esse caráter das coisas do mundo: a contração de uma fisionomia, as rugas de um rosto cansado, as mãos em crispação de medo, o olhar longínquo e profundo. Ou a beleza suave do rosto de um filho adormecido, a mão imóvel de sua mãe preparando a sopa. Ou as rugas no rosto do velho Jorge Saracura e suas mãos ágeis batendo no pandeiro. O sorriso largo em forma de canção que se espalha no rosto de Railídia e os pensamentos cravados na testa do poeta Jeosafá...

“Sim – diz Rodin – eu acusei, acentuei e exagerei a natureza, mas nunca a alterei”.

- Como o fez Velázquez, vai me dizendo ele nesta avenida enquanto o vento corta meu rosto: Velázquez deu glória àqueles anões da Corte, esses seres obrigados “a degradar sua dignidade humana” fazendo de conta que é louco, joguete nas mãos de poderosos.

- Ou como fez François Millet – e eu acrescento Courbet, Gustave Courbet. Sim, sim, que eram capazes de representar um camponês cansado que se apóia no cabo de sua enxada, aquele miserável, tostado de sol a sol, lavrando a terra, como uma mula de carga carregando sua vida nos ombros se embrutecendo no dia a dia por seu quinhão de vida...

Lhe interrompi um segundo: ontem eu vi os olhos de dona Cida da Camisa Verde e Branco, olhar de quem já viu de tudo nessa vida e viu um rapazinho estirado na calçada, com as pessoas passando por cima dele, como se fosse um cachorro, como se fosse um saco. E seus olhinhos – da tia Cida – angustiados sem compreender que mundo é esse que um ser humano é tratado assim? Mas ela exorciza suas angústias soltando sua voz nas rodas de samba, como seus e nossos antepassados negros nas senzalas exorcizavam a escravidão.

La danaîde, Auguste Rodin, 1888, mármore
“A arte expressa os sentimentos da alma humana diante da natureza”, diz Rodin. Ela ensina a sentir o mundo em sua complexidade e beleza. “Revela a seus contemporâneos extasiados mil matizes do sentimento”. Me lembrei de outro livro, de José Parramon, que ensina que os artistas precisam andar no mundo com os olhos bem abertos, com a percepção em sua capacidade total, para que possam captar aqueles momentos – por vezes fugidios – em que o Real se revela, a Natureza se escancara, as coisas do mundo se deixam penetrar profundamente.

O artista realista não é aquele que reproduz somente o exterior. Ele não copia o mundo, mas cria sua obra também baseada no espírito que faz parte da Natureza, que possui uma forma. E Rodin complementa: ele revela “a verdade toda, e não apenas a superfície”. Em seus traços e pinceladas, em suas cores e relações de sombra e luz, o artista expressa a própria alma alcançada pela verdade do que viu, como esse vento gelado alcança minhas mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo.

“Em suma, as puras obras-primas são aquelas nas quais não se encontra absolutamente nada que seja inexpressivo, como formas, linhas e cor, mas tudo, absolutamente tudo se resolve em pensamento e em alma”, afirmou o mestre escultor Auguste Rodin a seu amigo Paul Gsell. Que completou: Arte é contemplação - o prazer da mente que penetra a natureza e interpreta o espírito que a anima".

E eu vou sseguindo meu caminho. Vou olhando, vou vivendo. Enquanto meus pensamentos vão formulando ideias. Por que “eu sou trezentos, sou trezentos e cinqüenta”...

"Ôh espelhos, ôh! Pirineus! ôh caiçaras! 
Se um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!"

(trecho do poema Sou trezentos,
de Mário de Andrade)

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Rembrandt van Rijn, o mestre holandês

O artista em seu ateliê, Rembrandt, 1626-1628
Hoje, 15 de julho de 2013, comemoramos o nascimento de um dos maiores pintores de todos os tempos: Rembrandt van Rijn. Em sua homenagem, um pouco de sua vida.

No dia 15 de julho de 1606, na cidade de Leiden, na Holanda, nasceu o pintor Rembrandt Harmenszoon Van Rijn. Ele foi o oitavo filho de um proprietário de moinho que ficava às margens do rio Rhin e por isso seu sobrenome acabou ficando “Van Rijn” (do Rio). Originalmente católica, a família se converteu ao calvinismo. Seus pais já não eram jovens e diz-se que Rembrandt sempre guardou uma impressão, desde cedo, de que seus pais eram muito velhos.


A mãe do pintor, gravura
No chamado “Século de Ouro” - o século XVII -, a cidade de Leiden era um dos mais importantes centros culturais da Holanda. Sua riqueza se devia principalmente ao florescimento das manufaturas têxteis, um grande mercado que era seu grande centro comercial. Lá também tinha uma universidade e uma intelectualidade com tradição humanista e artística. Exatamente em Leiden, desde o século XV tinha se desenvolvido uma notável escola de pintura a óleo, tendo como uma de suas principais referências o pintor Lucas de Leiden, excelente pintor e gravador, nascido por volta de 1490. Vem dele, segundo alguns autores, a influência inicial de do jovem Rembrandt.

Já desde o começo do século XVII, chegavam notícias vindas da Itália a respeito de um pintor italiano cujo tratamento especial da luz dava à pintura um efeito muito surpreendente e realista. Era Caravaggio. Rembrandt, portanto, começa sua formação em um meio muito favorável ao desenvolvimento pessoal: de um lado, a pintura inspirada nos italianos e, por outro, a escola de Amberes, dirigida por Peter Paul Rubens. Por outro lado, na Holanda calvinista as famílias comuns já decoravam suas casas com pinturas de execução bastante refinada, diferente de outros países, onde as obras de arte eram basicamente destinadas a palácios e igrejas.

Quando o jovem Rembrandt completou 18 anos, em 1624, terminou sua fase de formação, passando seis meses no atelier do pintor Pieter Lastman em Amsterdam. Lastman tinha passado pela Itália e era um pintor de “história”, ou seja, executava obras com cenas sagradas ou mitológicas e destinadas a um público de entendidos. Em Amsterdam o gosto pela pintura italiana já se fazia presente em diversos círculos. Rembrandt, diz uma de sua biografias (Rembrandt, el más importante hereje de la pintura, de Stefano Zuffi) se dedicou a estudar pacientemente a pintura de Lastman, copiando “seus temas e composições”.

O mestre de Leiden, então, se acostuma a um desenho preciso e se familiariza com cenas de grande intensidade, mas com uma energia própria e com espírito inovador. 

Começa sua carreira


A Guilda dos Tecelões, Rembrandt, 1662 
Após o período ao lado de Lastman em Amsterdam, Rembrandt volta para Leiden. Tinha 19 anos de idade quando começou sua carreira profissional. Se associa a um amigo, Jan Lievens, que também havia estudado com Lastman e os dois abrem um atelier profissional. Trabalhavam juntos, copiavam um ao outro e utilizavam os mesmos modelos. Logo ficaram conhecidos em Leiden e sua fama não demorou a se expandir.

Em 1628, no mês de fevereiro, Rembrandt recebe seu primeiro aluno, Gerrit Dou, que tinha 15 anos de idade. Mais ou menos no mesmo período Rembrandt começa a ter seus primeiros êxitos econômicos: tinha levado à pé, de Leiden a Amsterdam (uma distãncia de 40 km) um quadro que conseguiu vender por uma boa soma de dinheiro. Gerrit Dou fica como aluno de Rembrandt até 1632, quando este se muda para Amsterdam. Ele já era considerado entre os “pintores refinados” da escola de Leiden e lá também tinha se envolvido pessoalmente com a organização de uma Corporação de pintores.


Assinatura de Rembrandt da fase
 final de sua carreira
Um certo dia, ainda em sua cidade, ele e seu parceiro Jan Lievens recebem a visita, em seu atelier, de Constantin Huygens, poeta e um dos homens mais cultos e influentes da Holanda. Em sua autobiografia, mais tarde, Huygens fala dessa visita ao atelier dos dois jovens pintores de origem humilde (um era filho de um moleiro, o outro de um bordador) e disse que ficou com uma impressão muito profunda deles. De Rembrandt, Huygens disse que ele era dotado de um desenho fino e elegante e comunicava “palpitantes emoções”. Huygens encomenda a Lievens o seu retrato, e a Rembrandt um de seu irmão. No anos seguintes, Constantin Huygens auxiliou os dois pintores, encaminhando Lievens para a Inglaterra e garantindos excelentes encomendas para Rembrandt. Huygens também propunha obras desses dois pintores a colecionadores internacionais. Ele os colocava no mesmo pé de igualdade com os pintores italianos, que possuíam grande fama na Europa.

Os maiores modelos que Rembrandt teve para sua obra foram seus próprios familiares. Sua companheira Saskia, por exemplo, foi por ele pintada inúmeras vezes. Mas ele pintava seus familiares como personagens, interpretando algum papel na pintura, nunca como simples retratos. Sua mãe era sempre uma velha devota, seu pai era um velho áspero e expressivo, sua irmã Lijsbeth uma mulher ruiva e sempre meio sonolenta e seu irmão Tito aparecia sempre como um menino bonito e com ar de surpresa.

Vida em Amsterdam


Negros, Rembrandt, 1661
Após a morte de seu pai, em 1632 Rembrandt resolve arriscar a vida em Amsterdam. Um marchand local, Hendrick van Uylenburch, lhe oferece um local onde morar e montar seu atelier numa área nobre da cidade. E se torna o intermediário entre o pintor e a clientela nova. No começo, Rembrandt pinta bastantes retratos, porque precisava ficar conhecido no mundo dos colecionadores e dos ricos compradores de obras de arte da Holanda.

Na época em que Rembrandt chegou lá, Amsterdam era uma cidade em pleno desenvolvimento econômico, urbanístico e social. Grande porto comercial e capital de um império colonial, Amsterdam possuía lojas e mercados onde se podia comprar de tudo, incluindo objetos e coisas diversas vindas de várias regiões do mundo.  Ao lados dos canais que cortavam o centro velho da cidade, se erguiam casas confortáveis para os ricos comerciantes locais. Muitos deles passaram a comprar quadros de Rembrandt.

Foi na casa de Hendrick van Uylenburch que o pintor conheceu Saskia, parente próxima do marchand, órfã de pai e que havia chegado há pouco em Amsterdam. Ela tinha 20 anos de idade quando os dois se conheceram e entre eles surgiu um grande amor. Eles se casaram no dia 22 de julho de 1634. Rembrandt tinha 28 anos. Para o filho do moleiro, esse casamento com Saskia representava uma ascensão social.


Um dos retratos de Saskia
Logo Rembrandt se tornou um homem rico, não só por agora ter um parentesco com pessoas ligadas à alta sociedade holandesa, mas também por causa de sua pintura, cada vez mais admirada e requisitada. Com 29 anos, vai morar numa bela casa com Saskia e monta um amplo atelier, onde recebe um número grande de alunos. Na Corte de Haya, graças à Constantin Huygens, o nome de Rembrandt já se tornava conhecido. Recebe encomendas muito bem pagas. Como ele não se dizia nem calvinista e nem católico, pintava tanto para um público quanto para o outro, assim como também para judeus. Nesse período de grande prosperidade na Holanda, havia uma mania nova entre os ricos: colecionar obras de arte. Também Rembrandt se tornou colecionador.

Ele possuía uma curiosidade inesgotável e tinha gosto por toda novidade. E Amsterdam, com toda a prosperidade em que vivia naqueles tempos, era o centro para onde chegavam as novidades do mundo. Nos anos 1630, a expansão colonial holandesa havia atingido seu cume, inclusive com a consolidação de algumas possessões em vários continentes e países, incluindo o Brasil, mais especialmente em Pernambuco. Fora isso, a Guerra dos 30 anos que estava ensanguentando a Europa, não atingiu a Holanda.


A lição de anatomia do dr. Tulp, Rembrandt, 1632

Tempos de prosperidade


Rembrandt nunca saiu de seu país, nem mesmo para ir à Itália, como era costume inclusive de muitos dos pintores holandeses. Segundo Stefano Zuffi, ele não tinha nenhuma vontade de sair da Holanda, inclusive porque mantinha um ritmo de trabalho intenso. Além disso, havia grande disponibilidade de obras italianas em Amsterdam, que ele podia observar de perto. E acrescenta que o mestre conhecia muito bem a arte do Renascimento e do Barroco e que ele sentia “constantemente a necessidade de uma verificação nos mais altos níveis” da pintura.

Rembrandt já tinha muitos amigos e admiradores em Amsterdam. Mas com o passar dos anos, alguns deles se tornaram seus credores, muitos deles insaciáveis. Do seu apogeu à sua ruína, se passaram 15 anos.


Paisagem com três árvores, Rembrandt, 1643
Este pintor se dedicou durante muito tempo ao ensino da pintura, como mestre. Gostava disso, e chegou a ter alunos admiráveis, que também foram seus colaboradores. Eles lhe pagavam para ter aulas com ele. Era um professor dedicado e generoso, ficava muitas horas cuidando da formação de seus alunos. Eles faziam desenhos e pinturas com modelos vivos nus, e muitas vezes posavam para algumas composições do mestre, vestidos com trajes e adereços teatrais que pertenciam a Rembrandt.

Sabe-se que Rembrandt adorava o teatro. Quando era criança havia participado em pequenas encenações em sua escola, o que lhe despertou uma afeição verdadeira pelo teatro, que ele pode ver ainda mais satisfeita em Amsterdam. A atividade teatral na Holanda também era efervescente nos tempos do pintor. O teatro culto convivia com espetáculos ambulantes que aconteciam nas feiras e mercados. Os gestos, as roupas e a encenação dos atores eram para ele um mundo fascinante e inspirador. Estimulava seus alunos a frequentar eventos teatrais, para que estudassem os movimentos e as expressões dos atores em cena. Também diz-se que era um homem de profundas reflexões e sempre questionava o papel do pintor no mundo.

Em plena prosperidade, Rembrandt muda-se com sua família, em 1639, para um palacete de dois andares, onde também podia organizar melhor sua grande coleção de arte e de curiosidades do mundo, que ele comprava nos mercados e feiras. O preço dessa casa era muito alto, mas ele tinha bastante dinheiro e vendia muito. Deu uma primeira entrada, uma quarta parte do valor total, e se comprometeu a pagar o resto da dívida em seis anos.

Em 1642, o mestre havia alcançado o cúmulo da fama e do êxito econômico devido às suas telas “Ronda noturna”, “Estampa de cem florins”, aos seus numerosos alunos, às encomendas que recebia e aos elogios dos críticos. Mas em sua vida pessoal, as coisas estavam difíceis. Seus pais morreram, depois morreu uma irmã querida de Saskia. Pior ainda, três filhos do casal haviam morrido ainda muito pequeninos. Saskia dá à luz a um quarto filho, Tito, batizado em 22 de setembro de 1641. Mas ela adoece após o parto e foi acometida de tuberculose. Após meses de muito sofrimento, no dia 14 de junho de 1642 a esposa amada de Rembrandt morre. Ela só tinha 30 anos de idade.

A ruína


Tito estudando, Rembrandt
A morte de Saskia foi uma grande tragédia pessoal para Rembrandt. Diz-se que seu abatimento durou meses, mas ele tinha um filho ainda bebê para cuidar e tinha sérias dificuldades para organizar sua vida familiar. Na sociedade holandesa, era a mulher que administrava a economia doméstica, cuidava da educação dos filhos, administrava os empregados da casa. Em geral, as mulheres holandesas possuíam grande cultura, mesmo que ainda sofriam o preconceito em alguns setores da vida social. Mas a literatura holandesa do século XVII apresentava muitos títulos para o público feminino.

Saskia, então, deixou o pequeno Tito órfão de mãe com apenas 9 meses de vida. Ela havia deixado de herança a Rembrandt uma parte de dinheiro, condicionando a que ele não voltasse a se casar. Rembrandt se apega muito a seu pequeno e único filho. O mestre resolveu contratar uma ama-de-leite, Geertje Dircx, uma camponesa viúva. Geertje se ocupa com firmeza das tarefas domésticas e do menino. Ela era analfabeta e rude, o oposto de Saskia. Mas era muito trabalhadora e decidida. E se torna amante do mestre, coisa que escandalizou a sociedade calvinista local. Além disso, eles repreendiam o fato de Rembrandt não ter nenhuma prática religiosa, de gastar mais do que ganhava inclusive para comprar coisas extravagantes, como, por exemplo, animais exóticos. 

Sua fama começa a se enodoar com os preconceitos da sociedade holandesa, apesar de ainda ser muito respeitado como artista pelos críticos. Os amigos vão diminuindo, alguns alunos abandonam seu atelier. Geertjer, mais tarde, abre um processo contra ele, acusando-o de não ter cumprido uma promessa de matrimônio. O tribunal obriga Rembrandt a pagar à ela uma pensão anual.


Tito, o filho do artista
Nos anos 1650, o gosto pela pintura também sofre uma mudança. Se adquirem pinturas mais suntuosas, naturezas-mortas exuberantes, paisagens belas. Rembrandt sempre havia preferido os temas maiores da pintura. Para ele, as pinturas de gênero, as paisagens e as naturezas-mortas não lhe atraíam muito. Mas executou algumas dessas obras, mesmo que já mostrava seu afastamento cada vez maior desse gosto geral. Enquanto os compradores de arte queriam pinturas ricas e faustuosas, ele resolveu pintar uma imagem dramática como a do “Boi esquartejado”, uma representação da morte.

O interesse de compradores holandeses por sua obra diminuíram, mas ele ainda atraía muitos compradores de outros lugares da Europa. Um deles foi Antonio Ruffo, que manteve uma prolífica correspondência com o mestre. Ruffo comprou mais de 220 gravuras e diversas pinturas.

A Holanda entra em guerra com a Inglaterra e a recessão surge. Os credores de Rembrandt aumentam ainda mais a pressão sobre ele, que começa a vender os móveis da casa. Ainda havia a dívida do imóvel. Nessa época, ele havia mantinha uma relação amorosa com Hendrickije Stoffels, que fica grávida e dá à luz uma menina. Rembrandt resolve dar o nome da filha de Cornelia, como havia tentado dar a duas outras filhas que tivera com Saskia e que tinham morrido. As dificuldades financeiras se ampliam. Em julho de 1656 foi feito um inventário dos bens do mestre: 363 lotes, entre eles coleções de desenhos, gravuras e pinturas de grandes mestres italianos e flamengos. Tudo foi vendido em leilão para pagar suas dívidas. Em seguida, também sua casa é vendida. 

Rembrandt se apega ainda mais a Tito, seu único filho com Saskia que alcançou a idade adulta. Era um menino ruivo, inteligente, mas de saúde delicada. Dele, Rembrandt fez belíssimos retratos. O filho agora era o modelo preferido do pai.


Tito vestido como monge, Rembrandt
Em 1663, morre Hendrickije, sua última companheira. Eles já viviam em uma casa modesta. De tão pobre agora, Rembrandt teve que vender a sepultura onde Saskia havia sido enterrada. O preço de seus quadros voltam a subir um pouco e ele recebe novas encomendas. Sua pintura estava agora cada vez mais próxima de suas lembranças da obra de Ticiano. As pinceladas eram ainda mais densas e ele deixava algumas telas sem finalizar, sem o “último toque”, como o velho Ticiano fazia.

Tito se casa com Magdalena van Loo em fevereiro de 1668 e logo ela fica grávida. Rembrandt vibra com a ideia de ser avô. Mas em setembro, Tito morre. Rembrandt se prostra numa tristeza profunda, quase não sai mais de casa, onde vive com sua filha Cornelia, que agora tinha 15 anos. Quase não se alimenta mais. Em março seguinte, vai assistir ao batizado de sua neta, que recebeu o nome de Tita. Em seguida, morre também a mãe da menina. Rembrandt mergulha mais do que nunca na pintura, como remédio para tanta tragédia. Assim como Ticiano, que também perdeu um filho predileto, Rembrandt se agarra às cores de sua palheta, à sua pintura. Pinta alguns autorretratos, como o fez durante toda a vida.

Em 1669 morre o grande mestre da pintura holandesa. Morre pobre e quase solitário, deixando uma filha e uma neta.


Provavelmente um dos últimos autorretratos de Rembrandt:
Autorretrato com palheta e pinceis, 1665

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas

O Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo fará uma exposição com 57 obras históricas assinadas por Leonardo da Vinci, Michelangelo, Rafael, Ticiano, Tintoretto, Giorgione, Veronese, Correggio, Bellini e outros. A mostra Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas será inaugurada no próximo dia 13 de julho.

Dois dos três andares do CCBB serão ocupados pelos artistas de Florença e Roma, mas a partir do subsolo do prédio os visitantes serão direcionados para ver as obras divididas em cinco núcleos espalhados em quatro andares, com pintores florentinos, romanos e  venezianos. A exposição será uma grande oportunidade para entender a evolução desse movimento artístico, o mais influente do Ocidente, que foi o Renascimento, onde brilharam nomes como Leonardo da Vinci, Tintoretto, Rafael, Ticiano e Veronese, e muitos outros.

Neste artigo e nos próximos falaremos sobre alguns dos mestres que estarão na exposição do CCBB,  tentando mostrar um pouco de sua biografia e de como trabalhavam os pintores renascentistas, que usavam a técnica de pintura em camadas (velatura) e com pinceladas esfumaçando as tintas (sfumato). Neste, iniciaremos falando de Ticiano.

Amor sagrado e amor profano, de Tiziano, 1514, Galeria Borghese, Roma
TIZIANO VECELLIO

Autorretrato, Tiziano, 1562
Ticiano foi um pintor italiano, da chamada Escola Veneziana, que criou uma importantíssima obra pictórica. Ele é considerado como um dos maiores retratistas de seu tempo, especialmente porque tinha muita facilidade em captar as características pessoais daqueles que retratava.

Ticiano nasceu na pequena Pieve di Cadore, na província de Belluno, perto de Veneza, por volta de 1488. Quando ele nasceu, nasceram também dois outros gigantes da pintura italiana: Rafael e Michelangelo.

A importância de Ticiano na história da arte deve-se ao fato de que ele, mesmo não tendo o gênio de Leonardo da Vinci e nem a personalidade forte de Michelangelo, deixou para seus contemporâneos e para a posteridade uma concepção de pintura verdadeiramente revolucionária, pois foi ele quem libertou a pintura dos limites da linha e da forma, dando todo o poder às cores. Por isso sua pintura é classificada por Heinrich Wölfllin (em Conceitos Fundamentais de História da Arte) como pictórica. A pintura linear – praticada por todos os artistas até então e mesmo hoje em dia – é uma técnica que respeita a forma das figuras, utilizando inclusive das linhas para descrever detalhes.

Madalena, Tiziano - esta tela
estará no CCBB
Não havia nenhum aspecto do mundo, nenhum tema que não chamasse a atenção deste grande pintor. No Museu do Prado, de Madrid, Espanha, pude ver pessoalmente e me encantar com a imensa capacidade de trabalho e perfeição técnica alcançada por este mestre veneziano. Ticiano trouxe ao mundo um novo ideal de beleza, inspirado na realidade, e realçado por um colorido totalmente novo para a pintura de seu tempo. Por isso Cézanne, pintor francês mais moderno, disse: “A pintura moderna nasceu em Veneza, com Ticiano”. E André Malraux completaria mais tarde: “Porque a obra de Ticiano traz a todos os pintores mais do que um ensinamento: uma liberação. Ele lhes desata as mãos.”

Ticiano nasceu em uma família de magistrados, mas os detalhes de sua infância são desconhecidos. Sabe-se que aos 12 anos de idade foi enviado a Veneza para estudar desenho, junto com seu irmão Antonio, pois seu talento já tinha sido notado por seu pai. Seu primeiro mestre foi um pintor de mosaicos, que ele logo abandona para ir estudar no atelier de Giovanni Bellini, considerado um dos melhores pintores de seu tempo. Mas logo em seguida Ticiano muda novamente de atelier e vai estudar com Giorgione, dono de um estilo mais flexível com relação às regras da época. Mas Giorgione morre em 1510, com apenas 33 anos, durante uma das epidemias de peste que assolou a Itália e, em especial, Veneza. Seu outro mestre, Bellini, morrerá em 1516, também por causa da peste.

Violante, Tiziano, 1515-1518
Quando o jovem Ticiano vivia em Veneza, esta cidade passava por um de seus períodos mais prósperos: era a cidade mais populosa e dominava o comércio do mar mediterrâneo. Mas seus ricos aristocratas voltaram-se para o interior do continente que hoje forma a Itália, investindo em terras e promovendo a construção de casas e edifícios. A atividade agrícola era bastante desenvolvida também. Veneza vivia em grande prosperidade e abundância. Do ponto de vista cultural, esta cidade também se destacava. Os ideais do Humanismo, a presença de artistas e intelectuais de diferentes origens, faziam com que em Veneza se pudesse se expressar mais livremente, inclusive mantendo mais independência em relação à Santa Sé. Por lá passaram o alemão Albert Dürer, Leonardo da Vinci e Michelangelo. Entre inúmeros outros grandes nomes das artes e das ciências.

Ticiano se deixou impregnar por essa cultura, posteriormente intitulada de Renascimento, e se aproximou também dos filósofos neoplatônicos. Em Veneza, além dos ateliês de Giovanni Bellini e Giorgione, com quem estudou, lá também viviam inúmeros outros artistas trabalhando em seus ateliês e oficinas, como Lorenzo Lotto, que também estará no CCBB.

Ticiano absorveu toda a clientela de Giorgione (após a morte deste), que era feita dos aristocratas locais. Mas atraiu também os interesses de príncipes das pequenas e ricas cortes da Itália central: Parma, os ducados de Este e Ferrare, Gonzaga e Mântova. Carlos V, o monarca francês, teve um retrato pintado por Ticiano em 1530. Isso atraiu ainda mais encomendas para o atelier de Ticiano.

Mater dolorosa, Tiziano, 1554, Museu do Prado, Madrid
Ele já dominava a técnica da arte pictórica e sua pintura era enérgica, dramática, colorida, características desconhecidas até então na pintura veneziana. Sua fama e o respeito por ele, por parte de outros artistas, só aumentava.

Começaram seus anos de intensa atividade, recebendo as mais diversas encomendas, desde a pintura de retratos a outras com temas mitológicos, alegóricos, religiosos. Sua capacidade de pintar paisagens o tornava o verdadeiro herdeiro de Giorgione. Muitos comerciantes flamengos e alemães presentes na cidade também lhe encomendavam pinturas.
Ticiano tornou-se o pintor oficial da República de Veneza e sua sobrevivência estava assegurada – não fosse pela quantidade de encomendas que recebia – também por um salário de cem ducados por ano. Ticiano ocupou esse cargo de pintor oficial de Veneza por mais de 60 anos.

Sua residência  e seu atelier sempre foram em Veneza. Lá também abriu uma loja, junto com seu irmão Francesco que a administrava, onde ele vendia suas obras.

Em 1525, Ticiano casou-se com Cecília Soldani, com quem já tinha dois filhos. Mas ela faleceu ao dar à luz à terceira filha, Lavínia. Abatido pela dor, Ticiano não consegue mais trabalhar por vários meses. Aos poucos sua vida vai voltando ao normal, mas Ticiano nunca mais se casou com ninguém. Dedicou-se aos filhos: Pomponio, que seguiu a carreira eclesiástica; Lavínia, que se casou com um nobre rico; e Orazio, o filho mais próximo a Ticiano, manteve-se ao lado do pai, ajudando-o em seu trabalho.

Ticiano faleceu em 27 de agosto de 1576, um mês depois de seu filho Orazio. Ambos foram acometidos pela peste. Ticiano não deixou discípulos diretos, mas a sua grande lição – a pintura pictórica onde impera o colorido, e ainda mais seus ideais humanistas e progressistas – ficou para as futuras gerações como um exemplo de artista a ser seguido.

Uma pequena amostra do que foi este grande pintor, poderá ser vista nesta exposição do CCBB.
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Exposição:
Mestres do Renascimento: Obras-Primas Italianas
Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB
Rua Álvares Penteado, 112
Centro - São Paulo
Metrô: Sé e São Bento

domingo, 30 de junho de 2013

Retrato de Fernanda

Retrato de Fernanda Sanches, Mazé Leite, óleo sobre tela, junho de 2013
Terminei neste sábado, 29 de junho, esta pintura em óleo sobre tela em quatro seções com a modelo Fernanda Sanches, no Atelier Takiguthi. Optei por uma palheta de valores mais altos, esfriando as sombras com azul, verde e violeta, e na luz mais alta também utilizei temperatura também fria. Para isso, resolvi experimentar o amarelo de cadmium limão misturado com um pouco de branco. Como na camada de baixo eu tinha utilizado antes uma tonalidade alaranjada, esse amarelo de cadmium com branco acabou dando uma luz mais fria. 

Infelizmente a fotografia sempre deixa a desejar em relação ao original, alterando um pouco as cores e por isso tem duas versões aqui, a maior acima e esta pequena ao lado. Algo entre as duas fotos estaria perfeito. Mas enfim, dá uma noção do original. Sabemos que isso também depende do monitor do computador de quem está olhando. 

Na sala do ateliê onde estava a modelo, o foco de luz vinha do lado direito, com um jato forte de luz amarelada, que resolvi aproveitar para construir esta pintura. Foto abaixo, com a modelo Fernanda Sanches.


Pintando retrato da modelo Fernanda Sanches, óleo sobre tela, Mazé Leite